Entre Brasil e Peru, algo em comum: Didi, marcante para as duas seleções
O gênio da folha-seca foi um dos jogadores mais marcantes da Seleção Brasileira no século XX e um dos protagonistas da revolução do futebol peruano, como técnico, na década de 70
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Poucos são aqueles que ficam marcados na história como grandes jogadores e, ao mesmo tempo, treinadores. Menos ainda são os que conseguem marcar época em duas seleções diferentes, ocupando cada uma destas funções. Este é o caso de Didi, que possui seu nome estampado na trajetória de Brasil e Peru, justamente os dois times que brigam, no próximo domingo, pelo título da Copa América, no Maracanã. O ex-meia foi bicampeão mundial com a Canarinho e revolucionou, da casamata, o futebol peruano.
O estádio, inclusive, é um dos lugares que vem à cabeça quando o assunto é Didi, um dos maiores meio-campistas da história e autor do primeiro gol do palco, quando atuou pela seleção carioca, em 1950. Por lá, marcou época jogando por Fluminense e Botafogo - vencendo, ao todo, quatro Campeonatos Cariocas, uma Copa Rio e um Torneio Rio-São Paulo.
A trajetória do menino nascido em Campos dos Goytacazes começou de forma repentina. O início da carreira foi marcado por passagens em clubes do Rio de Janeiro: São Cristóvão, Rio Branco, Goytacaz, Americano e Madureira, além do Lençoense-SP. No Tricolor Suburbano, chamou a atenção de outro time de três cores, o Fluminense, onde iniciou sua trajetória em uma equipe de peso no país. Marcado pela qualidade na batida da bola, logo se tornou uma das peças mais importantes da equipe comandada por Zezé Moreyra na década de 50.
A história com a Seleção Brasileira começou em 1952. Destaque com o Flu, Didi foi titular da Canarinho na campanha do Campeonato Pan-Americano e ajudou a equipe verde e amarela a sair do Chile com o título. Dois anos depois, porém, o time bateu na trave na Copa do Mundo, eliminado pela Hungria. O meia, com a camisa 8, foi um dos líderes daquele elenco.
Depois do fracasso na Suíça, Didi optaria por uma mudança de ares na carreira. Em 1956, se transferiu ao Botafogo, na transferência mais cara, à época, do futebol carioca. Em General Severiano, formou um dos maiores times da história do clube, ao lado de Nilton Santos, Garrincha e Zagallo. Nomes, que em um futuro próximo, também seriam importantes para a Seleção Brasileira.
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Com sucesso no Botafogo, Didi era titular absoluto do Brasil de Osvaldo Brandão. Nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 1958, a mágica do meia foi uma das responsáveis por colocar a Canarinho no Mundial. Na época, as Eliminatórias das seleções da América do Sul eram divididas em grupos com três equipes cada e ambas se enfrentavam em jogos de ida e volta. Em sistema de pontos corridos, classificava-se à competição quem terminasse na liderança.
A Venezuela havia desistido da competição, então o representante do Grupo A sairia do vencedor de dois duelos entre Peru e Brasil. O primeiro, disputado em Lima, terminou empatado. A volta, no dia 21 de abril de 1957, foi no Maracanã e a Canarinho venceu a complicada partida por 1 a 0, com um gol de falta de Didi. A cobrança, indefensável para o goleiro Rafael Asca, foi de folha-seca, uma invenção e marca registrada do meio-campista.
Didi sempre foi conhecido pela qualidade com a bola no pé, seja para passar ou finalizar de média distância. Dos pés dele, nasceu o chute da folha-seca, que é marcado pelo efeito da bola em cair rapidamente e de forma repentina, sem dar chances ao goleiro. O meio-campista o fez por onde passou, inclusive em Copas do Mundo e em duelos decisivos pela seleção. Era sua marca registrada.
A imprensa da época sempre debateu quando o chute da folha-seca surgiu. Para o próprio Didi, a primeira finalização que teve as características corretas ocorreu em uma partida contra o Bonsucesso, disputada na Rua Teixeira de Castro, Zona Norte do Rio de Janeiro, superando o goleiro Julião, entre 1955 e 1956. O chute tinha esse nome porque era como se fosse uma folha de outono, que caía sob o vento.
