Coluna do Bichara: chuva, batidas, mas disputa que é bom, nada …
Luiz Gustavo Bichara analisa os principais acontecimentos do GP de Singapura de F1
No último final de semana, a F1 mais uma vez chegou a Singapura. Primeira corrida noturna a surgir no calendário, a prova vem sendo disputada desde 2008 e se notabilizou por ser fisicamente a mais desafiadora do ano para os pilotos. O calor extremo e a altíssima umidade do ar dificultam ainda mais a pilotagem neste circuito de rua. Vários pilotos postaram fotos em situações radicais de treinamento. Carlos Sainz e Sergio Perez, inclusive, se deixaram fotografar fazendo exercícios físicos dentro de uma sauna.
Para passar a sensação de “dia”, os 5 km de pista são iluminados com mais de três milhões watts, espalhados em 1.500 pontos no circuito. Também curioso é o fato de que os pilotos não entram no fuso horário local, optando por manter seus relógios biológicos no fuso horário europeu: dormindo de dia e trabalhando à noite. Tudo isso revela o elevado nível de desgaste causado pela prova.
Em todas as suas edições houve a entrada do Safety Car (SC), com muitas sendo encerradas no limite de 2 horas, sem que o número de voltas originariamente previsto tivesse sido cumprido. Em termos de confusão, o GP desse ano não fugiu à regra, embora tenha ficado devendo em emoção.
Já no sábado, a classificação foi precedida por muita chuva. E mesmo quando ela parou, na falta do sol, a pista demorou demais a secar, mantendo trechos molhados, o que fez com que até o Q2 a classificação fosse disputada com pneus de chuva.
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Embora desde sexta-feira as Ferrari viessem demonstrando uma boa performance, Max Verstappen vinha numa volta voadora no final do Q3, abrindo quase um segundo sobre Charles Leclerc, então o mais rápido. Mas subitamente o campeão foi chamado aos boxes, abortando sua volta por ordem da equipe, num lance espantoso. Logo depois veio a explicação: o carro não carregava combustível suficiente para fazer mais uma volta. Sendo a penalidade pela falta de combustível das mais severas, a equipe preferiu deixar Verstappen largar em 8º. A Red Bull viveu o seu dia de Ferrari, cometendo uma barbeiragem das brabas. Com isso, Charles Leclerc mais uma vez conquistou a ponta, seguido de Sergio Perez e Lewis Hamilton.
No domingo, um verdadeiro dilúvio antecedeu a largada, adiada em mais de uma hora. Mesmo com o fim da tormenta, a pista seguia encharcada, especialmente em partes recapeadas, que retinham muita água. Ou seja, todos os pilotos foram obrigados a largar com pneus de chuva. Perez veio muito bem, indo para cima de Leclerc e logo assumindo a ponta. Enquanto isso, para a surpresa e espanto geral, Verstappen caiu para 12º.
Até a volta 9, a corrida seguia praticamente sem alterações de posição, quando Nicolas Latifi abalroou Zhou Guanyu numa batida inexplicável. O canadense realmente é uma chicane móvel e não tem, como já debatido aqui na coluna, a menor condição de estar na F1. Mais perdido do que surdo em bingo, felizmente ele foi “promovido para o mercado” e ano que vem já não pilotará mais a Williams.
O SC foi então disparado, abrindo a fase de pit stops. A prova seguia no estilo procissão - infelizmente típico de circuitos de rua como esse, quase sem ultrapassagens. George Russell, munido de uma coragem escoteira, foi o primeiro a colocar pneus de pista seca - era o último colocado e não tinha tanto a perder. Levou-se apenas um minuto para se perceber que a ideia era péssima. Ele foi a cobaia dos demais, que logo entenderam ser melhor manter os pneus de chuva.
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A partir da volta 22 tivemos uma sequência de quebras e batidas que dispararam outros SC (por vezes virtual). Esteban Ocon, Fernando Alonso (que completava seu 350º GP) Alex Albon, Lewis Hamilton e Iuki Tsunoda foram algumas vítimas. Até o campeão Verstappen, que não costuma errar, partiu para uma ultrapassagem meio kamikaze em cima de Lando Norris e escapou da pista, inutilizando seus pneus e tendo que fazer mais uma parada.
Somente na volta 35 a pista começou a secar, constatação possível na medida que Russel fazia o melhor tempo. Neste momento começou a mudança por pneus slicks. Logo depois, autorizou-se a abertura das asas móveis, mas nem assim a corrida animou; seguia mais chata que uma peça do Gerald Tomas.
Enquanto isso, lá na frente, Sérgio Perez fazia uma prova impecável, escoltado por Leclerc que, embora em alguns momentos tenha chegado perto do mexicano, não ofereceu verdadeiramente perigo. Perez correu grande risco ao se aproximar demais do SC, violando o regulamento no que diz respeito à distância obrigatória entre o líder e o carro de segurança. Isso ocasionou uma investigação durante a prova, que poderia gerar penalidades – como de fato ocorreu. No entanto, o mexicano estava inspirado e conseguiu abrir mais de 5 segundos de Leclerc, neutralizando assim até mesmo eventual penalidade.
Embora a sequência de vitórias de Max Verstappen tenha sido interrompida, a Red Bull cravou mais uma, num dia de pilotagem perfeita de Perez. A Leclerc parece faltar sangue no olho, aquele traço distintivo dos campeões. Não somente foi incapaz de dar o bote para cima de Perez, como sequer conseguiu se manter a menos de 5 segundos do líder, o que faria a vitória cair no seu colo, pois o mexicano foi realmente punido – como se esperava –, perdendo exatamente este tempo. A combatividade de Leclerc é igual a Coca-Cola: era normal, virou light e agora é zero.
O pódio foi completado por Sainz, que fez uma corrida burocrática, sem sequer conseguir acompanhar seu companheiro de equipe. Na Ferrari, talvez seja preciso não só virar a página, mas sim trocar o livro.
Em meio a muitas batidas e pouca disputa, apenas 14 carros terminaram a prova. Merece destaque a performance das McLaren, que cravaram 4º e 5o lugares, tomando da Alpine a 4ª posição no campeonato de construtores. O campeão Verstappen chegou apenas em 7º lugar. Perdeu o seu primeiro match point, mas girou mais uma rosca no parafuso do título. Com enorme vantagem sobre Leclerc (104 pontos), agora sequer depende dos resultados do monegasco para se sagrar campeão.
Se no Japão, semana que vem, o holandês vencer e fizer a melhor volta, coletando os 26 pontos em jogo, já se sagrará bicampeão. O autódromo de Suzuka – casa da Honda, fabricante de motores muito próxima da Red Bull - já foi palco de 13 decisões de títulos (inclusive dos 3 de Ayrton Senna) e parece um cenário perfeito para a merecida glória do imparável holandês voador.