OPINIÃO: Roy Keane e monopólio de ex-jogadores na TV resumem o baile sofrido pelo jornalismo na Copa
Mundial vira palco de influenciadores e relega jornalismo a status quase figurativo
Uma das minhas frustrações de vida é não saber dançar - e invejo quem sabe. Entendo que poucas coisas na vida carregam na essência a marca do sorriso, da alegria e até uma espécie de sedutora transgressão. No Brasil, empilhamos os ritmos: samba, forró, axé, funk, carimbó... Alguém que estudou cinco minutos de nossa cultura entenderia isso.
Não é o caso de Roy Keane, ex-jogador irlandês e atualmente comentarista de TV na Inglaterra, que afirmou ser desrespeitosa a dança brasileira - que incluiu até o técnico Tite - após os gols contra a Coreia do Sul, nas oitavas de final. Finalizou dizendo que aquilo "não o agradava". Keane é um daqueles que acham que conhecer apenas de futebol o credenciam para utilizar o poder de um microfone. É muito mais que isso.
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Futebol é um acontecimento social e em escala global com a Copa do Mundo. E os jogadores que ali estão têm história e carregam uma cultura. Não são apenas máquinas esportivas. Keane considera que o mundo deve ter a sua regra do que é agradável. É ignorância misturada com arrogância e preconceito.
Para além da discussão social, Keane é sintoma do baile que o jornalismo esportivo profissional vem sofrendo nesta Copa do Mundo. A TV foi monopolizada por ex-jogadores. A falta de jornalistas, que tem em sua formação cuidados e treinamentos que Keane não teve, empobrece o debate. Ademais: sou defensor da presença de ex-jogadores nas mesas de debate. O problema está no monopólio.
Estar comentarista exige visão crítica e repertório em uma gama razoável de assuntos. E criticar incomoda. Ao longo dos anos, a frase reducionista "chutou bola com quem?" foi lugar-comum para invalidar crítica dolorida e fomentar rivalidade contra jornalistas que estavam na posição de comentaristas. Teria alguém coragem de dizer isso a nomes como Armando Nogueira e Nelson Rodrigues? É possível afirmar que Paulo Vinícius Coelho, Lédio Carmona, Celso Unzelte, Juca Kfouri e Marcelo Barreto não entendem de bola? É óbvio que não.
Copa do Mundo é muito mais que um torneio de futebol. Mais ainda quando quem sedia é o Qatar - com toda discussão política que suscitou. Comentar exige saber mais que a formação tática do time do Qatar (que um ex-jogador disse ser de extrema qualidade técnica antes de a bola rolar e desmoralizar o comentário).
Mas este cenário também é culpa do jornalismo. E dos jornalistas.
A reportagem está cada vez mais reduzida a festas de torcidas nas portas dos estádios e entradas ao melhor estilo entretenimento. Jornalistas invertem a lógica e viram pauta quando dançam ou cantam ao vivo. O imperativo da viralização sufoca qualquer tentativa de falar sério. Perde todo mundo.
Desejo que Vini Jr siga bailando pelos estádios mundo afora. E desejo que Vini Jr e o futebol encontrem dentro dos estúdios gente gabaritada para entender sua alegria e complexidade.