LANCE! tem acesso a contrato entre Fluminense e Complexo Maracanã
Documentos obtidos pela reportagem mostram o acordo pelo setor sul e a falta de uma cláusula de inadimplência; no entanto, Tricolor descumpriu alguns itens registrados
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O contrato entre Fluminense e Maracanã foi motivo de grande polêmica nos últimos anos. Desde os aditivos que precisaram ser feitos, e viraram uma briga judicial, até a confusão na final da Taça Guanabara, quando o Tricolor e o Vasco brigaram para decidir quem ocuparia o Setor Sul do estádio. Com exclusividade, o LANCE! teve acesso ao vínculo entre o clube e o Consórcio.
No Anexo V, no qual o Fluminense se baseia, o contrato fala sobre a utilização do lado Sul. O documento diz que “nas Partidas Oficiais, contra quaisquer outros dos principais clubes do Rio de Janeiro, a torcida do Fluminense acessará e se posicionará no setor Sul do Estádio... salvo haja ordem expressa em sentido contrário por parte de: (i) Órgãos Públicos especificamente por questões de segurança; (ii) salvo acordo expresso entre o FLUMINENSE e a equipe visitante; e (iii) nos casos em que o FLUMINENSE for visitante, a CONCESSIONÁRIA poderá, para fins comerciais, mediar acordo entre o FLUMINENSE e o clube mandante, resguardados os direitos do FLUMINENSE previstos neste contrato”. O clube alega que não houve acordo, mas o Maracanã entende que fica claro que a torcida pode ocupar outros setores.
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Outro fator importante fala sobre as dívidas do Fluminense com o estádio. O Maracanã entende que o Tricolor não está cumprindo o contrato. Não só por questões financeiras, mas também por outros tópicos, como a Loja Oficial. Portanto, o clube não pode exigir cláusulas contratuais. No documento, porém, não consta uma cláusula sobre inadimplência, mas o consórcio entende que este é um princípio básico de um contrato. Sobre a loja, existe uma cláusula específica sobre isso, incluída no contrato original e no Anexo V (imagem abaixo). Outra exigência fala sobre os vestiários personalizados, algo que o clube fez. Em contato com o LANCE!, o Fluminense explicou a situação.
- O contrato define condições específicas para as partes sejam constituídas em mora, isto é, sejam “colocadas” na posição de inadimplentes e, a partir de então, sejam sanados os descumprimentos contratuais. Caso os descumprimentos não sejam sanados no prazo estabelecido contratualmente, a parte inadimplente poderá ser penalizada. Nada além disso. O suposto descumprimento de uma obrigação por uma das partes não exime a outra parte de cumprir os seus deveres previstos no contrato. Sobre a Loja Oficial, até que o Complexo Maracanã aponte o local permanente onde deverá ser instalada, a Loja Oficial funcionará nas partidas do Fluminense de forma provisória, conforme previsto no contrato. É o que tem ocorrido.
A dívida do Fluminense com o Maracanã chega hoje a R$ 1,4 milhão. Só o aluguel do local custa R$ 100 mil por partida. Neste ano, o Flu soma um prejuízo de R$ 845.834,59 como mandante. Em agosto de 2018, o consórcio notificou o Fluminense por uma dívida de seguidos aluguéis não pagos, de pelo menos R$ 620 mil. Em 24 jogos realizados no Maracanã em 2018, o déficit foi praticamente R$ 3,5 milhões. O clube das Laranjeiras rebateu a informação do valor total.
- Não reconhecemos esse valor como devido. Existem também valores devidos pelo Complexo Maracanã ao Fluminense que precisam ser apurados - disse.
Questionado sobre esses valores citados pelo Fluminense, o Maracanã afirmou que "não vai comentar" isso.
Em 2013, quando o Consórcio assumiu o Maracanã, o contrato celebrado inicialmente previa que a empresa teria um grande complexo no estádio. No entanto, por conta de alguns tombamentos, a área de atuação se reduziu ao próprio Maracanã e ao Maracanãzinho. Por isso, os termos do contrato precisaram mudar, porque a concessionária não teria mais o retorno financeiro esperado inicialmente. Os problemas começaram aí.
Cláusula de proteção ao Maracanã
Ainda no contrário, a cláusula 17.2, diz que "o Fluminense se compromete a proteger, indenizar, defender, eximir e manter a SPE isenta de responsabilidade de quaisquer custos, reivindicações, reclamações, perdas e despesas que surjam ou sejam comprovadamente resultantes de qualquer ato errôneo, ou imperito ou negligente ou omissivo do Fluminense".
Teoricamente, o clube criticou as atitudes do Maracanã publicamente e o consórcio pode ser multado em sede judicial pelo caso da final da Taça Guanabara. Com isso, o clube, pelo contrato, deveria ressarcir o Complexo. Novamente procurado, o Fluminense tratou de responder essa questão.
