Na última semana, o caso do ex-jogador Flávio Donizete, campeão Mundial com a camisa do São Paulo, que precisou superar o vício em cocaína e no auge da carreira vendeu sua medalha para manter-se no mundo das drogas, teve repercussão nos principais veículos da imprensa esportiva. Com isso, o L! entrevistou psicólogos, cientista e gestor de carreira sobre como os atletas acabam entrando neste mundo, os efeitos dessas substâncias e a importância da família no momento do tratamento.
Ao longo da história do futebol mundial, diversos jogadores tiveram envolvimento com drogas. O caso mais emblemático foi do craque Diego Armando Maradona, pego no antidoping ao usar cocaína, em 1991. De acordo com o professor e bioquímico da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), L. C. Cameron, existem diversos mecanismos de ação que geram a dependência nas pessoas em relação à cocaína.
- Existem diversos mecanismos para provocar dependência variando da molécula em questão. A cocaína, um alcaloide natural presente nas folhas da Erythroxylum coca, uma planta nativa dos Andes. Acredita-se que a cocaína diminua a recaptação dos neurônios pré-sinápticos dopaminérgicos, mantendo o neurotransmissor por mais tempo na fenda sináptica. Assim, o circuito ficaria ligado por mais tempo, causando a sensação de bem-estar - explicou o cientista.
Segundo Cameron, o tratamento do dependente químico é realizado de forma individualizada, por meio de diversos profissionais da saúde em suas múltiplas áreas. Esses médicos se unem aos amigos e à família do paciente e trabalham em conjunto na recuperação desses indivíduos.
- O tratamento é feito preferencialmente por uma abordagem de uma equipe de saúde com múltiplos profissionais e envolve apoio farmacológico e psicoterapêutico. Neste processo os profissionais de saúde se aliam ao grupo social (familiares, amigos e outros) e ao indivíduo trabalhando do problema de forma individualizada - salientou.
A Agência Mundial Antidoping (WADA) é uma organização independente, que foi criada em 1999 por uma iniciativa coletiva do Comité Olímpico Internacional com o objetivo de detectar as substâncias proibidas no esporte e lutar contra o doping. Para o professor e cientista, com vasta experiência na área, a agência está aberta a repensar as suas regras e sempre se atualizar para ser ainda mais efetiva na prevenção e no controle.
- A WADA vem perseguindo os ideais de prevenção e controle desde sua criação. Como uma agência jovem (menos de duas décadas) a WADA vem criando, avaliando, reavaliando e corrigindo seus processos. E certamente a WADA tem se mostrado aberta a repensar suas regras. A mudança no tratamento a substâncias de abuso no novo código, que vigerá a partir de 2021, é certamente um claro exemplo de feedback e reavaliação de valores - apontou o cientista, que em seguida completou.
- Acredito que cada dia há mais compreensão para a diferenciação de atletas que utilizam fármacos com objetivos de ganho de performance e os que os utilizam por motivos recreativos ou por farmacodependência. Dependência química é problema de saúde e precisa de tratamento - finalizou
Ao longo da carreira, L. C. Cameron se tornou um dos grandes nomes técnicos sobre o doping e a espectrometria de massas. Esta é uma das principais técnicas utilizadas para detectar as substâncias proibidas no esporte. Além disso, ele também foi um dos signatários do projeto do Laboratório Olímpico do Comitê Olímpico do Brasil (COB), desde 2017, até se afastar do projeto por discordâncias.
A importância da psicologia no combate ao uso das drogas no meio esportivo
Segundo o psicólogo clínico e do esporte, Cleo Holanda, atualmente no América-RJ, é importante que o staff dos clubes conheça bem o histórico de vida de seus atletas para evitar que eles ingressem na dependência química. Neste caso, são vários os fatores que levam um indivíduo a fazer uso de tais substâncias, e a família é uma das principais bases para a saúde emocional dos atletas.
- Existe uma série de fatores que pode levar um atleta as drogas, desde uma pré-disposição genética, como uma perda significativa (divórcio, perda de um familiar), um episódio estressor (uma contusão), além de outros atravessamentos emocionais (perda de títulos, contratos) por isso, é importante conhecermos a história deste atleta, porque cada um tem uma história de vida diferente - destacou o psicólogo, e em seguida completou.
- Acredito que a família é uma base de extrema importância para o atleta e sua saúde emocional, pois é no início de sua vida e no seio familiar que desenvolve as suas crenças e esquemas mentais. Essas crenças e esquemas nortearão a vida deste atleta tanto positivamente como em alguns casos negativamente, a família é um dos agentes modeladores comportamentais , por isso, se o atleta tiver uma família saudável (não quer dizer sem problemas), poderá ajudá-lo a ficar longe das drogas, assim como, recupera-lo também - assegurou.
Já a psicóloga clínica e do esporte, Camila Salustiano, com grande experiência na terapia cognitivo comportamental e de trabalho com vícios e educação emocional, destacou a importância da psicologia na área do futebol dentro do cotidiano de treinamento dos clubes. Cabe ressaltar, que esses profissionais não tratam especificamente uma patologia, mas sim ao verificarem um caso, encaminham a um médico de fora da instituição.
