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Chance de agir: a necessidade de combate ao assédio no futebol

Torcedoras relatam momentos de medo e constrangimento em partidas; Bahia fala sobre episódio na Fonte Nova, dá exemplo e promete ações

Fonte Nova   Bahia x Vasco
Bahia se posicionou contra o assédio na Arena Fonte Nova (Foto: Carlos Gregório Jr/Vasco.com.br)

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O histórico triste e preocupante de assédio à mulheres no futebol ganha capítulos praticamente a cada partida. O mais recente e que chamou a atenção aconteceu na partida entre Bahia e Avaí, na Fonte Nova. Uma torcedora do time da casa utilizou as redes sociais para expor o que sofreu nas arquibancadas e o clube tricolor prometeu agir para combater o ocorrido. Não é a primeira ou a última vez que isso aconteceu. Os casos de desrespeito à mulher ainda são constantes.

- Quanto mais os clubes ajudarem na prevenção, melhor. Por outro lado, infelizmente se trata de um problema enraizado na sociedade, que se repete em outros espaços, não só nos estádios de futebol. Isso não significa que devemos aceitar. Pelo contrário. O Bahia está buscando fazer a sua parte. O machismo está no cotidiano da vida real e se acentua nos estádios justamente porque são espaços de maioria masculina. Esse é mais um motivo para buscarmos aumentar a presença de mulheres na Fonte Nova e também em nosso quadro de sócios, assim como intensificar a Ronda Maria da Penha - explica o presidente do Bahia, Guilherme Bellintani.

O Bahia promete tomar mais iniciativas contra o assédio e reforçar o que já existe atualmente.

- No final de 2018 o clube fez parceria com a Polícia Militar para realizar a chamada Ronda Maria da Penha, específica para casos de assédio contra a mulher, durante os jogos na Fonte Nova. As torcedores relatam que sentem melhor quando estão com uma policial feminina. Vamos intensificar a Ronda e ampliar a sua divulgação, para que não haja dúvidas sobre os seus locais no estádio. Neste ano, fizemos campanha no Carnaval, em parceria com o governo do Estado, contra o assédio às torcedoras nos circuitos da festa: "Não é não" e "Respeita as minas". Também em 2018, lançamos questionário junto às nossas torcedores para mapearmos os casos de assédio. Além disso, promovemos roda de conversa só com torcedoras (40 delas) também com o mesmo objetivo - contou Guilherme Bellintani.

A protagonista do episódio na Fonte Nova foi Maria Ribeiro. Ela afirmou que o clube está sendo essencial no processo e relatou outros momentos em que se sentiu intimidada apenas por ser mulher.

- Eu já passei por diversos assédios em estádio e meu grupo, as "Tricoloucas", também. Amamos tanto nosso clube que continuamos a frequentar os estádios mesmo assim. Mas tem horas que a gente precisa desabafar, e o caso de Bahia x Avaí foi um desses. Eu amo ir ao estádio apesar de todos esses percalços, porque eu encontrei companheiras ali que também amam o Esporte Clube Bahia e estão ali pra torcer também. Uma das coisas que a gente sempre fala é que “a arquibancada também é feminina”, porque é de todos e todas - disse a torcedora.

Torcedoras relatam casos

Os casos são extensos e constantes. Recentes ou antigos, eles marcam quem sofreu o assédio. A reportagem do LANCE! foi em busca de relatos e encontrou diversos exemplos em vários cantos do país. As "brincadeirinhas", como são chamadas as ofensas, e cantadas são os mais comuns. Algumas falam em tentativas de beijo à força, empurrões, toques invasivos e até o medo de ir às partidas sem companhia.

