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Al Hilal na final do Mundial: veja o que tem feito esportes na Arábia Saudita ganharem notoriedade

Liga fortalecida, investimento pesado do governo, eventos... Em meio a regime controverso, sobram impactos no esporte. Al Hilal encara Real Madrid no sábado pela decisão do Mundial

Gol Al Hilal
Al Hilal surpreendeu o Flamengo ao vencê-lo por 3 a 2 na terça-feira passada (Fadel Senna/ AFP)

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O futebol da Arábia Saudita alcançou nesta semana mais um capítulo de sua projeção aos olhos do mundo. O Al Hilal surpreendeu o Flamengo ao derrotá-lo por 3 a 2 na semifinal e se credenciou como o primeiro clube saudita a disputar a final do Mundial de Clubes. Os comandados de Ramón Díaz disputarão o título do torneio com o Real Madrid no sábado (11) às 16h (de Brasília), em Rabat (MAR).

A ascensão do clube de Riad numa competição de dimensão internacional se torna ainda mais significativa para o país. Com planos ambiciosos ao horizonte, a família real da Arábia Saudita está bem atenta ao que acontece em campo.    

ARÁBIA SAUDITA E SUAS PECULIARIDADES

Meca Cidade
Meca: cidade da Arábia Saudita sagrada para os islâmicos (Ahmad Gharabli/AFP)

Os conflitos marcaram a criação da Arábia Saudita. A região era controlada pelo Império Otomano entre o século XV e o século XX. Porém, mais tarde um novo destino foi traçado.

- Quando o Império Otomano desmoronou e passou por uma longa fase de decadência, várias tribos naquela região entraram em guerra em busca do poder. Quem prevaleceu foi o clã dos Saud, que no século XVIII teve um período no qual chegou a ficar no trono. Porém, mais tarde tinha sido expulso do poder - explicou ao LANCE!, Andrew Traumann, professor de História das Relações Internacionais no Unicuritiba e pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas do Oriente Médio (Gepom), detalhando:

- A dinastia dos Saud tinha se restabelecido no poder no século XX e, em 1932, houve a união das tribos, com a fundação da Arábia Saudita. Esta dinastia se caracteriza há séculos por sua aliança com o clérigo radical, que tem uma visão muito estreita do Islã. Qualquer deslize que não siga o que o Islã indica faz com que o indivíduo seja considerado não-muçulmano. Esta visão muito fechada influenciou mais tarde grupos extremistas como Al Qaeda e Estado Islâmico - pontuou.  

Outros fatores foram cruciais para o crescimento saudita, de acordo com Andrew Traumann.

- Ainda na década de 1930, foi descoberto petróleo na região. Na década seguinte, a Arábia Saudita fez acordo com Franklin Roosevelt (presidente americano entre 1933 e 1945) e, com isso, os Estados Unidos se tornaram um grande protetor do país do Oriente Médio. A Arábia Saudita passou a ser a maior fornecedora de petróleo para os Estados Unidos e, em troca, recebeu proteção militar - disse o pesquisador.

O contexto político da época trouxe outros efeitos para o país gradativamente.

- Os americanos também viam a Arábia Saudita como uma espécie de "dique de contenção" do comunismo. Era um período no qual a União Soviética ainda existia e havia uma tensão dos Estados Unidos de que os ideais comunistas se expandissem. Para impedir que o comunismo chegasse à região, os americanos diziam que aquelas ideias pregavam o ateísmo e o anti-Islamismo e que, por isso, deveriam ser combatidas. A Arábia Saudita sempre teve um discurso islâmico muito religioso, até porque no país ficam Meca e Medina, duas cidades sagradas para o Islã - destacou o professor da UniCuritiba.


A EVOLUÇÃO SAUDITA NO FUTEBOL

Carlos Alberto Parreira - Arábia Saudita
Carlos Alberto Parreira: técnico da Arábia Saudita na Copa de 1998 (AFP)

A primeira temporada do Campeonato Saudita de Futebol foi realizada em 1975/1976. Pouco a pouco, os clubes começaram a contratar jogadores de outros países. Tricampeão da Copa do Mundo em 1970 com a Seleção Brasileira, Rivellino foi um dos ídolos do Al Hilal. Aos poucos, outros brasileiros também tiveram chances na Arábia Saudita, como Dé, o "Aranha", Sérgio Soares e Serginho das Arábias (atacante que, no Brasil, atuou por Fluminense de Feira de Santana, Corinthians, Vasco e Botafogo).