- Há um erro de interpretação dessa cláusula bem relevante. Em linhas gerais, o que há nessa cláusula é um dever do Fluminense isentar o Complexo de qualquer responsabilidade (e outras consequências) derivadas de qualquer ato errôneo, ou imperito ou negligente ou omissivo do Fluminense. No entanto, o Fluminense não cometeu qualquer ato previsto nesta cláusula e, por esse motivo, não há que se falar em qualquer responsabilidade do Fluminense nesse sentido.
Por outro lado, houve por parte do Complexo Maracanã, de forma inequívoca, ato errôneo, imperito, negligente e omissivo (i) ao permitir que o Vasco realizasse partida no estádio que ele administra de forma a violar uma obrigação sua, anteriormente contratada (de garantir o direito do Fluminense de que sua torcida seja direcionada ao setor sul) e, mais ainda, (ii) ao declarar ao Vasco da Gama e publicamente que o Fluminense teria somente um direito de preferência para que sua torcida utilize aquele setor.
Errou ao descumprir a disposição contratual, não teve a perícia necessária para interpretar a referida disposição e foi negligente e omisso na tomada de providências necessárias após receber notificação do Fluminense antes da abertura da venda de ingressos e após ser intimado judicialmente para cumprir o contrato - disse o clube.
Regulamento do Carioca
A Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro alega não recebeu o contrato entre o Fluminense e o Maracanã, mesmo com cerca de cinco ou seis e-mails pedindo o mesmo. Portanto, a entidade não teria acesso aos termos acertados entre o clube e o estádio, incluindo o uso do Setor Sul. Assim, o regulamento diz que o mandante escolheria seu setor e assim o Vasco fez.
Questionado se o clube não sentiu necessidade de pedir para acrescentar ao regulamento a cláusula com o Maracanã sobre a utilização do setor sul para que não houvesse dúvidas posteriores, o Fluminense mostrou seu ponto de vista. Todas as decisões relativas às partidas de futebol, bem como o regulamento, são de conhecimento de todas as partes envolvidas: clubes, Maracanã, federações, Poder Público etc.
- Na verdade, não há (ou não deveria haver, pelo menos) necessidade de se estabelecer essa condição em regulamento. A FERJ não é a administradora do Maracanã e, portanto, não possui poder de determinar que as partidas sejam realizadas obrigatoriamente no estádio, tampouco de definir questões operacionais, como a alocação das torcidas nos diversos setores do estádio. O Complexo Maracanã, que é o administrador do estádio, possui a faculdade de realizar as partidas dos clubes interessados em mandar suas partidas lá e é ele, o Complexo Maracanã, quem define (contratualmente com cada um de seus “clientes” – os clubes) as condições de utilização e operacionalização do estádio.
Fluminense e Vasco entraram em discussão sobre a utilização do setor sul do Maracanã, parando até na Justiça para decidir a questão
- Para ilustrar o caso, vamos imaginar que o Vasco chegue à final da Taça Rio contra o Botafogo. O Vasco é o mandante e, por regulamento, tem o direito de escolher se mandará a partida no Maracanã, no Nilton Santos ou no Estádio da Cidadania (Volta Redonda). Nessa hipótese, caso o Vasco decida por mandar a partida no Nilton Santos, alguém questionaria o direito do Botafogo de alocar a sua torcida no local em que ela habitualmente ocupa nos clássicos? Alguém consegue admitir que, por ser o mandante da partida, o Vasco teria o poder de deslocar a torcida do Botafogo? Claro que não. Isto porque, a Cia. Botafogo, concessionária do estádio, não é obrigada a realizar a partida no Nilton Santos. A concessionária apenas concordará em realizar a partida no Nilton Santos caso o interesse do seu “principal cliente”/parceiro comercial, o Botafogo de Futebol e Regatas, seja resguardado.
- Da mesma forma, o Complexo Maracanã, em cumprimento ao contrato existente, deveria ter conduzido essa questão como sempre fez nas partidas anteriores entre Vasco e Fluminense desde a celebração do contrato em 2013. Não fez. Portanto, como a questão da definição dos setores das torcidas em cada um dos estádios do campeonato estadual é uma questão meramente operacional, bem como considerando que a concessionária não é filiada ou de qualquer maneira sujeita às normas da FERJ, não haveria nenhuma necessidade de se incluir no regulamento uma norma especificamente para regular a utilização do setor sul pela torcida do Fluminense, que é uma disposição privada, que diz respeito exclusivamente ao Complexo Maracanã e ao Fluminense. Basta que o Complexo Maracanã cumpra essa disposição contratual.
Dinheiro para investimento
O contrato do Fluminense com o Maracanã indica uma cláusula para investimento na equipe tricolor. Ficou acertada o valor de R$ 8 milhões - dividido em duas parcelas - com vencimento em 30 de outubro de 2013 e a segunda em 30 de outubro de 2014. O Consórcio afirmou que a quantia foi paga ao clube dentro do prazo e o Flu confirmou também.