- O trabalho de Psicologia dentro de clubes e instituições esportivas pode trabalhar a conscientização e prevenção ao uso de drogas, auxiliar a reconhecer e identificar possíveis gatilhos, fazer avaliações completas e recorrentes, fazer aconselhamentos individuais e em grupo, pode-se também criar grupos terapêuticos sobre essa temática, envolver toda a equipe multidisciplinar nesse trabalho, a comissão técnica, e com categorias de base podemos envolver a família também nessas atividades - assegurou Camila, e em seguida completou.
- O profissional de Psicologia ajuda a pessoa a se conhecer melhor, perceber quais são seus pontos fracos, quais são seus pontos fortes, entender o seu próprio mundo emocional, a descobrir os seus fatores de proteção e de risco e, com isso, potencializar suas qualidades, seus fatores de proteção, crenças e comportamentos construtivos e saudáveis para maior bem estar e qualidade de vida, além de trazer maior conscientização desse mundo das drogas também, mostrando possíveis efeitos, consequências, prejuízos, para que a pessoa esteja melhor municiada de informações baseadas em evidência para assim fazer melhores escolhas para si mesmo - disse.
Além da psicologia do esporte, outros setores do futebol são importantes no apoio aos atletas. Com isso, o ex-jogador Ricardo Alves, agora gestor de carreira pela RM8 Gerenciamentos, comentou sobre as dificuldades dos clubes de menor expressão em dar importância a psicologia em sua equipe técnica. No entanto, ele ressaltou que atualmente, os clubes estão compreendendo melhor a necessidade desses profissionais no dia a dia dos atletas.
- Vejo os clubes pequenos evoluindo com relação a isso. Vejo América, Portuguesa, dentre outros fazendo um bom trabalho e identificando a importância do Psicólogo no Staff da equipe. Acho que ainda pode melhorar e o assunto ser melhor abordado sim. Quando eu era atleta, passei por uns 7 ou 8 clubes e só tive apoio psicológico em 1 e fazia muita falta sim, hoje entendo que em diversos momentos seria essencial para o controle emocional de algumas equipes que passei. Por isso afirmo que hoje as coisas estão evoluindo e a tendência é crescer! - apontou Ricardo.
Confira a lista de alguns jogadores de futebol que se envolveram com drogas
Diego Armando Maradona
Maior jogador da história da Argentina, o craque é um dos casos mais conhecidos de um jogador, que se envolveu com drogas. Maradona foi suspenso em 1991, quando defendia as cores do Napoli, após ser pego em um exame antidoping, com o uso de cocaína. Ele chegou a ser internado diversas vezes em clínicas de reabilitação. Em 1994, seu exame acusou o uso da substância efedrina, que busca estimular um atleta, e pôs fim à sua história nas Copas do Mundo.
Walter Casagrande
Ex-atacante do Corinthians e atual comentarista da 'Rede Globo', sofreu um grave acidente de carro em 2007, tendo sua dependência exposta para todo o Brasil. Ele foi internado em uma clínica de reabilitação e anos depois lançou um livro contando toda sua trajetória no mundo das drogas até o fim do vício e a mudança de vida.
Dinei
O ex-centroavante do Corinthians foi pego no antidoping pelo uso de cocaína em 1996, quando jogava pelo Coritiba. Na época, ele admitiu que era usuário da substância e participou de campanhas de conscientização contra o uso de drogas. Anos mais tarde, voltou ao Timão e foi bicampeão brasileiro em 1998 e 1999.
Jobson
Ao longo da carreira, o atacante já teve sérios problemas com as drogas. Quando defendia o Botafogo, em 2009, ele confessou ser usuário de crack, e sete anos depois, voltou a ser suspenso, após ter recusado a participar do exame antidoping.
Paul Gascoigne
Um dos maiores ídolos do futebol inglês, o ex-atleta, que defendeu a seleção inglesa na Copa do Mundo de 1990, Tottenham, Lazio, Newcastle, entre outros grandes clubes, teve um longo histórico de alcoolismo e uso de drogas. O ex-jogador já confessou que consumia álcool e substância ilícitas antes de ir a campo e também já foi preso por porte de drogas em 2010.
Adrian Mutu
O romeno foi uma das primeiras grandes contratações contratações do Chelsea na era Roman Abramovich. Durante sua segunda temporada com a camisa dos Blues, o atleta foi pego no exame antidoping, com o uso de cocaína. Além da suspensão, precisou pagar uma indenização de 17 milhões de euros ao clube inglês.
Cláudio Caniggia
Autor do gol que eliminou o Brasil na Copa de 90, o argentino foi flagrado em um exame antidoping em 1993, durante partida do Campeonato Italiano, quando defendia as cores da Roma, por uso de cocaína. O ex-atacante quase não disputou a Copa de 1994 em virtude da suspensão de 13 meses que recebeu na época.
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