Um dos treinadores que trabalharam no país, Carlos Alberto Parreira destacou o que tem sido essencial para esta ascensão saudita. 

- A liga local ficou mais organizada. Os clubes do Oriente Médio passaram a investir mais. O Al Hilal, que sempre teve integrantes ligados à família real, investiu em jogadores estrangeiros e isso contribuiu para dar condições às equipes sauditas. Com o tempo, houve um crescimento técnico - disse. 
 
Quatro anos após levar a Seleção Brasileira ao tetracampeonato mundial, Parreira comandou a Arábia Saudita na Copa do Mundo de 1998. Aos olhos do técnico, a visão de mercado foi preponderante para o futebol local mudar de nível.  

- O crescimento técnico passou pelo investimento que foi feito por lá. Quando você inclui no elenco dois ou três craques que fazem a diferença, isso faz com que toda a equipe cresça e tenha condições de brigar por títulos. Os clubes sauditas têm essa condição de buscar jogadores de todos os cantos, investiram bem nisso e foi muito importante - e frisou:

- A procura por técnicos do exterior também mostrou essa preocupação em tentar trazer outras escolas, se aprimorar. Ter um futebol em alto nível - concluiu Parreira, que em 1998 foi demitido após a segunda partida (com a segunda derrota seguida) da Arábia Saudita naquele Mundial.

SURPRESA QUE ASSUSTOU A CAMPEÃ DA COPA-2022

Argentina x Arábia Saudita
Sauditas celebram a virada de 2 a 1 sobre os argentinos (Odd ANDERSEN / AFP)

O progresso em campo ficou ainda mais nítido na estreia da Arábia Saudita na Copa do Mundo de 2022. Após Messi abrir o placar para a Argentina no início da partida, os comandados de Hervé Renárd tiveram uma reação inimaginável na etapa final.  

Al Shehri aproveitou uma brecha e finalizou no canto de Romero aos dois minutos. Cinco minutos depois, o astro Salem Al Dawsari passou por De Paul e encheu o pé, marcando um golaço que garantiu a vitória por 2 a 1 sobre os "hermanos". Foi a primeira vez na história do Mundial que a seleção venceu uma campeã mundial.

O feito não chegou a ser suficiente para a equipe passar de fase (viram derrotas para México e Polônia em seguida). Mas os sauditas entraram para a história do torneio por terem batido a Argentina, que seria campeã da Copa de 2022 mais tarde.


UMA CELEBRAÇÃO QUE TROUXE MUITOS SIGNIFICADOS  

Emir
Emir do Qatar comemora gol da Arábia Saudita: ratificação de relações diplomáticas seladas (Reprodução)

A vitória da Arábia Saudita sobre a Argentina marcou um momento diplomático muito forte. O emir do Qatar, Tamim bin Hamad al-Thani, celebrou o resultado tremulando uma bandeira saudita. Pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Oriente Médio (Gepom), Andrew Traumann destacou alguns significados em torno desta comemoração.   

- Foi um gesto simbólico muito importante. A Arábia Saudita e o Qatar estiveram de relações rompidas entre 2017 e 2021 devido a uma série de questões. O Qatar é um dos maiores produtores mundiais de gás e sua reserva é compartilhada com o Irã. Os iranianos eram vistos como um inimigo geopolítico por muitos países do Oriente Médio. Arábia Saudita, Emirados Árabes, Bahrein, entre outros, chegaram a cortar relações diplomáticas com o Irã - e apontou:

- O Qatar, por ter essa parceria de muitos anos, não tinha como acatar um embargo com o Irã. Com isso, houve um embargo também aos qatáris. Outro motivo de atrito destes países com o Qatar, principalmente por parte da Arábia Saudita, foi a TV Al Jazeera. A emissora financiada pelo governo do Qatar é retransmitida para outros países e passou a subir o tom para falar mal de todos os governos inimigos. Houve uma tentativa de alguns governos de silenciar a Al Jazeera em seus respectivos países - completou.

