Agora vai? Clubes da Série A ensaiam ‘seriedade’ no futebol feminino
Alguns clubes da Série A masculina sequer têm equipe profissional de futebol feminino; investimento nas categorias de base é desigual, mas panorama já começa a mudar no país
Falar de futebol feminino é ter pela frente um cenário certamente desigual - e se o investimento já não é parelho em times profissionais, o panorama é ainda mais díspar nas categorias de base. Dos 20 clubes que disputam a Série A do Brasileiro em 2018, alguns clubes sequer possuem uma equipe adulta. Como poderemos revelar novas Martas, Formigas, Cristianes, se a elas não é dado um investimento desde a base?
Associar equipes femininas a masculinas está longe de ser o ideal, mas ainda gerou outra preocupação no horizonte dos cartolas: a partir de 2019, clubes sem um plantel de mulheres não poderão disputar a Libertadores. O LANCE! mapeou como anda a prática esportiva feminina, com foco nas categorias de base, nos 20 clubes que disputam a Série A atualmente. Confira abaixo!
O que pede a Conmebol?
No regulamento de licenciamento de 2016, a Conmebol se enquadrou em um dos principais artigos nos estatutos da Fifa. O artigo 23 do Estatuto aborda questões anti-discriminatórias: além da prevenção ao racismo, à homofobia e à intolerância religiosa (entre outras), é necessário que clubes e federações impeçam a desigualdade de gênero. A entidade sul-americana deu prazo de dois anos para que seus membros se adaptassem, fazendo com que a mudança passasse a valer, efetivamente, no início de 2019.
"O solicitante deverá ter uma equipe principal feminina ou associar-se a um clube que possua a mesma. Ademais, deverá ter ao menos uma categoria juvenil feminina ou associar-se a um clube que possua a mesma. Em ambos os casos, a solicitante deverá prover suporte técnico e todo o equipamento e infraestrutura (campo de jogo para disputa de partidas e treinamentos) necessárias para o desenvolvimento de ambas as equipes em condições adequadas. Finalmente, se exige que ambas as equipes participem em competições nacionais e/ou regionais autorizadas pela respectiva Associação Membro", é o que traz o regulamento da Fifa.
O futebol feminino nos 20 clubes da Série A
América-MG: Dos três mineiros na elite brasileira, o Coelho é o mais avançado quando se trata de futebol feminino. O projeto teve início ainda na década de 80 (elas foram vice-campeãs mineiras em 1983) e foi retomado em 2015, com equipe própria do América-MG - a tendência brasileira era associar-se a outras agremiações menores. Todo o elenco foi profissionalizado no ano de 2016.
O investimento também se mantém fora dos gramados: na última segunda-feira, o Coelho anunciou a contratação da doutora Flávia Magalhães, uma das convocadas (as médicas não têm contrato com a CBF, são todas RPA/autônomas) responsáveis pelos cuidados da Seleção Brasileira Feminina.
Não existem equipes específicas para disputas nas categorias sub-20, sub-17 e sub-15, muito pela inexistência de um calendário no futebol feminino de base em Minas Gerais. O projeto, mesmo assim, segue nos planos do América-MG. O clube promove de duas a três seletivas por ano para captar talentos de todo o Brasil, a partir de 16 anos. Quando aprovadas, as atletas dessa faixa etária são incorporadas ao time profissional.
Atlético-MG: A manutenção de um plantel feminino a partir de 2019 foi uma das promessas feitas pelo presidente Sérgio Sette Câmara, logo na primeira entrevista coletiva após sua posse. Todavia, o panorama no clube mineiro permanece o mesmo até o momento; falecido em março, Bebeto de Freitas seria o responsável por tocar o projeto. O Galo já teve uma equipe feminina de futebol, que foi tetracampeã mineira de 2009 a 2012, mas as atividades se encerraram no início de 2013. À época, nenhuma justificativa foi dada.
Em março de 2018, em contato com o L!, o Atlético-MG afirmou ter “ciência da obrigatoriedade” por parte da Conmebol, mas a implementação não tinha sido providenciada e não havia qualquer planejamento em curso. A assessoria do Galo não respondeu às nossas recentes tentativas de contato em outubro.
Atlético-PR: Não respondeu aos contatos do LANCE! nem em março, nem em outubro de 2018. Uma breve busca no site oficial do clube traz algumas notícias referentes ao futebol feminino do Furacão, mas a mais recente é de 2011.
Bahia: Ainda não tem uma equipe profissional de futebol feminino, "mas terá". Dentro do Tricolor de Aço, a expectativa é de que o projeto saia do papel até o final de 2018. O clube baiano também trabalha com a possibilidade de firmar uma parceria com times locais, mas preferiu não citar nomes. Não há trabalho de base voltado às mulheres. No masculino, o Tricolor tem times nas categorias sub-14, sub-15, sub-17, sub-20 e sub-23.
