Marrocos e Espanha fazem um duelo de mundos distintos na Copa
Países são vizinhos e separados pela fronteira entre Europa e África
Em um duelo de vizinhos intercontinentais, a Espanha enfrenta a grande surpresa desta Copa do Mundo, o Marrocos, nesta terça-feira (6). O embate das oitavas de final envolve algumas questões extracampo, como aspectos diplomáticos, além de raras heranças do colonialismo europeu com territórios espanhóis na África e uma polêmica fronteira, que é uma das mais fortificadas do mundo.
UMA FRONTEIRA CONTROVERSA
Para começar, vamos falar sobre as cidades de Ceuta e Melilla, que são importantes para entender o funcionamento das fronteiras terrestres. Os dois municípios se localizam na costa marroquina, mas pertencem à Espanha desde muito antes da constituição do Estado do Marrocos, em 1956.
A partir de sua entrada na União Europeia, a Espanha passou a reforçar as fronteiras nestes dois lugares para conter a entrada de imigrantes africanos na Europa. Assim, foram construídos muros nestas duas cidades para afastar os marroquinos das áreas fronteiriças. Ceuta e Melilla possuem uma localização estratégica, visto que estão separadas da Europa por um curto trecho do Mar Mediterrâneo
A Espanha faz questão de continuar com esses territórios sob o respaldo da União Europeia. Contudo, as duas cidades não são tão férteis economicamente e, por consequência disso, acabam não sendo muito rentáveis. Por isso, elas são chamadas de porta dos fundos da Europa, pela entrada de imigrantes ilegais.
+ “Brasil é o rival a ser batido”: imprensa internacional repercute goleada e classificação da Seleção
Mas não é sempre que estes fortes muros e alambrados funcionam. Em 2014, o centro de acolhimento de Melilla registou uma lotação quase quatro vezes maior que a sua capacidade. Em fevereiro do mesmo ano, cinco pessoas morreram afogadas ao tentar sair de Ceuta para a Espanha a nado. O governo espanhol foi duramente criticado, uma vez que indícios apontam que forças militares do país atacaram imigrantes com balas de borracha durante o trajeto.
Mais recentemente, em junho deste ano, o governo marroquino confirmou a morte de 18 pessoas que tentaram cruzar a fronteira de Melilla para entrar na Espanha. O primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez disse que a culpa era das máfias de tráfico humano. Tudo isso aconteceu um mês depois do acerto de um acordo entre os dois países para reabrir as fronteiras.
Atualmente, a fronteira, que já não é tão grande, tem 20km de extensão desde 2014, incluindo a construção de um portão hidráulico em um córrego de Ceuta. Fato é que essa barreira não só representa uma divisão entre países, como também separa o mundo desenvolvido do mundo subdesenvolvido.
+ Veja os memes da goleada do Brasil sobre a Coreia do Sul
ESPANHÓIS, MARROQUINOS E O FUTEBOL
A Espanha é um dos países que mais recebe imigrantes marroquinos (são mais de 700 mil) e subsaarianos. É a maior população estrangeira dentro do país ibérico. Barcelona, por exemplo, é uma das cidades com maior presença marroquina. Em decorrência deste alto volume migratório, o país tentou controlar a situação.
Muitos dos imigrantes marroquinos acabam parando em bairros mais pobres e subúrbios de grandes cidades como Barcelona e Madri, junto a pessoas que deixam outros países da África.
+ Arrascaeta citado: jornal espanhol lista destaques entre eliminados da Copa que ganharam “novo patamar” no mercado
Dentro da seleção de Marrocos há dois titulares nascidos na Espanha: o camisa 10, Munir El Haddadi, jogador do Sevilla criado nas academias do Barcelona e que jogou na seleção de base espanhola, mas que optou por defender a equipe marroquina no profissional. O outro é o lateral Achraf Hakimi, do PSG, que foi criado nas categorias de base do Real Madrid. Este é um fenômeno que tem se tornado cada vez mais recorrente no futebol espanhol.
Marrocos já foi protetorado da Espanha antes de se tornar uma nação independente, e os espanhóis ajudaram a levar o futebol para o país vizinho. Um exemplo é o caso do Atlético de Tétouan, clube marroquino fundado por hispanos, inspirado no Atlético de Madrid e que jogou a primeira divisão espanhola em 1951. Inclusive, na cidade de Tétouan, muitos ainda falam espanhol.
Além do mais, Marrocos é o terceiro país no mundo com mais torcidas organizadas de clubes espanhóis: o Barcelona é o que tem maior número: 13. Muitos marroquinos estão divididos para o confronto desta terça-feira. Há quem torça apenas para Marrocos e há quem trate a Espanha como uma segunda seleção. Um grande número de torcedores está fechado com a seleção africana após as surpresas que os ‘Mahgrebi” protagonizaram nesta Copa do Mundo. Desta forma, o sentimento é majoritariamente em favor dos Leões de Atlas.
+ Arrascaeta citado: jornal espanhol lista destaques entre eliminados da Copa que ganharam “novo patamar” no mercado
CLIMA TENSO NA ESPANHA
Na Espanha, núcleos de ultras (torcidas organizadas) como a Ultras Sur, do Real Madrid, e a Frente Atlético, do Atlético de Madrid, pediram para que os espanhóis fossem às ruas para “defender Madri’’ durante o jogo para “evitar atos de vandalismo no país”. Estes grupos de torcedores costumam se associar à extrema-direita nacionalista do país, que constantemente se manifesta descontente com a imigração.
O jogo desta terça-feira não promete tantas tensões no Qatar, mas certamente em territórios marroquinos e espanhóis. Certo é que a partida envolve dois mundos bastante diferentes, mas que geograficamente são muito próximos, o que acrescenta um tempero além do campo e bola ao duelo.