Coluna do Bichara: GP de Monza da F1: regras nutella e anticlimax
Luiz Gustavo Bichara analisa o fim de semana do GP de Monza da Fórmula 1
Neste final de semana, a F1 chegou a um dos seus templos sagrados, o lugar até hoje onde ela mais vezes se apresentou, o autódromo de Monza, na Itália, que completa 100 anos. Mas essa não é a única efeméride comemorada. Há outras, como os 75 anos da Ferrari, e uma muito cara ao Brasil: os 50 anos de nosso primeiro título na F1, de Emerson Fittipaldi que, em no dia 10 de setembro de 72, se
tornou o mais jovem campeão do mundo (Emerson, inclusive, guiou sua Lotus na pista italiana). Por sinal, Monza viu, em 2010, a última vitória brasileira na F1, de Rubens Barrichelo com sua Brown.
A relação especial de Monza com o Brasil parece evocar a frase de Mario Quintana: “O passado não reconhece seu lugar, quer sempre estar presente”. No sábado, a pista deu uma alegria que há muito os torcedores brasileiros não tinham: um título. Felipe Drugovitch foi campeão antecipado de F2. O troféu, claro, turbina nossas esperanças de ter novamente um compatriota na F1. Afinal, todos os campeões da F2, mais cedo ou mais tarde, acabaram encontrando seu lugar na F1.
Tanto que logo em seguida ao título, veio a notícia de que Drugovitch foi confirmado como piloto de testes da Aston Martin, numa articulação liderada pela XP Investimentos, que garantiu a ele 5 mil km de testes e a participação em dois treinos livres ao longo
de 2023.
Aliás, segue intensa a agitação no mercado de pilotos, com muita especulação em torno da vaga na Alpine. Pierre Gasly não é mais dado como certo, e Otmar Szafnauer, chefe da equipe francesa, declarou que nesse momento analisa 14 opções (pelo visto está fazendo seleção pelo Linkedin).
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Mas nesse fim de semana ficou por conta da Williams a oportunidade de estreia para um calouro: com Alex Albon acometido por uma apendicite, a equipe escalou Nick De Vries (campeão da F2, da F-E e atual piloto reserva da Mercedes). Já na qualificação ele foi super bem, passando para o Q2, ao contrário do fraco Nicholas Latifi. Duas curiosidades: no TL1 de sexta, De Vries pilotou a Aston Martin. Desde 1978 nenhum piloto dirigia dois carros diferentes no mesmo final de semana; De Vries tem 20 cm a menos que Albon, de forma que sofreu para caber no cockpit.
O sábado foi marcado também pela confusão de punições decorrentes das trocas de componentes em 9 carros – quase metade dos competidores recebeu algum tipo de punição. Pilotos do pelotão da frente como Lewis Hamilton, Sergio Perez e Carlos Sainz largaram do final do grid. Leclerc fez a pole e (descontadas as punições) foi seguido por George Russel, Lando Norris, Daniel Ricciardo, Pierre Gasly e só então o campeão Max Verstappen, em 7º, ladeado pelo estreante De Vries.
No domingo, a Ferrari de Leclerc (com uma linda pintura amarela em homenagem à cidade de Maranello, na comemoração de 75 anos da Scuderia, assim como os macacões de pilotos e mecânicos) na pole era o estuário das esperanças dos Tifosi (a fanática torcida italiana). O carro estava rápido e parecia finalmente poder dar combate ao incumbente Verstappen, que, por sua vez, declarara que não iria assumir riscos desnecessários, optando por correr de olho no campeonato.
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Leclerc largou bem, defendendo-se de Russel e mantendo a ponta. Verstappen, ao final da 1ª volta (ainda sem abrir a asa móvel) já era o 3º. Sainz também vinha em bela recuperação, ganhando 11 posições em apenas nove voltas. Mas numa pista rápida como Monza (em 2020 a velocidade média da corrida foi de 261 km/h) a estratégia de pneus seria bastante importante, e essas cartas começaram a ser abaixadas na volta 12, quando o Safety Car virtual entrou em cena após o abandono de Sebastian Vettel. Leclerc, beneficiado por ser o ponteiro, teve tempo de parar ainda sob o Safety Car, ganhando, teoricamente, um bom tempo, e uma vantagem em condições
normais de estratégias de pit. Mas ali ficou claro que ele iria para duas paradas.
