Como o ‘odiado’ RB Leipzig reflete os dois antigos lados do Muro de Berlim
Com sede em uma cidade de passado socialista, clube é comandado por uma multinacional, cenário imprevisível há 30 anos, e causou polêmica em sua formação
A cidade de Leipizg durante 28 anos pertenceu ao lado socialista da Alemanha, dividida pelo Muro de Berlim, que, neste sábado, completa 30 anos de queda. Ironicamente, o principal clube da cidade, que abriga o primeiro campeão alemão, tem em seu principal expoente o comando de uma multinacional, cenário impensável nos tempos da Guerra Fria. A fundação do clube, porém, é cercado de controvérsias e ilustra bem as duas faces de uma moeda que dividiu o país tempos atrás.
RESISTÊNCIA
A Red Bull, multinacional de bebidas energéticas, enfrentou a resistências de diversos clubes antes de fundar o RB Leipzig. Fortuna Dusseldorf, Hamburgo e 1860 Munich foram alguns clubes que descartaram propostas. Coube o SSV Marksanstätd, de Leipzig, ser o escolhido. A equipe ainda existe e é uma filial do clube.
- Um clube deve emergir de um desejo da sociedade e de grupos, de comunidades, de pequenas cidades e vilarejos. Não foi o caso do RB Leipzig, que é um produto artificial de marketing utilizado para promover um energético. Por conta disso, todas as torcida da Alemanha, em maior ou menor grau, rejeitam esse modelo - aponta o comentarista alemão Gerd Wenzel ao LANCE!.
A cidade não foi escolhida pela empresa austríaca à toa. Leipzig tem tradição no futebol alemão. Lá ficava o Zentralstadions, atualmente o Red Bull Arena, que foi um dos maiores estádios do país e que detém o recorde de público da Alemanha: 110 mil pessoas acompanharam, em 1957, a partida entre Alemanha e Tchecoslováquia. Leipzig foi a única cidade da ex-Alemanha Oriental a sediar a Copa do Mundo de 2006. Em 1903, saiu da cidade o primeiro campeão alemão, o VfB Leipzig.
BOICOTE
Atualmente, o RB Leipzig é o quarto colocado do Campeonato Alemão e já conquistou feitos importantes, como o vice da Bundesliga da última temporada. A acensão foi meteórica, tendo em vista que a equipe, demorou apenas seis anos para deixar a quinta divisão e alcançar a elite. O sucesso do clube, porém, incomoda equipes tradicionais do país e o novo modelo de negócios voltou a "dividir" a Alemanha.
O Borussia Dortmund já boicotou a imagem da equipe nos tradicionais cachecóis vendidos em estádios antes dos jogos, com a justificativa de não querer fazer propaganda de um produto. Na Copa da Alemanha de 2016, o Dynamo Dresden, ex-potência do lado Oriental, atirou uma cabeça de um touro (de verdade) no gramado, fazendo alusão ao mascote da Red Bull.
- O RB Leipzig é um clube de laboratório. O clube nem existiu antes do muro e a divisão da Alemanha. Agora, por que esse clube é tão rejeitado na Alemanha? Porque não representa uma comunidade. Não tem uma ligação umbilical com a população - aponta Wenzel.
RAZÕES DO DESPREZO
O RB Leipzig conduziu o seu processo de formação de uma forma controvérsia, o que potencializa o distanciamento do clube com a cultura do futebol alemão. O regulamento da Federação Alemã não permite a alteração do nome das equipes para fins publicitários, exceto quando acionistas tem mais de 20 anos de atuação no mercado (Wolfsburg e Bayer Leverkusen, por exemplo). Para burlar a medida, o RB, na verdade, significa RasenBallsport (clube de esporte com grama, em tradução livre), mas a sigla é uma clara menção à marca de bebidas.
O regulamento também aponta que todo clube deve ter um corpo de sócios que detenha a maioria das ações (51%). O RB Leipzig, por sua vez, estipulou que, para se tornar sócio, o torcedor deve pagar mil euros (no Borussia, bastam apenas 62 euros). A maioria dos sócios da equipe fazem parte do corpo de funcionários da empresa (17), com dados de 2018.
- (O RB Leipzig) É uma empresa, um produto de marketing. Isso, para os alemães – e não apenas para a velha guarda, mas também para os jovens, contradiz completamente o que deve ser um clube - sacramenta o jornalista.
TE DÁ ASAS
O clube, entretanto, recebe elogios por algumas práticas. O futebol no lado Oriental do muro entrou em declínio após a queda e a entrada do RB Leipzig, querendo ou não, recolocou a tradicional cidade no mapa. A equipe também tem uma política sustentável de desenvolvimento e contrata apenas jogadores de no máximo 24 anos, sendo um bom certame para evolução, além de dar preferência ao intercâmbio com outras filias da RB pelo mundo.
- É tudo para dar a jovens e talentosos jogadores a chance de se desenvolver. As pessoas vêm para o estádio porque querem acompanhar um clube e assistir um bom futebol - disse o diretor do RB Leipzig, Ralf Ragninick, em 2015, ao '11Freunde'.