Luiz Fernando Gomes: ‘A miopia do vaivém’
Real e Barcelona, City e United, Benfica e Porto, Milan e Inter alimentam uma rivalidade que vai além do jogo. A cada nova janela de contratação saem a campo em busca dos melhores reforços. Abrem os cofres, por vezes além da capacidade real, fazem negócios de cifras astronômicas que, nem sempre, se mostram acertados. No caso dos espanhóis, essa briga pode levar a loucuras como a aposta do Real em um menino como Vinicius Junior, num investimento de R$ 146 milhões. Vale tudo para não dar espaço ao rival.
Por lá, uma boa contratação é motivo de comemoração. Por aqui, no futebol tupiniquim, a disputa é contrária. A cartolagem fica feliz quanto mais vende. Não importa se o time vai ou não sentir os desfalques, se garotos que surgem na base e poderiam se tornar ídolos saem do clube antes mesmo de serem conhecidos pelo torcedor. Isso, uma visão míope, fica clara no bate-boca da semana, entre o diretor de futebol do São Paulo, Vinicius Pinotti e o presidente do Corinthians, Roberto de Andrade.
Pinotti, ao ser questionado sobre as vendas do Tricolor na temporada - Luiz Araújo, Lyanco e David Neres saíram no início do ano, Lucão e Maicon estão de malas prontas agora – partiu para o ataque contra o rival. “Se olhar o histórico de vendas do São Paulo, a gente vende muito mais que eles, porque nossa vitrine é muito mais atrativa. Saiu um estudo tempos atrás do valor dos elencos e naturalmente você consegue ver por que eles conseguem segurar e nós não: nosso elenco é valioso, são propostas grandes que chegam aqui. Duvido que se chegar propostas nesse nível se eles seguram.”, cutucou o diretor.
Andrade acusou o golpe. "Nós temos que entrar em um acordo. Ano passado todo mundo me criticou porque eu vendi o time inteiro. Ou vocês [jornalistas] concordam que o que ele falou está certo ou vocês estão errados em me criticar. O que o Pinotti tem de entender, é que ele tem de falar do São Paulo, cuidar do São Paulo. Eu falo do Corinthians e cuido do Corinthians. E, por sinal, ele, por favor, que melhore um pouco o time dele. Deixa que aqui nós cuidamos”, respondeu o corintiano.
É uma miopia de dar dó, ouvir uma discussão como essa.
Macaco velho nas coisas do futebol, o técnico do Fluminense, Abel Braga, ao menos é mais realista, mais direto do que a cartolagem, sem tentar dourar a pílula. Seu time começou o ano sem contratações de efeito, tem um elenco curto, recheado de meninos da base de Xerém. Com Wendel, Gustavo Scarpa, Henrique Dourado e Richarlisson na mira de clubes daqui e de fora, o treinador não se faz de rogado: “Com certeza vai se perder alguém. Pelo menos um vai se perder, paciência A gente fabrica outro”, disparou. Abelão não queria que fosse assim. Mas sabe da fragilidade dos clubes, sabe que resistir a uma boa proposta, tem limites, contas para fechar no final do ano, salários para pagar.
Abel não é o único a demonstrar conformismo. O Palmeiras está finalizando o empréstimo de Vitinho, revelação da base, ao Barcelona B e Cuca aprovou: “Acho ótimo para o jogador e para o clube. Aqui não temos o time B, e aqui ele não joga. Ele tem treinado relativamente bem, mas a gente tem que ver no jogo e aqui não consigo pôr. Por mais que eu queira, tem situações que estão à frente, como a experiência”, analisou o treinador. Lucas Lima também pode ir para o Barça é Levir Culpi reagiu bem: “Pode melhorar. Por que não? Claro que todos querem o Lucas Lima, joga muito. Gostaria de contar com ele. Mas se for negociado, vou lamentar o que? Prefiro ter o grupo inteiro e bem financeiramente do que só um jogador”, resignou-se.
Para os cartolas, como Pinotti e Andrade, vender jogadores pode ser uma espécie de tábua de salvação, mascarando os rombos da sua própria incompetência. Para os técnicos, como Abel, Cuca ou Levir, isso pode custar a própria cabeça, obrigados a recomeçar o trabalho a cada nova janela que se abre, montar e remontar times com o campeonato rolando. Só lhes resta, e eles sabem disso, confiar nos seus tacos.