Botafogo: Existem conversas e negociações para a implementação de uma equipe de futebol feminino, mas não há nada concreto até o momento. Uma eventual parceria também não está descartada. Até pela própria pendência do futebol profissional, não há um trabalho de base voltado às mulheres. O lado masculino do Glorioso possui as categorias sub-11, sub-12, sub-13, sub-14, sub-15, sub-17 e sub-20 no futebol.
Ceará: Tem uma equipe profissional desde julho de 2018 em parceria com a Associação Menina Olímpica, com todas as atletas de carteira assinada, para suprir as exigências feitas pela Conmebol. Todavia, a formação-base do plantel é de atletas sub-20 - permitindo, assim, que o Vozão possa participar de torneios da categoria juvenil.
Há planos para a criação de equipes sub-15 e sub-17 femininas no clube alvinegro. Já no lado masculino, o futebol do Ceará está presente nas categorias sub-11, sub-13, sub-15, sub-17 e sub-20.
Chapecoense: Em maio de 2018, o Verdão do Oeste firmou parceria com a Associação Desportiva Lourdes Lago (ADELL) para a instituição do futebol feminino no clube. A equipe representará a Chapecoense no Catarinense Feminino, assim como na disputa nacional. O convênio também visa a adequação às exigências da Conmebol. A assessoria do clube alviverde não respondeu aos contatos feitos pelo LANCE!.
Corinthians: O futebol feminino retornou ao Corinthians em 2016 por meio de parceria com o Audax. Desde o início de 2018, entretanto, a gestão da equipe é 100% da cúpula do Timão. Não há times de base femininos atualmente, mas já há um trabalho para o surgimento de ao menos uma categoria juvenil.
O plantel feminino do Parque São Jorge, que se classificou à final do Brasileiro Feminino A1, segue sendo atendido pela mesma comissão técnica há dois anos. A base do time é praticamente a mesma - tanto que duas jogadoras, Grazi e Paulinha, superaram a marca de 100 atuações pelo clube em 2018.
Na base masculina, o Timão tem times sub-11, sub-13, sub-15, sub-17 e sub-20
na disputa de competições oficiais. Para os meninos, há ainda sub-9, sub-10, sub-12, sub-14 e sub-16, mas estas categorias não disputam torneios oficiais (porque não existem) e/ou apenas treinam.
Cruzeiro: Há sete meses, o L! ouviu que “o clube está trabalhando para estruturar a equipe para o ano que vem (2019). Nesse momento, o projeto se encontra em um estágio muito inicial". Em outubro, a única resposta é de que o Cruzeiro “não está falando sobre o tema”. Não foram divulgadas quaisquer informações sobre o surgimento de uma equipe de futebol feminino.
Flamengo: Nos moldes atuais, em parceria com a Marinha, o clube mantém seu futebol feminino desde 2015. Entre 1995 e 2001, o Flamengo chegou a administrar um plantel de mulheres por conta própria. O projeto foi retomado em 2011 em parceria com a prefeitura de Guarujá (São Paulo), mas não foi para frente. A equipe da Gávea não pretende retomar o controle total do futebol feminino, já que o acordo com a Marinha mostra-se "muito bem-sucedido".
Não há um trabalho específico para categorias de base femininas: o mais próximo disso é a Escola de Esportes Sempre Flamengo, com aulas na sede da Gávea, em que alunas jogam em turmas mistas com meninos. No masculino, o Rubro-Negro tem times de base nas categorias sub-7, sub-8, sub-9, sub-10, sub-11, sub-12, sub-13, sub-14, sub-15, sub-16, sub-17 e sub-20. Até o sub-12, os alunos jogam campo e futsal; o campo é exclusivo a partir do sub-13.
Fluminense: Visando se adequar às determinações da Conmebol para 2019, o Fluminense fechou uma parceria com o Daminhas da Bola, de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, para ter futebol feminino a partir do ano que vem. O vínculo atende às exigências tanto do futebol profissional quanto de base, que conta com equipes sub-11, sub-13 e sub-15 no futsal e sub-15 e sub-17 de futebol de campo, além do time profissional de campo.
O projeto inicial de futebol feminino nas Laranjeiras surgiu em 1990 e chegou ao fim na gestão Peter Siemsen, em 2011. À época, Jackson Vasconcellos era gerente executivo geral do Tricolor; a uma das atletas, ele teria dito que o corte nos esportes olímpicos das Laranjeiras era provisório. Cerca de 60 atletas se dividiam nas categorias sub-17 e sub-20.
Grêmio: O projeto no clube surge após as exigências da Conmebol, mas o Grêmio se antecipou em dois anos: a obrigatoriedade vale a partir de 2019, enquanto o futebol feminino do clube gaúcho estreou em março de 2017 para a disputa do Brasileiro A1. O momento inicial incluiu parceria com a Associação Gaúcha de Futebol Feminino (AGFF), que ficou responsável por captar atletas do Rio Grande do Sul para atuar em nome do Tricolor.