Já Verstappen optou por parar apenas na volta 26, revelando que iria para uma parada (embora isso não tenha sido, curiosamente, entendido pela narração da prova na TV). Leclerc abriu então 10,5 segundos de vantagem, mas estava muito claro que, tendo que parar de novo, era presa fácil para o campeão. A conclusão nua e crua é que a Ferrari errou mais uma vez na estratégia. Dito e feito. Leclerc parou de novo na volta 33, retornando 18 segundos atrás do holandês voador. Vinha de pneus macios novos. Embora Verstappen estivesse com pneus médios e já um pouco gastos, faltavam 20 voltas para o final. O monegasco teria que tirar um segundo por volta
para colar no holandês. Claro que não ia dar. O dia da esperança é a véspera da desilusão.
A Ferrari teve um último suspiro quando, faltando 5 voltas para o final, Ricciardo quebrou na reta, causando a entrada do Safety Car. Todo mundo trocou pneu de novo, e Leclerc poderia dar um bote final. Mas logo ficou claro que aquela McLaren imóvel, sem ninguém para rebocá-la durante um bom tempo (até porque hoje em dia os carros ficam eletrificados, então, até a respectiva luz assim indicando se apagar, ninguém pode neles sequer tocar), era o cadáver de todo aquele débil otimismo ferrarista. A corrida não foi reiniciada, sendo encerrada sob o Safety Car. Um banho de água fria.
Aqui volto a um tema já abordado na coluna: essas regras 'nutella' precisam ser revistas. É absolutamente inaceitável que, por uma frescura como essa, a prova termine sob Safety Car. Duas
sugestões de simplicidade franciscana: (a) ao se notar que o carro demoraria a ser removido, a prova poderia muito bem ter sido paralisada. Bandeira vermelha serve para isso! Removido o “perigo”, a corrida seria reiniciada (como foi feito em Baku em 2021); (b) o circuito de Monza tem 5,8 km. Seria muito simples uma bandeira amarela ali na zona onde de “perigo” (por exemplo, por 1 ou 2 km), liberando-se a corrida no resto do circuito. Até mesmo nesse momento Mattia Binotto encarnou a quintessência da apatia. Era hora dele entrar no rádio e discutir com o diretor de prova, exigir uma bandeira vermelha, enfim, tentar qualquer coisa.
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Lembrem-se do lance decisivo da temporada de 2021, aquela bandeira amarela final em Abu Dhabi. Toto Wolf e Cristian Horner travaram um duelo paralelo de interpelações a Michael Massi pelo rádio (esse que aliás deve estar em casa rindo de tudo) tentando resolver a questão “no grito”. E Binotto em silêncio obsequioso, mesmo na presença de John Elkman, presidente da Ferrari e seu patrão, que fez rara aparição. Binotto não tem jeito: se der para ele duas tartarugas uma foge e a outra engravida.
Claro que depois disso todas as feridas não cicatrizadas da decisão de 2021 voltaram a sangrar, e rapidamente choveram declarações de um lado e de outro, muitos coxinhas defendendo que agora sim se fez o correto etc.
Este é um esporte de alta performance, os pilotos são a nata da
nata do automobilismo mundial, e um nível de risco há de ser tolerado. Não se pode pilotar com o espinho do medo cravado no coração. Estamos falando de corridas de carros, não de campeonato de Beach Tenis.
E nesse anticlímax, Verstappen seguiu tranquilo para sua 5ª vitória consecutiva (a 1ª em Monza), com Leclerc e Russel completando o pódio. Sainz e Hamilton fizeram boas corridas de recuperação, chegando em 4º e 5º, seguidos de Perez. Merece também registro a notável performance do estreante De Vries, que chegou em 9º,
marcando dois pontos, coisa que até hoje Nicolas Latifi não fez em 16 corridas. Tudo indica que a Williams já encontrou um substituto para ele, até porque com o budget cap hoje existente, a equipe não parece ser mais tão dependente de pilotos pagantes.
Aplausos também para o consistente Russel, presença frequente nos pódios esse ano. Apesar das dificuldades da Mercedes, ele está apenas 16 pontos atrás de Leclerc e sete de Perez, vivíssimo na disputa pelo vice-campeonato.
Já o campeonato pode até ser decidido na próxima prova, em Cingapura, bastando que Verstappen vença fazendo a melhor volta e Leclerc não chegue ao menos em 6º. O título do holandês aponta certo como o trovão após o raio.