A invenção de Didi entrou para a história do futebol justamente contra o Peru, adversário do Brasil no presente em busca da Copa América. A folha-seca foi uma revolução para o futebol, já que os goleiros da época pouco sabiam o que fazer quando uma finalização desse estilo vinha em suas direções. Com um toque brasileiro, o meio-campista foi além de escrever em solos tupiniquins e gravou sua genialidade e repertório para além de seu tempo.
EM ESTOCOLMO, A HISTÓRIA FOI ESCRITA
O "Gênio da folha-seca" foi além. Um ano depois daquela vitória no Maracanã, a Seleção Brasileira embarcava, agora comandada por Vicente Feola, para a Suécia, em busca do tão sonhado conquista mundial. Após o vice-campeonato em 1950 e a eliminação em 1954, o meio-campista liderou a Canarinho em sua primeiro título de Copa do Mundo, eleito, inclusive, melhor jogador do torneio.
A final contra os donos da casa começou de forma inesperada. A Suécia abriu o placar logo ao quatro minutos, com Liedholm. Mesmo com as comemorações na arquibancada, Didi tomou à frente, foi até o gol defendido por Gilmar e disse "A sopa deles acabou. Agora é a nossa vez! Vamos encher a caçapa desses gringos de gols. Aqui dentro da casa deles mesmo". Dito e feito. Cinco minutos depois, Vavá havia empatado a partida. Oitenta e um depois, o árbitro Maurice Guigue apitava o fim de jogo, decretando a vitória de 5 a 2 do Brasil, campeão mundial pela primeira vez.
Campeão e... melhor jogador. Didi recebeu, diante de toda a felicidade que envolvia o elenco, o prêmio de melhor atleta da Copa do Mundo de 1958. O desempenho do camisa 6 na competição foi definido por Nelson Rodrigues.
- Com uma clarividência excepcional, e sua marcante calma lúcida, foi Didi quem nos deu equilíbrio na nervosa estreia contra a Áustria. E depois, quando deslanchamos rumo ao título, passou a ser o comandante de todos os nossos grandes momentos, com suas gingas maravilhosas, seu futebol inigualável.
- Apontado pelos mais exigentes críticos europeus como o "Maior" da Copa, Didi foi, acima de tudo, um jogador diferente, que molhou sempre a camisa de maneira guerreira. E que melhor imagem me poderia vir à mente se não a do ato final da decisão! O Brasil já campeão, e o Rei Gustavo Adolfo, da Suécia, a aperta-lhe a mão! Na mesma imaginei: dois Reis - completou Nelson, em trecho retirado do livro "Didi: o Gênio da folha-seca", de Péris Ribeiro.
NO CHILE, A CONSAGRAÇÃO DE UMA CARREIRA MARCANTE
Entre uma curta passagem, marcada por um episódio de ciúme de Di Stefano, pelo Real Madrid e o retorno ao Botafogo, Didi permaneceu em forma no próximo ciclo. Desta vez, o meio-campista era um dos jogadores principais da equipe comandada por Aymoré Moreira, que tentaria o bicampeonato da Copa do Mundo em 1962, no Chile.
Já experiente, com 32 anos, Didi pode não ter tido o mesmo brilho individual de quatro anos antes, mas foi igualmente importante para a conquista do Brasil, que bateu a Tchecoslováquia por 3 a 1 na final. Em termos coletivos, o camisa 8 era um dos líderes daquele time, e abriu espaço para os mais jovens, como Amarildo e Mané Garrincha, brilharem.
Quatro anos depois de sua segunda conquista mundial, Didi se aposentou dos gramados. Entre as datas, o meio-campista teve uma passagem pelo Sporting Cristal, do Peru, onde passou a assumir a função de jogador-treinador, já que tinha dúvidas sobre o que fazer na sequência de sua carreira. Entre passagens dentro e fora do campo por Botafogo, Veracruz-MEX e São Paulo, o brasileiro havia se decidido: se dedicaria apenas como comandante. Essa história, então, começa no Sporting Cristal, em 1967.
