Elas se superam! Conheça algumas histórias do Carioca feminino
Rotinas árduas, estrutura limitada e raça de sobra... Sobram desafios às atletas em clubes de menor investimento que veem no Estadual o sonho de ganhar destaque no futebol<br>
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A persistência tem movido o Campeonato Carioca feminino. Atualmente na sua segunda fase, a competição (que começou com 30 clubes) exige muito esforço para as jogadoras de clubes de menor investimento que querem ganhar projeção no cenário nacional.
– A maioria das nossas jogadoras tira do seu bolso para pagar passagem e realizar os treinos no Morro Agudo (em Nova Iguaçu, cidade da Baixada Fluminense). Sabemos das luta que elas têm, das rotinas desgastantes. Exigimos a dedicação em campo, mas sabendo que elas não conseguem viver de futebol, que têm seus limites – afirmou o técnico da Portuguesa, Renan Sias, ao LANCE!.
O contraste destas equipes com os clubes de ponta não fica restrito às goleadas aplicadas por clubes como Flamengo, Fluminense, Botafogo e Vasco no Estadual. Treinadora do LDRO/Seven, Maxinny Damasceno conta que a jornada dupla tem causado impacto no dia a dia da sua equipe.
– Só conseguimos treinar duas vezes por semana, devido à rotina das jogadoras. Além disto, nem sempre estamos com o elenco inteiro, uma vez que somos a única a equipe da Região dos Lagos (o Seven é de Cabo Frio) e muitas atletas moram na capital ou em cidades próximas. É muita garra delas, pois não temos estrutura ideal para oferecer ao time – afirma a ex-jogadora , que tem passagem pela Seleção Brasileira.
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Jogadoras treinam, em geral, duas ou três vezes por semana e em locais sem grande infraestrutura
O Rio São Paulo, por exemplo, realiza suas atividades em um campo comunitário de terra batida em Santa Cruz, o que requer desafio às atletas tanto na parte física quanto na parte financeira.
– Eu moro em Guadalupe, às vezes não temos a ajuda de custo, mas é uma oportunidade única poder disputar o Carioca com grandes times – afirmou a lateral-direita Larissa, de 18 anos, que concilia o sonho de atuar nos gramados com seus estudos.
Já a jogadora do Brasileirinho (clube que cede seu nome para o Corte Oito, equipe que disputou a Taça das Favelas), Larissa, lida com outro percalço no seu dia a dia.
– Tenho um filho de oito anos e, além do futebol, me sustento com outro emprego. Treino duas vezes por semana no Brasileirinho, é muito puxado. Muitas meninas dependem de passagem e sofremos com estrutura, assim como eu. Mas não abandonarei meu sonho no futebol – disse.
FÔLEGO PARA CONCILIAR LUTA EM CAMPO COM OUTROS TRABALHOS
O empenho para jogar futebol faz as atletas se desdobrarem dentro e fora de campo. Meia da Portuguesa, Roniere contou que tomou uma medida drástica para almejar o seu maior sonho.
- É difícil seguir no futebol com afinco, porque a gente não pode ter um trabalho de carteira assinada. Precisamos faltar alguns dias da semana para ir aos treinos. No ano passado, eu tomei a decisão de parar de trabalhar com carteira assinada justamente para voltar a jogar bola. Neste ano, infelizmente, eu estou arrumando uns "bicos" mesmo para poder ter tempo e voltar a treinar. É meio difícil - e reconheceu:
- Não posso deixar de lado o trabalho porque tenho contas para pagar. E, como sou uma das mais experientes do elenco, tenho tirado este tempinho para ir aos treinos e arrumar esta vontade a mais de não desistir deste sonho que a gente tem de jogar futebol. Quero ajudar as minhas companheiras de equipe na Portuguesa - completou.
Goleira do LGD / Karanba, Karine também encontrou uma forma de se garantir no Campeonato Carioca feminino.
- Após conversar com meu patrão sobre a disputa do Campeonato Carioca, ele me liberou duas vezes por semana. Quando há jogos na quarta-feira, consigo estar em campo graças a isto, inclusive - afirmou a jogadora de 20 anos, que trabalha em uma loja próxima ao local no qual realiza os treinos do Projeto Karanba.
Jornada dupla e até tripla marca atletas
Enquanto isto, a meia-atacante Bel se depara com "jornada tripla" para fazer parte do Rio São Paulo.
- Além dos treinos, que acontecem perto de onde eu moro, ao sair daqui eu vou direto para o trabalho e, em seguida, tenho aula na faculdade. Eu tento levar.
Diretor executivo do Campo Grande, Luiz Stellet detalhou outras batalhas que as jogadoras do clube têm quando não estão em campo.
