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Renato Augusto: um treinador em campo e a frieza das cicatrizes

Desde a base do Flamengo, meia já discutia tática com seus treinadores e até 'escalava' o time. Amigo inseparável acha que lesões fortaleceram mais um 'Homem de Gelo'

Renato Augusto é a cabeça fria de Tite dentro de campo, mas lesão o atrapalhou
imagem camera(Arte: Jader Ferraz)
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Lance!
Enviado especial a Sochi (RUS)
Dia 12/06/2018
00:42
Atualizado em 17/06/2018
11:39

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Renato Augusto foi um dos jogadores da Seleção Brasileira que tiveram problemas físicos durante a preparação para a Copa do Mundo. Por conta de uma inflamação no joelho esquerdo, passou mais de uma semana fora dos treinos no campo. Falou-se em corte. Mas essa possibilidade nunca passou pela cabeça de Tite sem causar calafrios. Não é para menos. Na visão do treinador e sua comissão técnica, não há outro atleta que entenda mais do jogo como o meia do Beijing Guoan, da China. Pode haver igual, mais não. Fino trato com a bola Renato sempre teve desde os tempos de futsal, mas sua consciência tática acima da média foi determinante para despertar a paixão em Tite, fazer dele um dos 23 "Homens de Gelo" e o décimo personagem da série do LANCE! sobre o grupo que tentará o hexa na Rússia.

NA BASE, JÁ 'ESCALAVA' O TIME


Renato Augusto teve na base do Flamengo treinadores com apreço pela parte tática, mas nenhum o marcou mais do que Mauro Félix, que o comandou até o juniores e ainda faz parte das categorias inferiores do clube carioca. Félix tentava passar os ensinamentos necessários extrair ao máximo de um meia provido de muito talento, mas às vezes os papéis se invertiam. Era de Renato a opinião determinante, reflexo de sua inteligência anormal em campo e humildade do treinador de receber conselho de um garoto. Félix lembra de uma passagem sobre Bruno Mezenga, atacante de 29 anos e formado no Flamengo assim como Renato. Atualmente, atua pelo Akhisar Belediyespor da Turquia.

- Eu estava em dúvida com relação a ele (Bruno). Ele era canhoto, já tinha jogado em tudo pelo lado esquerdo, aí perguntei ao Renato que ele achava. Ele falou:"É bom jogador", e me mandou colocá-lo de 9. Aí o Bruno disparou. Essa liderança tática para um garoto de 15 anos era fantástica - conta o treinador.

Tantas eram as discussões entre os dois sobre tática que em determinado momento Renato se esgotou. Mauro Félix sempre gostou muito do tema, ao ponto de passar horas imaginando a montagem de um time só com jogadores canhotos, o oposto do maior Flamengo de todos os tempos, campeão do mundo em 1981 só com jogadores destros.

- Ele reclamou uma época: "Não aguento mais, muita parte tática, Mauro". Mas depois me agradeceu e disse que fui seu melhor treinador - orgulha-se Félix.

Em Tite, Renato encontrou o mesmo fascínio pelo entendimento do jogo e um aporte ainda maior para consolidar sua trajetória na Seleção. Foram campeões brasileiros pelo Corinthians em 2015, ano em que Renato foi escolhido o craque do campeonato. Para Félix, um dos primeiros mestres, fruto da sabedoria tática, qualidade técnica e uma frieza também acima.


- Final de Fla-Flu infantil. A gente tinha jogado em Xerém, tinha perdido esse jogo, tínhamos que inverter o placar de 4 a 2. Fizemos. E teve um momento que sofremos um pênalti, o jogo estava 2 a 2. Ele só pegou a bola, colocou debaixo do braço e bateu, fez o gol no Maracanã. Um garoto de 15 anos. Em grandes jogos, ele tinha uma confiança, liderança acima da média - afirma.

O PARCEIRO DO TIO SAM

Renato Augusto começou a ganhar destaque no futebol no Tio Sam, famoso time de futsal de Niterói. Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Lá, com cerca de oito anos, conheceu Guilherme dos Santos Accioli, o Fronha. Melhores amigos no futebol de trajetórias que durante muito tempo andaram juntas, mas tomaram rumos diferentes. 

Fronha jogou com Renato Augusto até 2005 na base do Flamengo, pouco antes do amigo ser alçado ao profissional. Zagueiro, não sabe bem dizer por que não deu certo no futebol, mas tem na ponta da língua por que o amigo deu.

