Quando Muricy Ramalho deixou o São Paulo em 6 de abril do ano passado, o clube havia disputado 20 partidas e a pressão era forte contra os vacilos em jogos decisivos. A saúde, que já havia tirado o técnico dos dois primeiros compromissos da temporada - Milton Cruz comandou o time em torneio amistoso em Manaus -, foi apenas um componente para não tornar o rompimento algo traumático.
Levando em conta somente os 18 duelos com Muricy à beira do campo, o Tricolor somava 11 vitórias, sendo nove pelo Campeonato Paulista e duas pela Copa Libertadores da América, dois empates e cinco derrotas. Dos tropeços, a estreia na Libertadores com baile do Corinthians por 2 a 0 e goleada do Palmeiras por 3 a 0 no Paulistão abalaram demais o ambiente no CT da Barra Funda.
O diagnóstico era que o técnico estava "desautorizado" entre os jogadores. O termo circulou com frequência no clube e referia-se à falta de confiança do grupo nas estratégias de Muricy. O treinador seguia respeitado na hierarquia e no convívio, mas mudanças de peças e variações táticas não eram bem aceitas.
Mas, por trás de decisões erradas e métodos questionáveis, havia uma pressão obscura. Por mais que o desempenho do time estivesse aquém do esperado, os números não eram nada ruins - nenhum treinador que o sucedeu no São Paulo teve aproveitamento maior em 2015. O tumulto era causado pela indisposição do então presidente Carlos Miguel Aidar com o treinador, de quem nunca foi fã.
A antipatia de Aidar com Muricy era controlada por Ataíde Gil Guerreiro, ex-vice de futebol e muito próximo ao treinador. O problema é que o próprio Ataíde passou a ser fritado pelo mandatário, que pretendia realizar trocas drásticas no departamento de futebol. Muricy seria apenas mais um a sair, em uma limpa que passaria por preparadores físicos, auxiliares e até o gerente-executivo Gustavo Oliveira.
O cenário de caos em que se encontrava aumentou as preocupações com a saúde. O problema é que Aidar apropriou-se do discurso e passou duas semanas colocando em dúvida as condições físicas de Muricy. O jogo psicológico do presidente incomodou funcionários e parceiros do técnico, que acabou cedendo. E, por fim, a saúde acabou sendo um bom escudo para que o ídolo não saísse queimado. A torcida, porém, não engoliu a postura da presidência.
*Bruno Grossi é setorista do São Paulo