"Um cara me abordou na saída do banheiro feminino e perguntou se eu estava a fim de sexo. Eu ignorei e quando dei as costas ele passou a mão por cima do meu ombro e apertou o meu seio. Disse que era isso que eu queria, porque estava no estádio procurando macho. Eu estava com o meu sobrinho, de apenas três anos. As pessoas em volta chegaram para saber o que estava acontecendo e um rapaz foi chamar a polícia, mas ele conseguiu desaparecer. Eu ainda frequento estádio, mas nunca mais sozinha. Minha vontade era explodir em choro, mas eu não podia, porque estava com uma criança. Quando eu cheguei em casa, desabei. Fica aquela sensação estranha, várias vezes me perguntei se eu tinha feito algo que fizesse ele pensar aquilo sobre mim, mas não havia nada" (Anônimo)

"No final de um jogo do Flamengo, descendo a rampa do Maracanã, um homem passou a mão em mim e depois começou a falar umas bobagens. Tentei ignorar, mas ele continuou sendo um idiota. Eu e minha irmã falamos que ele não podia fazer isso e gritamos porque ele faltou com respeito. Alguns homens da torcida tentavam ajudar ele tirando nós duas de perto, usando a desculpa de que ele estava bêbado" (Anna Luiza Tomé , 17 anos)

"A assédio de torcedores é recorrente, mas o que me surpreende são os assédios de policiais. No último jogo que fui, no meio de uma briga enorme entre as torcidas organizadas, o policial deu em cima de mim descaradamente enquanto eu chorava por um amigo que havia se machucado". (Anônimo)

"Sempre ouvia assovios, já vi mulher de time rival (Vitória) que tentou sentar com o seu companheiro e a torcida xingar ela e mandar sair. Ela só teve paz quando se retirou do lugar". (Manuela Vaz,)

"Levei minha prima no estádio pela primeira vez e na volta o trem estava cheio de homens, daqueles meio estúpidos, das piores torcidas organizadas. Quando ela foi descer do trem, o cara deu um beijo nela. Isso faz um ano. Ela não quis mais ir" (Caroline, 29, com a prima de 20)

"Em 2018 quase fui agredida no Flamengo 0x2 Cruzeiro pela Libertadores. Após o jogo, estava comentando sobre os erros do time. Um cara desceu a rampa empurrando e chutando as grades e quase atingindo outras pessoas. Disse que não adiantava fazer isso e um homem começou a intimidar. Ele disse na minha cara que eu não devia estar lá e que "aqui não tem Maria da Penha não" dentre outras besteiras. Depois que ele me ameaçou e eu o confrontei, ele tentou a agressão e uma amiga me salvou. O policial disse para ir pelo canto e depois ver o que eu fazia. Me senti desprotegida, chorei demais" (Anônimo)

Torcida do Flamengo
Torcedoras contam relatos em estádios pelo país (Foto: Gilvan de Souza/Flamengo)

"Em 2009, fui no Fla x Flu com meu pai e um primo, todos somos tricolores. Meu pai comprou setor misto, mas nos perdermos e acabamos passando no meio da torcida do Flamengo. Me xingaram, pegaram minha bandeira, isso dentro e fora do estádio. Eram xingamentos horríveis direcionados a mim. Eu só tinha 15 anos, então foi muito assustador. Em 2018, no Flu x Botafogo eu sofri assédio por parte de um torcedor do Flu, querendo a todo custo que eu tomasse a bebida que ele estava me oferecendo". (Laryssa, 25)

"Eu estava com duas amigas no setor Leste do Nilton Santos em um jogo da Libertadores em 2017. Estávamos conversando quando um grupo de três homens alcoolizados nos chamaram e pediram pra conversar. Um deles pediu pra ficar com minha amiga e ela disse que não tinha interesse, e ele ficou insistindo bastante. Como ela já estava incomodada, sugeriu que saíssemos dali. Os garotos se irritaram e começaram a nos ofender perguntando o que nós tínhamos ido fazer no Estádio então se não fosse pra encontrar macho. Que estavam dando o que a gente queria. Falou que mulher que ia pro estádio sozinha queria isso mesmo. Sorte nossa que alguns amigos homens viram a situação e foram logo nos tirar dali. Me assustou. Nem em brigas ali nos arredores me senti tão insegura" (Herminia Sá, 26 anos)

"Em 2008 eu tinha apenas 12 anos e estava indo pra um jogo do Fluminense na Libertadores com a minha irmã. Na época, ela tinha uns 15 ou 16, ou seja, eramos duas crianças. Um cara nos viu com a camisa do Flu na rua e simplesmente começou a falar mal e nos xingar de piranha para baixo. Mais recente, precisei fazer um perfil para fugir disso. Eu costumava usar um Twitter com a minha foto e meu nome, mas sempre tentavam me desqualificar por ser mulher. Hoje, como todos acham que o perfil é de um homem, até dar uma zoadinha no rival eu consigo, algo que era inviável antes, pois as respostas nunca vinham relacionadas ao futebol" (Júlia Albuquerque, 23)