- Nosso elenco traz frentista, atendente de lanchonete, balconista... Dedicar-se inteiramente ao futebol não é uma realidade para elas, infelizmente. A gente só conseguirá isto com investimento, com ajuda de empreendedores.
Com a experiência de quem vive agora o outro lado do Campeonato Carioca feminino, a técnica do Karanba, Natane Vicente deixa um conselho para as jogadoras.
- A competição é uma vitrine. Elas devem se dedicar ao máximo. Antes do resultado, há a oportunidade de um aprendizado. Não pode faltar vontade - afirmou a ex-jogadora, que, além do Karanba, defendeu clubes como Friburguense e Duque de Caxias.
LUTA PARA CONCILIAR TREINOS
Além da limitação no número de treinos por semana, muitos clubes lidam com problemas em relação ao elenco. Técnica do LGD/Karanba, Natane Vicente revelou como é conciliar os horários das atletas.
– Embora a gente tenha treinos seis vezes por semana, é raro que eu consiga ter o grupo todo. Algumas meninas estudam pela manhã, outras estão trabalhando à tarde. Mas nossa estrutura, embora seja simples, privilegia o estudo também - contou.
Treinador do Campo Grande, que retomou sua equipe feminina nesta temporada, Klebinho contou como motiva suas jogadoras.
– Começamos praticamente do zero, pois tinham abandonado o futebol feminino aqui no clube desde o ano de 2009. A gente sabe que elas são mães ou estão na flor da idade, que jogam futebol por prazer. Por isto, tentamos mostrar que estas meninas são capazes de fazer o máximo, que podem almejar novos sonhos – afirmou o comandante do Campusca.
Juliano Moreira, técnico do Colônia-Guapimirim, fala da rotina do time.
– A gente às treina terças e quinta-feiras em geral. Costumamos pagar as passagens das jogadoras. E quando não temos condições de arcar com os custos, o presidente da LGD (Liga Guapíense de Desportos) nos dá um suporte – declarou.
QUE DISPOSIÇÃO...
A luta para não perder o ritmo de jogo também faz parte da rotina de algumas jogadoras. Meia do Colonia-Guapimirim, Sabrina “migra” até a cidade da Baixada Fluminense para correr atrás de seu sonho dentro de campo.
– É bem cansativo, porque moro no Rio de Janeiro, onde faço faculdade, e fica longe (são 60km de viagem até a cidade localizada na Baixada Fluminense). Mas tem sido uma experiência boa disputar esta competição, uma oportunidade e tanto para que eu possa ganhar espaço no futebol – afirmou a atleta, que cursa a faculdade de Educação Física.
Jogadora do Brasileirinho, Larissa teve de dar um “jeitinho” para reforçar a equipe na partida contra o Flamengo, na sexta-feira passada (em duelo que foi vencido por 19 a 0 pelo Rubro-Negro).
– Eu trabalho como cuidadora de idosos. Tive que trocar de turno com a minha mãe, que trabalha na mesma casa que eu, para que eu pudesse estar em campo. Foi bem dolorosa a forma como a gente perdeu, mas não vamos deixar nos abater devido a este resultado. O nosso time é bastante guerreiro, pode ter certeza – disse.
CURIOSIDADES DA SEGUNDA FASE DO ESTADUAL
Contraste
Os clubes de menor investimento reconhecem a dificuldade de competir com os rivais tradicionais no Campeonato Carioca feminino. O exemplo mais citado é o Flamengo, que tem parceria com a Marinha e já aplicou um histórico 56 a 0 no Greminho.
- É um time que treina seis vezes por semana. As nossas atletas não são remuneradas para jogar, e lá no Flamengo, elas têm uma infraestrutura em torno do futebol e muita resistência física. Mas garanto que o projeto da gente é sério, está empenhado, eles mesmo reconheceram quando nos enfrentaram e foram nos cumprimentar para não desistirmos (o jogo foi vencido pela equipe rubro-negra por 10 a 0) - afirmou Luiz Stellet, diretor executivo do Campo Grande.
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Vivência
Capitã do LRDO / Seven, Dani Willemen tem uma passagem pela equipe feminina do Flamengo. A atleta detalhou:
- Foi uma experiência muito boa poder ser campeã carioca no meu time de coração, mas o meu foco é aqui no Seven”.
O Rio-São Paulo conta com jogadoras que defenderam Vasco e Fluminense.
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Acolhendo sonhos
O Karanba deu seu pontapé inicial em 2006, a partir de um projeto do ex-jogador norueguês Tommy Nilsen. Seu intuito foi criar um instituto social de futebol e educação para desenvolver crianças e jovens em vulnerabilidade escolar. A sigla LGD (referência à Liga Gonçalense de Desportos) foi uma forma da equipe disputar a competição, pois o projeto não é federado. A goleira Karine fala sobre sua luta nesta competição:
- A gente faz o possível para conciliar estudos ou trabalho com a rotina de treinos. Todo dia, nos superamos, pois o futebol feminino ainda está conquistando espaço - afirmou:
- E, especialmente em um projeto social no qual temos também dificuldades pessoais, como a questão financeira, estes obstáculos ficam ainda mais fortes.
