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Histórias iranianas na Copa do Mundo da Rússia

Irã em quatro tempos: a primeira jornalista feminina, torcida mais barulhenta, protestos para a entrada de mulheres no estádio e a volta após a eliminação 

Mulheres iranianas nos estádios da Copa . No país isso ainda é proibido e motívo de protestos 
AFP

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Normalmente, a primeira fase de uma Copa acaba marcada pela imensa festa das torcidas. Depois, quando 16 dos 32 concorrentes dão adeus, o colorido diminui e as atenções ficam mesmo mais voltadas para os resultados em campo. E sempre tem aquelas seleções que acabam surpreendendo pela alegria.

Em 2006, quem trabalhou na Copa da Alemanha sabe a farra que era cobrir um jogo de Trinidad Tobago e seus torcedores dançando Soka (um funk a mil por hora). Em 2014, a celebração das nações sul-americanas. Teve até invasão venezuelana em Manaus (o país não se classificou, mas milhares queriam curtir a Copa e a capital amazonense fica relativamente próxima de avião). Na Euro-2016, a torcida da Islândia assombrou com a sua civilidade, coreografia e paixão pelo futebol (8% do país de 400 mil habitantes foram para a França).

Em 2018, duas torcidas que tiveram suas seleções eliminadas marcaram. A do Peru, que tomou de assalto Moscou, a ponto de não ter canto da cidade em que não se visse alguém com a camisa branca com vermelho em diagonal. E a da seleção do Irã.

O Irã apresentou uma das torcidas mais numerosas; os jornalistas persas que cobrem a Copa calculam em mais de 25 mil. No estádio, ela foi, de longe, a mais barulhenta. Era impossível escutar o companheiro ao lado (a dois palmos de distância) nas tribunas. E eles ainda contaram com o apoio incondicional dos russos, que, a grosso modo, torce por três seleções específicas: a Rússia, obviamente, e as duas nações amigas Sérvia e Irã.

Também marcou presença de forma política, com a presença feminina nos estádios e na imprensa, fato inédito desde o início da era dos aiatolás. Eis abaixo algumas histórias iranianas.


Vuvuzela na garganta

- Espero que nunca me peçam para fazer um jogo de final do Campeonato Iraniano. Olha isso – disse um repórter.

Não era para menos. O jogo do Irã com Portugal estava com 30 minutos do primeiro tempo e em nenhum segundo o torcedor do Irã parava de cantar, ou melhor,  de gritar,  de bater palma, de fazer ola e o principal: eles tem uma cornetinha “Fu, Fu Fu Iran, Iran”. Uns cinco mil fazendo isso. Chegava a dar dor de cabeça. Quer mais? Eles cantam duas músicas. Numa delas, todos pulam. O estádio treme.

Portugal fez gol! Ufa, os iranianos se calaram. Mas por apenas 30 segundos. E volta a plenos pulmões. O juiz apita o fim do primeiro tempo. Os torcedores descansam. Na volta do segundo tempo, talvez por causa do lanche do intervalo, eles voltam com banzo e ainda tem o pênalti de Cristiano Ronaldo. Ele perde. Isso acorda a turma de novo. Grito, pulo, corneta, Irã, Irã, Irã. Gol de empate nos acréscimos e o time quase ganha. Imagina a gritaria.

Vi muitas seleções. Marrocos, nesta Copa foi uma torcida primorosa no apoio. Mas esses iranianos são indescritíveis. Cada um tem vuvuzela na garganta.

Protestos

Embora tenha ido para fazer um carnaval, coube ao Irã uma das ações políticas mais fortes deste Mundial. Várias faixas de protestos foram vistas nos jogos. Nelas, se pedia o fim da proibição das mulheres nos estádios.  Muitas meninas persas apareceram nos jogos, muitas sem o véu e pintadas. Uma revolução parece estar surgindo.

A Jornalista iraniana

Quer prova dessa possível mudança? No jogo entre Portugal e Irã, em Saransk, uma das atrações aconteceu na sala de imprensa. Afinal, o Irã contava com uma jornalista entre os repórteres credenciados: Samira Shimardi, que trabalha para o principal meio de comunicação do país, o grupo de mídia  Iran Varzeshi. E não veio às escondidas. para ter autorização, somente com o aval dos mandatários.

