Argentina 6×0 Peru: suspeita goleada que eliminou o Brasil faz 40 anos
Em meio à sangrenta ditadura de Videla, seleção da Argentina precisava de pelo menos quatro gols para ir à final da Copa de 1978 e eliminar a Seleção Brasileira. Conseguiu...
Uma das maiores polêmicas da história das Copas do Mundo completa 40 anos. Foi em 21 de junho de 1978, na cidade de Rosário, que a Argentina goleou o Peru por 6 a 0, conseguindo mais do que os quatro gols de diferença necessários para se classificar à final e, por consequência, eliminar o Brasil. Colocado sob suspeita, o goleiro nascido na Argentina, curiosamente em Rosário, e naturalizado peruano, Ramón Quiroga carrega até hoje, aos 67 anos, o fardo de ser acusado por facilitar a vida dos argentinos. Não só ele...
A segunda fase, ou semifinais, foi formada por dois grupos de quatro. Em um deles, Argentina, Brasil, Peru e Polônia lutaram por uma vaga na final. Um empate sem gols entre brasileiros e argentinos, vitórias do Brasil (sobre Peru, 3 a 0, e Polônia, 3 a 1) e triunfo da Argentina por 2 a 0 sobre os poloneses deixaram a classificação brasileira nas mãos dos peruanos, na rodada final. Seria necessária uma vitória por quatro gols de diferença para que os argentinos superassem o Brasil no saldo e seguissem para a decisão.
O placar que a Argentina precisava foi alcançado já aos cinco minutos do segundo tempo, quando Luque marcou um minuto após Kempes - o mesmo já tinha feito um gol no primeiro tempo (Tarantini fez o outro). Houseman, aos 22, e Luque, de novo, aos 27, fecharam a conta em 6 a 0 para os argentinos.
É preciso entender o contexto político do país-sede, fator fundamental para as suspeitas que foram levantadas. A Argentina vivia uma das mais sangrantes ditaduras, com mais de 30 mil pessoas desaparecidas. Enquanto gols saíam nas quatro linhas, a violência acontecia nos porões ditatoriais. Vencer a Copa do Mundo em casa era questão de Estado para o presidente Jorge Videla.
No futebol atual, é difícil entender como Brasil x Polônia e Argentina x Peru não foram realizados, na rodada decisiva, no mesmo horário. Mas aquilo não era uma estranha novidade, fato já ocorrido, por exemplo, na Copa anterior, em 1974. A Seleção Brasileira jogou às 16h45, em Mendoza, e venceu os poloneses antes de esperar pelos argentinos, às 19h15. A Argentina entrou em campo sabendo o que precisava para avançar e eliminar o rival sul-americano.
O time argentino era fortíssimo. O Peru vinha de uma boa campanha, com vitórias sobre Escócia (3 a 1), Irã (4 a 1), empate com a Holanda (0 a 0) e derrotas para Brasil (3 a 0) e Polônia (1 a 0). O primeiro tempo foi duro, mas logo no começo da etapa final a Argentina atropelou os peruanos.
Apesar de Quiroga ter virado um personagem central, as imagens dos seis gols não mostram falhas do goleiro, que sempre negou acusações e ainda levantou suspeitas sobre companheiros. Em 1998, ao jornal "La Nación", ele afirmou que "coisas raras" aconteceram antes do jogo, como a visita de Videla e militares argentinos à concentração do Peru. Afirmou ainda que o zagueiro Rodolfo Manzo foi jogar no futebol argentino depois da Copa do Mundo. Em tom racista, Quiroga afirmou que negros do seu time foram subornados.
Quiroga, por sua vez, foi acusado, em entrevista do ex-jogador peruano José Velásquez, publicada em março deste ano pelo jornal Trome, do Peru.
- Seis de nós nos reunimos um dia antes com o treinador, Calderón, para pedir que Quiroga não jogasse, por ser argentino. Ele aceitou, mas no dia seguinte mudou de ideia. O que eu devo pensar, que se vendeu ou não? - afirmou Velásquez, que foi substituído no começo do segundo tempo.
- Se venderam desde o presidente. Seis jogadores nossos se venderam. Posso citar quatro: Manzo, Gorriti, Muñante e Quiroga - completou.
A visita de Videla aos peruanos também foi lembrada pelo ex-atleta.
- O que eles tinham que fazer ali? Foi uma maneira de nos pressionar, de encontrar quem tinha se vendido. A corrupção sempre existiu - disparou.
Germán Leguía, outro ex-atleta procurado pela imprensa peruana para repercutir as declarações, revelou ainda que o Brasil fez uma oferta financeira para que o Peru não perdesse por mais de três gols de diferença.
- Houve uma oferta do Brasil para que ganhássemos ou perdêssemos de até 3 a 0. E era muito dinheiro. Muitos jogadores se irritaram com a notícia. Me procuraram para esta oferta - disse Leguía, que lembrou da visita de Videla.
- Ele entrou com Kissinger (secretário de Estado dos Estados Unidos), nos falou dos irmãos argentinos, leu um comunicado de Morales Bermúdez (ditador do Peru na época), dizendo que a Argentina sempre colaborou e defendeu os peruanos… Era como se dissesse que se a Argentina não fosse campeã arrebentaria tudo - contou Germán Leguía.
Enquanto os personagens daquele 21 de junho de 1978 estiverem vivos, novos relatos podem surgir. O que ninguém muda: a Argentina tinha, sim, um timaço, venceu por 6 a 0 e seguiu para a final contra a Holanda, no Monumental de Nuñez. O time do artilheiro Mario Kempes, comando por César Menotti, venceu por 3 a 1, na prorrogação, e deixou o país em festa. Para alegria do ditador Videla. O Brasil ficou em terceiro lugar, após vencer a Itália por 2 a 1.
FICHA DO JOGO
ARGENTINA 6X0 PERU
Argentina: Ubaldo Fillol, Jorge Olguín, Luis Galván, Daniel Passarella e Alberto Tarantini, Omar Larrosa, Américo Gallego (Miguel Oviedo 41/2º) e Mario Kempes, Oscar Ortiz, Leopoldo Luque e Daniel Bertoni (René Houseman 20/2º). T: César Menotti.
Peru: Ramón Quiroga, Jaime Duarte, Rodolfo Manzo, Héctor Chumpitaz e Roberto Rojas, Alfredo Quesada, César Cueto, José Velásquez (Raúl Gorriti 7/2º) e Teófilo Cubillas, Juan Muñante e Juan Carlos Oblitas. T: Marcos Calderón.
Árbitro: Robert Wurtz (FRA)
Gols: Kempes (21/1º), Tarantini (43/1º), Kempes (4/2º), Luque (5/2º), Houseman (22/2º) e Luque (27/2º)