Porém, anos depois houve uma mudança no panorama das relações.  

- Aos poucos, houve essa reaproximação. O Qatar é um país muito importante. Contém as principais bases militares da região, é um dos maiores produtores de gás do mundo. São fatores que não podem ser ignorados. Durante a Copa passada, as relações diplomáticas entre árabes e qatáris estavam restabelecidas, mas este gesto foi um aceno do país-sede ao governo saudita - disse o professor de Relações Internacionais da UniCuritiba.  

VISÃO 2030 

Mohammad Bin Salman
Mohammad bin Salman: busca por diversificação da economia mas regime de mão de ferro (AFP

O governo da Arábia Saudita tem um planejamento a longo prazo para melhoras suas finanças. Trata-se da Visão 2030, lançado pelo príncipe herdeiro (e atual líder do país) Mohammad bin Salman.

- O príncipe Mohammad bin Salman lançou a Visão 2030 durante o ano de 2016. O intuito dele é ter uma visão de diversificação da economia, para a Arábia Saudita diminuir a sua dependência do petróleo. Há planos de transformar cidades sauditas em destinos de turismo de luxo, por exemplo. Esta busca por fim de dependência petrolífera tem como referência em especial os Emirados Árabes, que investiram em indústria farmacêutica. Além disso, no Qatar onde houve criação de uma Bolsa de Valores... - destacou Andrew Traumann.

No entanto, o pesquisador da Gepom apontou como o Visão 2030 tem rendido controvérsias em especial em relação à violação de direitos humanos do país saudita.

- O projeto tem sido usado como propaganda para outras áreas. Por exemplo, foi dada a permissão para que as mulheres dirijam. A Arábia Saudita era o último país do mundo a ter essa atitude. Também houve abertura de cinemas e teatros em um país onde não tinha esses espaços. Porém, o número de execuções em território saudita duplicou. O príncipe de um lado liberaliza a sociedade para criar uma imagem positiva perante o Ocidente. Só que, com a outra mão, o príncipe esmaga qualquer tipo de oposição. Muitas pessoas foram presas e executadas - disse.

SEDE DE EDIÇÃO DA COPA DA ÁSIA E... OLHO NA COPA DO MUNDO?

Riade - Arabia Saudita
Qatar: suspense em relação a candidatura  Mundial em 2030 (Franck Fife/AFP)

A Arábia Saudita conseguiu outro espaço para ganhar os holofotes por meio do futebol. O país foi confirmado como sede da edição de 2027 da Copa da Ásia.A ratificação aconteceu em um Congresso no Bahrein.

Os sauditas, que venceram a competição continental em 1984, 1988 e 1996, eram os únicos candidatos na disputa. A Índia havia desistido de sediar a competição no fim de 2022. 

Neste período, chegou a ser especulada a candidatura da Arábia Saudita para realizar uma Copa do Mundo em 2030. Porém, o ministro saudita do Esporte, príncipe Abdelaziz Ben Turki Al Fayçal, despistou em entrevista à AFP.

- Não temos candidatura para a Copa do Mundo, mas tudo é possível. Tudo o que nos for apresentado e que considerarmos viável no âmbito da nossa visão e da nossa estratégia, vamos fazê-lo - disse.

Até o momento, há duas candidaturas oficiais para a realização do Mundial de 2030. De um lado, a proposta de Portugal, Espanha e Ucrânia como países-sedes com o apoio da Uefa. Do outro, a Conmebol oficializou o apoio à candidatura de que o torneio seja realizado no Uruguai, Argentina, Chile e Paraguai (veja os detalhes aqui)

REDUTO DE ASTROS?

Cristiano Ronaldo e Messi
CR7 no Al Nassr. E Messi? (Montagem Lance! Fotos: AFP

Os holofotes do futebol mundial se voltaram para a Arábia Saudita a partir dos últimos dias de 2022. Cristiano Ronaldo foi oficializado como reforço do Al Nassr, um dos clubes mais tradicionais do país. Cinco vezes eleito o melhor jogador do mundo pela Fifa, o português deslanchou na goleada por 4 a 0 sobre o Al Wehda na última quinta-feira (9) e encheu de esperança os torcedores locais.