- Estou em minha primeira cobertura de futebol. Mas sou jornalista esportiva e especialista em lutas (Wresting), que é um dos esportes mais populares em meu país. Me tornei a primeira jornalista credenciada. Tem também uma fotógrafa que trabalha comigo. Somos as duas primeiras – disse Samira, na zona mista após o jogo em que o Irã empatou com Portugal em 1 a 1.
Como os jogadores demoraram muito a sair para as entrevistas, o papo seguiu rolando. Samira analisou o time e disse que a campanha surpreendeu.

- O Irã tem um bom time e quase vencemos Portugal, que é uma potência. Mas eu não esperava a classificação. Essa campanha foi melhor do que eu esperava e isso me deixa muito feliz, ainda mais nesta cobertura, que é a primeira feita por uma mulher iraniana depois da revolução de 1980 (quando o Xá Reza Parlevi foi deposto e começou o comando dos aiatolás).

Sobre o fato de as mulheres ainda não conseguirem ir aos estádios,  Samira disse que as coisas estão começando a mudar.

- Os jogos da Copa passaram em telão nos estádios e as mulheres puderam entrar para assistir. Eu fiz uma cobertura de Copa, fazendo perguntas para jogadores nacionais e do exterior (em tempo: poucos jornalistas iranianos falavam inglês e Samira era fluente). Imagino que logo poderei fazer a mesma coisa no meu país.

No fim ela me pergunta se acho que o Brasil vai ser o campeão e se Neymar vai começar a decidir os jogos. mas o papo parou, começaram a sair os primeiros iranianos. Hora de Samira trabalhar.


A volta para Moscou, após a eliminação

- Foi bonito. Mas foi duro. A nossa classificação para as oitavas esteve muito próxima. Mas o time do Irã fez um bom Mundial. O seu melhor Mundial. Bons jogadores, bom técnico, boa torcida.

Foi assim que Vahid, um estudante de economia em Moscou, resumiu o que achou do Irã na Copa. Ele era um dos quatro colegas que estavam nas camas 17 a 20 do vagão 15 de um dos trens que seguiam de Saransk para Moscou horas após o duelo entre Irã e Portugal, já na madrugada russa desta terça-feira.

O trem era enorme, 15 vagões, fora os dois da locomotiva. Cada um com 16 quartinhos com quatro camas (viagem de dez horas, ninguém viaja sentado). Levando em consideração que eram três trens extras saindo quase no mesmo horário - todos do mesmo tamanho - e dois outros trens já tinham partido pouco antes. E, por baixo, 90% dos passageiros eram torcedores do Irã, calcule aí mais persas no traslado. Somente naquele momento.

- O cálculo é de 25 mil iranianos nos jogos da seleção na Rússia. Temos muito iranianos que estudam ou trabalham aqui. A viagem para Teerã não é das mais longas. Também é uma oportunidade para as mulheres verem os jogos, no nosso país futebol é proibido para as meninas. Havia uma boa expectativa. Não é surpresa para ninguém ter tanta gente aqui - disse Saman, um adolescente que foi até o vagão-restaurante comprar uns salgados para seus parentes, entre eles o menino Ali Reza, um glutão que já tinha devorado quatro sanduíches no Vagão 14.

Saman, pouco antes, do lado de fora, quando esperava o trem, puxava uns cânticos enquanto outros faziam uma coreografia de alguma dança típica persa ou batiam palmas. Definitivamente a derrota e a eliminação estavam assimiladas.

No restaurante, único vagão onde tem lugar para sentar, 40 iranianos se acotovelavam. O grosso tinha chegado atrasado e perdeu os trens anteriores (há uma grande fila de inspeção, guardas revistam tudo, anotam passaportes e tiram cópia deles e isso toma um tempo enorme) e os fiscais russos acabaram dando um jeitinho para que eles não ficassem em Saransk.

- Valeu. Chorei com a eliminação quando o jogo acabou, mas agora estou feliz - disse Hassan, ao lado do filho Ali Reza, de uns sete anos, que dormia na mesa do restaurante.

A viagem de dez horas foi relativamente tranquila. Todos estavam exaustos , somente acordando quando restavam 30 minutos para a chegada a Moscou. Aí a animação voltou. Cantavam e chegavam a ensaiar uma dancinha, embora o espaço nos corredores dos vagões fossem muitos.

Um garoto, vestido com a camisa do Irã, pediu, com mímicas, para ser fotografado ao lado do pai. Ele se chamava Munir, ou algo muito parecido. Perguntei o nome do filho:

- Ali Reza.

Definitivamente este nome lá no Irã equivale ao nosso José. Ou é o nome da moda por lá.



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