REVOLUÇÃO: A GRANDE SELEÇÃO PERUANA
Campeão nacional em 1968, o convite para treinar a seleção do Peru chegou logo depois da conquista com o Sporting Cristal. A primeira missão era difícil: levar 'Los Incas' de volta para uma Copa do Mundo depois de 40 anos. Conseguiu. Nas eliminatórias, superou um grupo com Bolívia e Argentina e, saindo com um saldo invicto sobre os Hermanos - vitória por 1 a 0 em Lima e empate de 2 a 2 em Buenos Aires -, se garantia no Mundial.
Indo ainda mais longe, o Peru de Didi foi uma das sensações do Mundial no México. Em um grupo com Alemanha Ocidental, Bulgária e Marrocos, os peruanos saíram vencedores de todas os jogos, com exceção ao duelo diante os alemães, mas nada que fosse suficiente para tirar a classificação dos Incas, que iriam para a segunda fase de uma Copa do Mundo pela primeira vez em sua história.
No caminho do Peru e Didi, o Brasil. A Canarinho seria a adversária dos Incas nas quartas de final da Copa de 70. Coincidência ou não, o ex-meio-campista teve que enfrentar a seleção que lhe deu maior alegria no torneio em que sua carreira foi consagrada. Apesar de toda a carga emocional que envolveu o confronto, a seleção verde e amarela venceu o duelo por 4 a 2, eliminando o Peru e dando fim à campanha de Didi na competição.
Nada disso, porém, tira o mérito de Didi. Afinal, o Brasil seria campeão mundial em 1970 com sobras. O ex-meio-campista, com um futebol de toque de bola, assim como sua característica quando jogador, recolocou o futebol peruano em um bom caminho. Foi Didi que fez a carreira na seleção de Teófilio Cubillas, um dos maiores jogadores peruanos de todos os tempos, iniciar.
- Eu era apenas um garoto. Mal acabara de ser campeão com o Alianza. Mesmo assim, ele disse que via em mim um grande futuro. Me encorajou. E fez mais: me convocou para a Seleção. Eu, apenas um garoto. Aí chamou o (Hugo) Sotil, o (Ramón) Miffin, o (Julio) Baylón, o Perico (Pedro Léon)... Uma rapaziada cheia de vontade, ansiosa por uma chance. Seu (Didi) trabalho foi espetacular. Foi o maior técnico que conheci - afirmou Cubillas, em trecho retirado do livro "Didi: o gênio da folha-seca", de Péris Ribeiro.
DEDO DE DIDI: A GLÓRIA PERUANA
Apesar da boa campanha na Copa do Mundo, Didi resolveu deixar o Peru e assumir um novo desafio no River Plate. Mesmo longe do país, sua contribuição ao futebol peruano rendeu frutos ao país um tempo depois. A geração indicada pelo ex-meia, com nomes como Cubillas, León e Oswaldo Ramírez foi campeã da Copa América de 1975.
O treinador na campanha já era Marcos Calderón. Mas a importância de Didi para o futebol peruano é incontável. O Peru, inclusive, eliminou o Brasil nesta campanha, em um dos episódios mais peculiares do futebol sul-americano: após duas partidas - uma em Belo Horizonte e a outra em Lima -, o placar agregado de uma das semifinais foi 3 a 3. O regulamento não previa critério de desempate, e o Peru avançou à decisão por meio de um sorteio.
Na final, o Peru enfrentou a Colômbia. No primeiro jogo, em Bogotá, perdeu por 1 a 0. Diante dos seus torcedores, em Lima, a equipe reverteu o placar, vencendo por 2 a 0. Sem dar chance para um novo sorteio, a Conmebol fez o título ser decidido em um jogo de desempate na Venezuela, vencido pelo Peru por 1 a 0, com gol de Hugo Sotil. A consagração da, até hoje, maior geração peruana, mas que começou com o dedo de um brasileiro.
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