"Em 2018, o time feminino do Corinthians jogou na Arena e eu estava no setor norte (organizadas) junto com as meninas do movimento "Toda Poderosa". Um cara de uns 40 anos que estava junto com o filho, que devia ter uns nove, começou a gritar "vai mozão", "isso linda", "chuta gostosa", "ô lá em casa" e coisas do tipo para as jogadoras. Nós nos incomodamos e pedimos pra parar. Ele disse "lugar de respeito é na igreja" e só parou quando um homem falou que não era bem assim. Ele até foi embora" (Laura Ferre, 17)

"Em São Januário, eu e mais duas amigas minhas descemos as arquibancadas para irmos ao banheiro. Ao voltar, não conseguíamos encontrar o pessoal que estávamos e ficamos lá embaixo procurando. Vários homens passavam nos olhando com aqueles olhares nojentos. Nos aproximarmos dos seguranças caso algum tentasse uma gracinha maior. Os homens começaram a mandar “cantadas” e piadinhas. Um ficou nos perseguindo falando que uma de nós três estava muito cheirosa e que ele queria ficar perto daquele ‘cheiro bom’. Quando finalmente conseguimos achamos os nossos amigos, tínhamos que passar por um “corredor masculino” para subir, agarramos as três uma na mão da outra e subimos espremidas. Vários homens se aproveitaram, teve mão na bunda, puxão de cabelo. O medo de acontecer novamente é constante" (Anônimo)

"Uma vez, estava com um namoradinho da época e um cara estava atrás de nós. Ele ficava passando a mão na minha bunda, eu virava para trás e pedia para o mesmo não fazer. Meu namorado pediu para parar e ele ficou na dele, mas, durante o jogo, ele foi cara de pau e meteu a mãozona na cara dura, todos vendo isso e ninguém fazia nada. Depois, em um jogo que eu estava com umas amigas, estava descendo a arquibancada pra encontrar outra amiga e um cara simplesmente bateu na minha bunda, quando eu olhei pra trás pra reclamar ele ficou rindo e disse “o que eu posso fazer se torcedora do Fluminense é gostosa?” (Millena Carvalho, 19)

Torcida do Vasco x Bahia
Torcida do Vasco tem movimento contra o assédio (Foto: Divulgação/Vasco)

Não só na arquibancada

Se os problemas nas arquibancadas são muitos, para quem trabalha com futebol não é menos complicado. Araceli Souza, fotógrafa de campo em Belo Horizonte, conta que foi assediada e humilhada por anos por um colega. Em 2018, ela chegou a fazer o boletim de ocorrência, mas o profissional voltou a frequentar estádios depois de um tempo fora. Ao L!, ela disse se sentir "desanimada e abalada".

- Pouco antes do jogo pela Libertadores entre Atlético e Colo Colo, em 2016, um fotógrafo passou a mão na parte de trás da minha perna quando eu entrei na sala de imprensa. Ele disse que a minha perna era lisinha e não pude me mexer, xingar, ou ter qualquer atitude, a não ser sair da sala e ficar ao lado dos outros profissionais na área descoberta do estádio - diz.

- Em 2018, no jogo da final da Copa do Brasil entre Cruzeiro e Corinthians, o mesmo fotógrafo encostou em mim de maneira desrespeitosa e chamei a atenção. Depois, ele chegou ao meu lado gritando que eu tinha roubado seu lugar. Ele gritou que era o lugar dele, que eu não deveria estar ali, e disse que sentaria na minha frente, jogando, assim, meus equipamentos no chão, empurrando tudo com essa mesma escada. Neste momento, um amigo fotógrafo interveio e chamou um funcionário da FMF, que retirou do gramado a pessoa em questão - completa.

Outras jornalistas, que preferem não se identificar, relatam assédio de dirigentes, como ex-presidentes e diretores, além de torcedores nos estádios. Casos famosos mostram tentativas de beijos, desrespeito de treinadores e histórias de medo e desconforto pelo ambiente criado.

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