O caso na Justiça
Estas movimentações nos bastidores entre Fluminense e Complexo Maracanã Entretenimento S.A. vem, desde 2016, tendo participação do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ). Aditivos ao contrato original foram feitos, mas há ainda um que ainda não foi reconhecido pelo Tricolor, que aguarda uma manifestação do TJRJ. A última interferência do Tribunal em relação ao imbróglio foi justamente na discussão sobre o setor sul na final do turno.
Na sexta-feira antes da decisão da Taça Guanabara, o Vasco começou a vender os ingressos para o setor sul receber os seus torcedores, o que provocou o Fluminense a ir ao Poder Judiciário. Em uma ação que corre na 37ª Vara Cível do TJRJ desde 2017, o juiz Sandro Lúcio Barbosa Pitassi acolheu a solicitação do Tricolor, determinando que o Flu ficasse no setor sul, fixando uma multa de R$ 50 mil por hora. No sábado, durante o plantão do TJRJ, o Vasco entrou com um recurso, com a desembargadora plantonista Lúcia Helena do Passo decidindo por portões fechados na final, além de uma multa de R$ 500 mil.
Já no domingo, dia da final, após a troca do plantão judiciário, o Vasco entrou com novo pedido, que foi acolhido pelo desembargador André Emílio Ribeiro Von Melentovytch. O magistrado, que assumira o plantão, revogou a decisão da desembargadora anterior, depois das confusões vistas nos arredores do Maracanã com a bola rolando da decisão e os portões fechados - na ocasião, os torcedores acabaram tendo a liberação para entrar na segunda metade do primeiro tempo.
Depois da final e das decisões de plantão, o recurso do Vasco foi distribuído por prevenção ao desembargador Carlos José Martins Gomes, da 16ª Câmara Cível do TJRJ, relator da ação original do Fluminense. Na última terça, os autos chegaram a ele - que será responsável por convalidar ou não o que os desembargadores, durante o plantão, decidiram sobre o caso. Em sua primeira manifestação, o relator deu cinco dias para o Vasco regularizar o preparo do recurso, para posteriormente decidir qual linha deveria ter sido seguida durante o plantão (portões abertos, fechados, possíveis multas ou não...).
Fluminense responde
O LANCE! entrou em contato com o Fluminense para esclarecer alguns pontos do contrato firmado entre o clube e o Maracanã.
O Fluminense, com direito a comercialização com exclusividade de placas de publicidade de campo, está fazendo valer para aumentar as receitas de jogo?
São utilizadas pela Under Armour, parceira comercial do Fluminense
Quanto vem sendo a renda de 25% para o Fluminense oriunda da comercialização de alimentos e bebidas?
Há um acerto específico entre o Fluminense e o Complexo Maracanã sobre essas receitas, que vem sendo cumprido.
O que o Fluminense pensa para fazer para quitar a dívida com o Maracanã? Ocorreram notificações por parte do Complexo?
Já houve notificações anteriores de ambas as partes. Primeiro as partes devem apurar os valores que são devidos por cada uma delas, a fim de possamos compensar essas importâncias e verificar quem é o devedor de eventual valor residual.
Maracanã rebate
A reportagem do L! questionou o Maracanã sobre praticamente as mesmas questões. O Consórcio se limitou a dizer que, no que diz respeito ao descumprimento do contrato, a falta da cláusula de inadimplência, que a empresa pode rescindir por conta dos atrasos e sobre o clube "falar mal" da organização, "em nome do espetáculo e respeito ao torcedor, o Maracanã acredita no diálogo para que todas divergências contratuais possam ser superadas". O Consórcio enviou uma nota oficial sobre o assunto:
"O Maracanã esclarece que de maneira nenhuma descumpriu o contrato com o Fluminense Football Club. O documento firmado entre as partes dispõe de forma clara, no anexo 5, que a torcida do clube poderá sim ser alocada em outros setores do Maracanã, nos casos especificamente em que o Fluminense for visitante, como é o caso da final da Taça Guanabara. Prova disso é a decisão da Desembargadora Lucia Helena do Passo no dia 17/02/19, que diz "Ressalte-se, antes de mais nada, que a interpretação sistemática do contrato firmado entre o Clube Fluminense e o Consórcio Maracanã indica que a premissa das cláusulas ali contidas é a de que seriam partidas tendo o Fluminense como mandante do jogo, conforme cláusula V das considerações iniciais do contrato, a saber: Logo, os argumentos suscitados pelo Clube Fluminense - no sentido de descumprimento do acórdão da Décima Sexta Câmara Cível e de violação da cláusula contratual que lhe asseguraria preferência no setor sul – são absolutamente inconsistentes".
Aplica-se ao caso em tela a ressalva prevista no item (iii) acima destacada, visto que no evento em questão o Clube Fluminense não atuará como mandante, sendo tal posição ocupada pelo Clube Vasco da Gama.
O Maracanã esclarece ainda que o Fluminense descumpre reiteradamente o contrato com o Maracanã por estar inadimplente com o estádio."
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