Passada a participação no torneio nacional, a equipe gaúcha assumiu completamente a responsabilidade pelo futebol feminino. Recentemente, o Grêmio deu início à profissionalização do departamento - algumas atletas já possuem contrato com CLT, além de terem tido considerável aumento salarial. Na base, são três turmas voltadas às mulheres: sub-13, sub-15 e sub-17. Para os homens, são seis: sub-14, sub-15, sub-16, sub-17, sub-19 e sub-20.
Internacional: O time feminino foi reativado no início de 2017, com três propósitos: cumprir com as obrigações do ProFut, a exigência de que tenham times da série A jogando o futebol feminino a partir de 2019 e os pré-requisitos da Conmebol.
Hoje, o Colorado é dividido em escola de futebol (a partir dos 7 anos), categorias de base sub-15 e sub-18, além da equipe profissional de mulheres. Tanto o plantel adulto quanto a base feminina surgiram no início de 2017. Para os homens, há o Inter B (sub-23), times sub-20, sub-17, sub-15 e sub-14; do sub-13 para baixo, são grupos especiais da Escola Rubra, que é a escolinha de futebol do clube gaúcho.
Palmeiras: Não possui equipe profissional de futebol feminino e não há um trabalho de base específico voltado às mulheres. O que mais se aproxima de um juvenil feminino é o trabalho na Academia do Futebol, rede de escolinhas licenciadas do Palmeiras. No masculino, a base do futebol vai desde o sub-11 até a categoria sub-20.
Atual líder do Campeonato Brasileiro, o Verdão seria um dos clubes obrigados a manter um plantel de atletas mulheres para a disputa da Libertadores em 2019. O assunto está em pauta internamente na diretoria alviverde, mas a cúpula do Palmeiras ainda "não tem como comentar oficialmente" qual será o modelo para reativar o futebol feminino para o ano que vem.
Paraná: Em março, o LANCE! ouviu que havia "estudos quanto à implementação de uma equipe feminina por conta da obrigatoriedade para 2019". O Paraná estudava implementar sua própria equipe ou fazer parceria com equipe já existente em Curitiba. Em novo contato, descobrimos que o projeto ainda não saiu do papel - e ainda não há planos para que isso ocorra. Também sem trabalho de base feminino, o Tricolor da Vila tem as categorias sub-13, sub-15 e sub-17 no futebol de campo masculino.
São Paulo: A equipe profissional feminina do São Paulo surgiu em 2017. Nas categorias de base masculinas, há times do sub-11 ao sub-23; para as mulheres, há apenas a equipe sub-17, que é mantida por meio de parceria com o Centro Olímpico de São Paulo.
Santos: Atuais campeãs paulistas e brasileiras, as Sereias da Vila são vistas como um dos principais exemplos de investimento em futebol feminino no Brasil - ex-Seleção Brasileira, a treinadora Emily Lima é quem comanda a equipe profissional.
Ainda assim, o panorama não é totalmente igual nas categorias de base. Recentemente, o Peixe anunciou peneiras para a formação de sua primeira (e até agora, única) categoria voltada às mulheres: a sub-17. No lado masculino, o Santos tem times sub-11, sub-13, sub-15, sub-17, sub-20 e sub-23.
Sport: O futebol feminino no clube pernambucano começou a ser especulado às vésperas da eleição presidencial de 2016, em outubro. O ressurgimento da modalidade - que ficou um ano parada - era uma das promessas do então candidato (e atual presidente) Arnaldo Barros. Em janeiro de 2017, já havia um time profissional montado.
Não há times nas categorias de base femininas, tendo em vista que não há um calendário nacional para disputas juvenis organizadas pela CBF. O Leão já realiza algumas peneiras atualmente e a expectativa é de que surjam equipes sub-20 e sub-17. No masculino, o clube da Ilha do Retiro tem sub-13, sub-15, sub-17, sub-20 e sub-23.
Vasco: O futebol feminino da Colina ganhou notoriedade, principalmente, por revelar ao mundo a jogadora Marta. Criado inicialmente nos anos 90, o departamento foi reativado em parceria com a Marinha em 2009, mas atualmente é administrado 100% pelo clube. No feminino, o Cruz-maltino trabalha com atletas de 14 anos para cima, enquanto no masculino existem todas as categorias no futebol de base.
Vitória: O Leão investe no futebol feminino desde o ano de 2015 "por acreditar em seu potencial multidesportivo", antes das exigências da Conmebol. As 'Leoas da Vitória', como são conhecidas, foram campeãs baianas em 2016 e conquistaram o acesso à elite feminina nesta temporada. Na base, o clube trabalha com meninas de 14 a 17 anos. Já os meninos podem participar de times sub-15, sub-17, sub-18 e sub-20.