- Renato sempre foi um cara bem determinado, disciplinado, sempre sabia o que queria. Um cara altamente competitivo, não gosta de perder nem par ou impar, trabalha bastante, se cobra muito. Esses fatores, junto com qualidade técnica, o dom, foram determinantes - afirma.

Por ser zagueiro, Fronha foi durante muito tempo o capitão nos times que Renato Augusto jogava, boa parte no Flamengo. Mas muitas vezes ele que ouvia o conselho do amigo. Ambos nasceram em 1988. Ele lembra de um episódio envolvendo uma rodada de pizza. Se você está acompanhando essa série e leu sobre a história de Casemiro, sabe o quanto ela pode simbolizar o comportamento de um atleta.

- Quando você é garoto, você sempre quer fazer o que não pode e ele sempre foi um cara que segurou bastante: "Não vai por aí, vamos depois. Deixa as coisas acontecerem primeiro". E teve um lance engraçado quando a gente estava disputando um torneio pelo Flamengo na Venezuela. A gente recebeu uma cartilha de regras, e na estreia ganhamos de 8 a 0 do Barcelona de Guayaquil no sub-15 - conta o amigo de Renato Augusto.

- Recebemos premiação pela vitória, e a alimentação da organização era muito ruim. A gente sabia que não podia pedir nada do hotel, e um grupo de jogadores acabou pedindo pizza, queria comemorar, comida por fora. E eu falei que não daria nada: "Pô, Renato, estou morrendo de fome". Ele falou: "Se não der problema nenhum, todo mundo comer, eu pago uma pizza inteira pra você". Como a gente ficava no mesmo quarto, eu fiquei com fome, mas ele disse que ia dar merda, e acabou dando problema. Tive de escutar ele falar: "Tá vendo, avisei". A diretoria acabou descobrindo, pegou as coisas de volta, as pizzas - completa.


O Flamengo acabou sendo campeão e, antes da final, Fronha teve uma indisposição estomacal que o tirou da partida. Só entrou no fim para poder dizer que participou do jogo. No lugar de Renato Augusto.

CAMINHOS QUE SE BIFURCAM

A relação de Renato Augusto e o amigo Fronha não pode ser vista no profissional do Flamengo, mas se estendeu além do rubro-negro. Em 2008, quando foi vendido ao Bayer Leverkusen (ALE), o meia da Seleção levou o amigo junto. Fronha acabou jogando pelo VSL Leverkusen, um clube semi amador da mesma cidade em que estava Renato. Uma experiência além das quatro linhas. 

- Foi importante morar em outro país, hoje falo uma língua fluente e outra mais ou menos, falo alemão fluente. Tinha chegado a idade a hora de parar. Mas tenho certeza de que ainda vou realizar meu sonho - diz Fronha.

O sonho do jogador aposentado é voltar a trabalhar com futebol, agora na parte de preparação física, em que é formado. De preferência na comissão técnica do amigo Renato, que cogita ser treinador quando parar de jogar. Todos falam que ele tem tudo para ser. Mas antes o objetivo é ser hexa com o Brasil.

CORPO FECHADO?

Renato foi titular da Seleção de Tite até o fim do ano, quando passou a perder lugar na equipe. De novo, os problemas físicos recorrentes até anos atrás voltaram a atormentar. Após a apresentação, o problema no joelho. Mas houve a recuperação e o meia afastou o risco de corte. No momento, a comissão técnica já vê ele em condição de brigar novamente pela posição, que foi ocupada nos dois amistosos pré-Copa por Fernandinho e Philippe Coutinho, que deve iniciar o Mundial. Mas Fronha sabe o quanto as cicatrizes de diversas cirurgias fortaleceram o amigo.

- Ele teve esse histórico, problemas com lesões, e teve de amadurecer bastante, soube diversas vezes conviver com a dor. A gente vê o cara saudável, tem essa imagem, e ele sofreu muito com isso, período bem difícil na Alemanha. Foi bem complicado, e acho que a volta ao Corinthians, o trabalho de fisioterapeutas que fizeram , médicos, foi excepcional. Ele também entendeu melhor o corpo dele, saber até onde poderia ir. Isso fortaleceu mentalmente, para chegar, e ficar forte dentro e fora de campo. Isso é diferencial.

Forte e bem psicologicamente, o "treinador" Renato briga por espaço para ser em campo a frieza tão perseguida e exigida por Tite na Copa do Mundo.




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