Vai, Corinthians! O dia em que todos os mundos pararam com o título mundial do Timão
Setorista do Corinthians pelo L!, Fábio Lázaro relembra como acompanhou a conquista de 2012 e o reflexo dela em todo o planeta
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As manhãs de domingo no bairro da Vila Margarida, em São Vicente, Litoral Sul de São Paulo, não costumavam ser tão calmas como naquele 16 de dezembro de 2012.
Eu, hoje um jornalista de 24 anos, na época era um garoto que havia feito 15 um mês e dois dias antes. Terminara o meu primeiro ano do ensino médio e já tinha em mente que gostaria de ingressar na comunicação social, muito pelo meu amor ao futebol, vindo de berço, braço e abraço do meu avô.
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Ainda assim, nem o meu maior fervor pelo esporte bretão, mencionado no hino corintiano, fazia eu driblar as obrigações das manhãs de fins de semana, entre elas a de comprar os pães para o café da manhã.
E se o conceito de estratégia no grego é strateegia, em latim strategi, em japonês eu não sabia. Frustrei a minha, de acordar mais cedo que a bola que já rolaria na terra do sol nascente, mas com ela nascendo no Brasil, para poder assistir uma final de Mundial de Clubes sem perder um minuto sequer.
Imaginei ter a classe de um Danilo trazendo a bola para a entrada da pequena área, posicionando para o chute e levando a defensiva do Chelsea consigo, mas a marcação que eu tinha era muito pesada que os zagueiros do clube inglês, pois era a senhora minha mãe. Não consegui disfarçar, ainda que tenha conseguido assistir todo o primeiro tempo daquela decisão. No início do segundo tempo a ordem, assim como a regra, foi clara: comprar os pães.
Com receio de ser assaltado, não costumava levar o meu celular à padaria, mas aquele dia optei por arriscar, justamente para escutar aquela partida pelo rádio, e foi quando eu me deparei com o ambiente relatado no primeiro parágrafo, a calma manhã de 16 de dezembro de 2012 no bairro da Vila Margarida.
Ainda que a cidade fosse presente na região da Baixada Santista, o reduto onde vivia era de ampla concentração corintiana, mas naquela manhã de domingo, há nove anos, parecia que eu vivia em outro universo. O segundo tempo havia iniciado a, talvez, cinco minutos quando saí de casa. A minha rua estava um silêncio, e quando cruzei a esquina o grito ensurdecedor do nada se manteve.
Liguei, então, o rádio do celular na Bandeirantes, e se tem uma segunda pessoa que mais me influenciou a ser jornalista, com exceção ao meu avô, que é a primeira, pois foi quem me fez amar futebol, é o José Silvério. Cresci escutando esse cara no rádio, e foi ali que entendi que queria ser jornalista. No início, e talvez ainda naquela época, com 15 anos, almejava ser narrador, mas anos mais tarde, nas minhas primeiras experiências profissionais, o bicho da reportagem me picou, e foi ali que eu me descobri dentro da profissão que sempre soube que seguiria.
De toda forma, era Silvério quem narrava aquela partida. O primeiro tempo, lembro bem de ter assistido, foi de maior domínio do Chelsea, mas o que eu escutava naqueles minutos iniciais era algo diferente, um Corinthians se impondo.
Lembro-me que antes do jogo anterior, na semifinal, me reuni com uns quatro amigos e fizemos uma espécie de transmissão. Como já era apaixonado por rádio, costumávamos, com certa frequência, fazer narrações e comentários próprios e gravávamos.Antes do duelo contra o Al-Alhy, do Egito, era o único na roda que disse que o Corinthians seria campeão. Para mim, inclusive, era uma espécie de convicção.
Ao fim do triunfo simples do Timão sobre os egípcios, fui ironizado pelos meus companheiros, pois, para eles, um time que ganhava somente de 1 a 0 do Al-Alhy não juntava condições para bater o Chelsea.
Mas se esqueceram eles de que os Blues naquele ano já não era lá um time fantástico, que venceu a Champions League com um futebol pragmático, longe do encantamento de Barcelona e Bayern de Munique naquela temporada, e que, ainda assim, havia tido mudanças erradas no percurso entre os títulos continental e o mundial, como a contratação de Rafa Benitez - eu teria mantido o Roberto di Matteo.
E, diferentemente da Champions daquele ano, quando em um Chelsea e Barcelona, por exemplo, como foi na semifinal do torneio, se esperava que o clube catalão saísse para o jogo, diante do Corinthians a expectativa era da equipe inglesa partir para cima. Era um confronto que o Timão adorava, pois tinha uma defesa sólida, com Chicão, Paulo André e Ralf fazendo a contensão como primeiro homem de meio-campo, um meio-campo organizado, com Paulinho e Danilo, e a sacada de mestre do Tite na decisão, que foi jogar diferente do que costumava, sacando o Doulgas, que havia dado uma senhora assistência para Guerrero marcar de cabeça na semifinal, e colocar o Jorge Henrique, para abrir mais o time pelos lados, alternativa para uma saída mais veloz e precisa pelos flancos.
Cheguei na padaria, e havia uma certa fila, mas infinitamente menor do que a que costumava ter em um domingo comum. Sim, aquele dia era incomum. E tudo já me indiciava isso. A ausência de pessoas na rua, o silêncio, tudo já mostrava que aquele 16 de dezembro de 2021 era diferente. Por alguns minutos abandonei meus fones de ouvido para acompanhar o jogo em imagem, em uma pequena televisão de, no máximo, 20 de polegadas no topo da panificadora. Pedi algumas médias (em Santos é assim que é chamado o pão francês) e voltei ao rádio. Deixei o estabelecimento, andei pouco menos de um metro, e o mundo mudou.
Para um ouvinte assíduo do Silvério, é fácil decifrar quando um lance caminha para se tornar gol na voz dele. Como um tenor, ele vai elevando o seu tom de foz até chegar ao clímax na canção, no caso da narração, o grito de gol. Como o próprio havia dito no segundo gol de Ronaldo na final da Copa do Mundo de 2022, 'se fosse cantor, faria do grito de gol uma ópera, mas como não podia ele gritava, seguido de o seu inconfundível gooooool'. Parei na calçada, poderia sentar na mureta que tinha ao lado, mas fiquei em pé, atônito, pois sabia que o gol do título mundial sairia ali.
Era como uma contagem regressiva, cinco, quatro, três, dois, um. Gol. De Guerrero. Do Corinthians. O mundo mudou. E se normalizou. Tal qual o delay do rádio em relação a televisão, voltei a andar, cruzei a esquina e comecei a ver e ouvir o que não havia visto e ouvido no caminho de ida à padaria. Pessoas saíram das suas casas pulando, gritando, um homem de ajoelhado em meio ao asfalto. A rua Cidade de Santos, se tornou Cidade de Corinthians. Um imenso foguetório e vários gritos que, quase que unidos, pintavam em som o ambiente com duas palavras: Vai, Corinthians!
Quando cheguei em casa para acompanhar o restante da partida, entendi o que havia acontecido. O mundo realmente parou. Na verdade, os mundos pararam. Pois, ainda que todos estejamos envoltos pela mesma crosta terrestre, cada um vive o seu universo de realidade. Mas uma coisa é certa, quando o relógio bateu às 9h56 da manhã daquele 16 de dezembro de 2012, todos os mundos pararam. E não por um milagre ou ação cinematográfica, como naquele filme do Keanu Reeves. Mas por conta de um fenômeno.
E muitos podem dizer que o nome desse fenômeno é futebol, mas eu digo seguramente que ele se chama SPORT CLUB CORINTHIANS PAULISTA.
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