De acordo com o pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas do Oriente Médio (Gepom), Andrew Traumann, este é um olhar mais abrangente saudita em torno do futebol.

- A contratação do Cristiano Ronaldo tem esse caráter bombástico, midiático... Trata-se de um jogador que coleciona troféus de melhor do mundo, tem conquistas em série, é um exemplo de atleta disciplinado. Ainda que ele tenha perdido mercado na Europa, sua presença é impactante para a Arábia Saudita. Ajuda a levar o país para ter uma projeção mundiais - disse.

Outro jogador começa a ser cobiçado entre clubes sauditas.

- Hoje há uma disputa para saber qual time ficará com o Messi. O sonho é ter dois astros se enfrentando na Arábia Saudita. Antes, os clubes árabes visavam muito na quantidade. Aos poucos, foram mudando para a qualidade - afirmou Traumann.

Em janeiro, o "Mundo Deportivo" afirmou que o Al Hilal propôs um contrato ao astro do PSG e estaria disposto a pagar um salário de 280 milhões de euros (em torno de R$ 1,5 bilhão). Por enquanto, o reencontro dos camisas 10 só aconteceu em um amistoso no qual o PSG fez 5 a 4 no Rihady All Stars (combinado entre Al Nassr e Al Hilal).

ATENÇÕES PARA A EUROPA

Manchester City x Newcastle
Newcastle: gestor é o príncipe Mohammad bin Salman (Foto: PAUL ELLIS / AFP)

A busca saudita por competitividade se estendeu ao futebol europeu. O príncipe Mohammad bin Salman se tornou dono do Newcastle, clube que disputa a Premier League.

Aos olhos do especialista Andrew Traumann, trata-se de uma investida para ganhar projeção em relação a outros países do Oriente Médio.

- Há o contexto da Visão 2030, mas o MBS também está atento ao que vem acontecendo no seu entorno. Um fundo de investimentos do Qatar adquiriu o PSG. Uma empresa dos Emirados Árabes se tornou dona do Manchester City. O príncipe da Arábia Saudita não pensa só em sportswashing ("lavagem esportiva", termo designado para limpar a imagem de um governo por meio do esporte). Há uma queda de  braço dele com poderosos dos demais países ao adquirir ações de um clube inglês - disse.     

EM TODOS OS RUMOS DO ESPORTE

Flamengo x Al Hilal - Mundial de Clubes - Everton Ribeiro
Além da liga local de futebol, Arábia Saudita sedia provas de diversas competições esportivas (Twitter/Al Hilal)

Maior campeão asiático, o Al Hilal chegou à decisão do Mundial de Clubes em um momento no qual seu país continua a investir bem nos esportes. O Ministério dos Esportes saudita chegou a conceder uma quantia para cada atleta pela vaga na final.

Há um investimento forte em curso em outra área. A Arábia Saudita,  foi escolhida para sediar os Jogos Olímpicos Asiáticos de Inverno em 2029. O príncipe Mohammad bin Salman anunciou o suntuoso projeto Neom, cidade futurista a ser construída até 2026 em meio a uma área desértica, perto da fronteira com Egito e Jordânia.

A construção de um resort de montanha planejado de 26.500 km quadrados no noroeste do Golfo Árabe tem custo previsto de US$ 500 bilhões (R$ 2,6 trilhões) no Mar Vermelho. A região de Trojena oferecerá esqui ao ar livre, lago artificial de água doce, vilas e hotéis luxuosos, além das mais avançadas tecnologias. 

O país sedia provas de hipismo, de Circuito de Ciclismo, de Fórmula E e de Grande Prêmio de Fórmula 1. O salto do Al Hilal renova o fôlego para que os sauditas tenham destaque com suas atrações esportivas. Mas, por mais suntuosos que sejam os investimentos, o alerta recorrente para as acusações de violações de direitos humanos em território saudita mostra que há muito ainda em jogo.  

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