Outas equipes também cedem usam o futebol feminino como forma de projetar jogadoras de áreas carentes. O Brasileirinho cede seu nome ao Corte Oito, comunidade de Duque de Caxias, e o Rio São Paulo abriga atletas de várias comunidades.
VIVENDO NOVO CENÁRIO
Capitã do LRDO/Seven, Dani Willemanm tem conhecimento de causa sobre o contraste que há entre as equipes no Campeonato Carioca feminino. Campeã carioca pelo Flamengo em 2015, ela é taxativa sobre as mudanças de patamar.
– Sabemos que o ideal é treinar todos os dias, mas como a realidade é outra, tentamos superar mais esta barreira. Só treinamos duas vezes por semana e isto é ruim, pois sempre vamos estar atrás da maioria, em especial na questã física – e, em seguida, vê o caminho que a equipe tem de seguir:
– Aproveitar o tempo que temos juntas para nos dedicarmos.
ROMPENDO FRONTEIRAS EM BUSCA DE SEU ESPAÇO
COM A PALAVRA
'Saí do interior do Amazonas para lutar pelo meu sonho'
ÍNDIA
Lateral do Duque de Caxias
Vai completar dois anos que eu estou no Duque de Caxias, e sei o quanto o desafio é enorme aqui. Eu vim de Tefé, no interior do Amazonas (cidade localizada a 522km de Manaus) movida pelo sonho de jogar futebol. E eu, assim como outras colegas que vieram de fora do Rio, têm se virado como podem. A gente treina, tem a estrutura no campo, mas não adianta isto se não temos dinheiro da passagem para irmos até lá.
Conto com a ajuda do meu marido, da igreja onde moro, das famílias, para me darem suporte financeiro. Além disto, estou longe da minha família desde o ano passado. Nem sequer tive condições de voltar a Tefé para rever minha filha. Ela tem oito anos e só consigo vê-la por videochamadas.
Sempre tive o sonho de jogar futebol, mas hesitava um pouco em sair de lá de Tefé. Tive o apoio da minha família para correr atrás do meu sonho e estou batalhando aqui. Já pensei em desistir, mas eles me dão forças. Mesmo nestes momentos mais complicados, mantenho a esperança de que o futebol feminino vai crescer e todas teremos condições de jogar futebol.
No Duque de Caxias, treinamos três vezes por semana só na parte da tarde, devido à rotina de trabalho e estudo de muitas colegas. A gente está com o time certinho, mas conta com poucas jogadoras no elenco, porque muitas saíram para outros times. Isto fez a gente perder um pouco da nossa qualidade.
Situações como estas tornam quase impossível fazer com que a gente bata de frente com clubes mais estruturados daqui. Mas vamos tentando, trabalhando forte.
'OPORTUNIDADE A TALENTOS ESCONDIDOS', DIZ DIRIGENTE DA FFERJ
Expandir fronteiras para que as jogadoras desfilem nos gramados é o caminho pelo qual a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FFERJ) optou nesta edição do Carioca feminino. Diretor de competições, Marcelo Vianna destacou o fato de a entidade ter dado espaço a clubes de menor investimento:
– A abertura de portas às equipes que jamais tiveram oportunidade de participar de um Campeonato Carioca já é um grande incentivo. A Federação incentiva a participação por meio de subsídios, redução de taxas quase a zero.
O dirigente disse que o objetivo inicial foi criar um parâmetro para nivelar as equipes do futebol carioca. Além disto, alertou que a partir de 2020, a competição passará por ajustes.
– Ao abrir as inscrições, a Federação recebeu a solicitação destas equipes. E, na primeira edição, viu com justiça, já que não havia um ranking, dar condições de jogo a todas elas em única divisão. A partir de agora, começamos a ter parâmetros para construir um futuro melhor. Que passa pelo profissionalismo da modalidade - e reconheceu que o desafio de melhorar as condições para o futebol feminino é um problema crônico nacional:
- Reitero, no entanto, que, por ora, a dupla jornada não é exclusiva do Rio de Janeiro. Em breve, cremos que poderá existir a dedicação exclusiva ao futebol – disse.
Vianna ainda exaltou a visibilidade que o Campeonato Carioca feminino tem proporcionado às atletas.
– A grande vitória é dar oportunidade aos talentos antes escondidos. Martas e Formigas não são criadas em laboratórios – completou.
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