Brasil perde número de clubes e 90% dos registrados na CBF jogam pouco
Nos últimos anos, quantidade de clubes no país caiu 8% e tendência é piorar. Apenas uma pequena parcela das equipes brasileiras consegue ter um calendário 'completo'
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Em 2009, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) tinha 783 clubes profissionais registrados. Hoje, tem 722. Em oito anos, o Brasil perdeu 8% dos seus clubes e, se o futebol brasileiro não encontrar um modelo sustentável de desenvolvimento, a tendência é piorar.
Praticamente 90% dos clubes registrados na CBF jogam em média 19 partidas por ano, poucos participam da Copa do Brasil e a maioria só tem atividade durante o respectivo Campeonato Estadual, demitindo em seguida seus atletas, treinadores e comissão técnica. Apenas 14% jogam o ano todo, disputando Séries A, B, C e D do Campeonato Brasileiro, e 1% jogam até demais, chegando a mais de 70 partidas por ano, prejudicando a própria rentabilidade das partidas, treinamentos da equipe e preparação física dos atletas.
No Brasil, poucos clubes jogam muito e quase todos jogam muito pouco! Um estudo, feito pela Fundação Getulio Vargas (FGV) para a Secretaria Nacional de Futebol do Ministério do Esporte, aponta que se todos os clubes que só jogam durante quatro meses por ano jogassem o ano inteiro, haveria a geração de 25 mil novos empregos e R$ 600 milhões por ano no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
Na Inglaterra há 22 divisões e sete mil clubes, na Alemanha, sete e 3,4 mil, na Espanha, nove e 3,2 mil. Nenhum clube europeu joga mais de 60 vezes por ano. Mesmo assim sofremos essa globalização de mão única em que clubes europeus tem mercado no Brasil, mas clubes brasileiros não tem no exterior. É preocupante que se venda mais camisas estrangeiras que nacionais no Brasil e partidas brasileiras tenham menos audiência no país que jogos da Champions League, exibidos até em salas de cinema.
É impossível competir com a Europa enquanto a América continuar dividida entre Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) e Confederação de Futebol da América do Norte, Central e Caribe (Concacaf). O potencial de um campeonato continental de clubes na América, com o PIB de Estados Unidos, México, Canadá e Brasil, é maior que da Champions League e fundamental para estancar essa globalização de mão única atual.
Interesses políticos, muitas vezes estranhos ao futebol, justificam que a América seja o único continente dividido em duas confederações na FIFA? Para clubes brasileiros competirem globalmente é preciso modificar o status quo, mesmo que isso represente o fim de certos feudos e da anomalia que permite mais facilidade a países da Conmebol na classificação para a Copa do Mundo.
Internamente, é essencial ter atividade o ano inteiro para todos os clubes, com o fortalecimento dos campeonatos locais através de políticas públicas e iniciativas privadas com CBF e Federações Estaduais. Os clubes também tem a oportunidade de aproveitar as novas tecnologias para buscar mais engajamento da torcida, diminuindo a dependência de investimentos corporativos como TV e patrocínios.
Em 2017, anunciantes investiram US$ 205 bilhões na internet e US$ 192 bilhões na TV. A audiência de futebol está envelhecendo: em 2006, a idade média era 39 anos, hoje, 43. Nas gerações anteriores a 1980, 45% das pessoas preferem esportes e 13% e-sports; na geração do Milênio (19 a 38 anos), 27% preferem esportes e 27% e-sports. Alguma dúvida sobre o acontece a partir da geração Z (8 a 18 anos), onde apenas 31% assiste esporte ao vivo, contra 51% na geração X (39 a 58 anos)?
A velocidade das transformações é cada vez maior e quem não balança a rede, balança na rede. O rádio levou 38 anos para atingir 50 milhões de pessoas; a TV, 13; a internet, quatro; o Google, 100 dias. Hoje, um bilhão de pessoas interagem diariamente pelo Facebook. Em 2010, 1,8 bilhão de pessoas estavam conectadas à internet; hoje, três bilhões. Até 2025, o mundo inteiro estará. Quanto tempo mais o futebol brasileiro consegue manter o atual patamar de investimentos corporativos de TV e seu corolário de patrocínios?
Mesmo com um aumento considerável de carga tributária, há muito se fala que uma das soluções para melhorar o futebol brasileiro seria a transformação dos clubes, hoje em sua maioria associações civis sem fins lucrativos, em empresas, inclusive com ações na bolsa para que se pudesse captar investimentos diretos de seus torcedores. Agora, com a mais recente inovação tecnológica do mercado financeiro, os clubes não precisam disso para emitir criptomoedas e captar volume considerável de recursos através do engajamento de seus torcedores em operações conhecidas como ICOs (Initial Coin Offerings).
Em 2017, ICOs levantaram USD 5 bilhões e deixaram de ser um método de captação de recursos relativamente desconhecido, usado apenas na comunidade blockchain. Inclusive, a Comissão de Valores Mobiliários emitiu nota esclarecendo que compreende ICOs como captações públicas de recursos com emissão de ativos virtuais, que não se encontram sob a sua competência quando não envolverem valores mobiliários.
O Brasil tem 60 milhões de domicílios com TV Aberta, 19 milhões com TV fechada, 27 milhões com banda larga, 95 milhões de smartphones e um bilhão de horas de vídeo assistidas no YouTube diariamente. Clubes tem à disposição conhecimento, habilidades e tecnologia para desenvolver um novo modelo de negócio, exponencial e global. Jogador pode ser YouTuber; Centro de Treinamento, Big Brother; Pay-Per-View, plataforma própria Over-The-Top; e ICOs, instrumentos de captação para todos os projetos, inclusive contratação de jogadores, empreendimentos imobiliários e pagamentos de dívidas.
Essa tendência de enfraquecimento do futebol brasileiro, felizmente, não é irreversível. Só não se pode esperar resultados diferentes repetindo as mesmas práticas. O caminho passa pelo resgate do modelo de financiamento original dos clubes, que surgiram graças ao esforço dos seus membros, agora com a escala global da rede.
*Vantuil Gonçalves é professor da Trevisan e Pedro Trengrouse é professor da FGV
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