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Ao L!, analistas explicam os possíveis impactos da nova medida provisória nas finanças dos clubes brasileiros

Após decisão do presidente Bolsonaro, o L! conversou com analista de mercado, advogados e executivo de marketing para entender os efeitos esportivos, financeiros e jurídicos da MP

Rodolfo Landim e Bolsonaro
Na quinta, o presidente Jair Bolsonaro assinou a Medida Provisória 984, que determina que a negociação dos direitos de transmissão das partidas fique com os clubes mandantes (Foto: Reprodução/Instagram)

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Em meio à pandemia e ao polêmico retorno do Campeonato Carioca, uma decisão do presidente Jair Bolsonaro gerou um grande debate sobre o futuro das transmissões futebolísticas no Brasil. Na quinta, ele decidiu elaborar uma medida provisória que determina que a negociação desse direito fique com os clubes mandantes.

Com isso, o LANCE! conversou com analista de mercado, advogados e profissional de marketing para compreender os impactos financeiros, esportivos e jurídicos dessa decisão para os clubes brasileiros, para o produto (campeonatos) e para a atual detentora dos direitos de transmissão dos campeonatos do país. 

Em primeiro lugar, cabe ressaltar que uma Medida Provisória tem efeito a partir de sua publicação no Diário Oficial da União, além de ser válida por 60 dias, podendo ser prorrogada por mais 60. Sendo assim, para que ela seja convertida em lei, necessita de uma análise e votação do Congresso Nacional (Câmara e Senado).

"A MP é positiva em sua essência, mas a forma é péssima", resume Amir Somoggi

Como os especialistas compreendem os possíveis efeitos dessa MP

De acordo com Amir Somoggi, fundador e diretor administrativo da 'Sports Value' e especialista em finanças no mundo do esporte, a MP é positiva em sua essência, porém a forma como foi conduzida pode gerar um aumento na disparidade entre os clubes grandes e os de menor poder aquisitivo e uma desestruturação do negócio.

Para Amir, é uma mudança muito radical em meio à uma pandemia, que beneficia apenas um clube e evidencia o atrito do presidente com a emissora que detém os direitos de transmissão. Além disso, o profissional concorda que as novas tecnologias vieram para ajudar, mas no futebol estão nas mãos de pessoas que não sabem utilizá-las de maneira rentável: "É uma nova realidade, uma tendência...mas os clubes não sabem monetizar rede social, como vão fazer streaming?" disse.

- A MP é positiva em sua essência, que é o clube mandante ter a capacidade de explorar seus conteúdos. Mas a forma é péssima. A tendência é uma piora na situação dos clubes com menor poder comercial e dos clubes pequenos, uma indefinição jurídica como aconteceu na época da 'Turner', o que é muito ruim para o mercado. Se um clube conseguir montar o seu streaming, ele não vai conseguir vender para um milhão de torcedores. Não é tão simples, talvez ele consiga com 15 ou 20 mil - comentou.

- O risco dessa MP não é só o aprofundamento da diferença entre os clubes grandes e pequenos, mas, principalmente, a desestruturação de um negócio. Hoje, os direitos de transmissão faturam R$2 bilhões por ano. Talvez esse mercado caia não só por conta da COVID-19, mas também se houver uma cissão ainda maior. Outra grande questão é olhar para apenas dois ou três clubes e não olhar para 100 equipes. A Premier League, por exemplo, administra para os seus 20 clubes e todos acabam participando - ressaltou Amir Sommogi, que completou:

Para Bruno Maia, executivo de marketing, "o problema não é o mandante ter o direito sobre os jogos. É preciso ter negociação em bloco"

- As novas tecnologias estão aqui para ajudar, mas até hoje eu não vi nada de concreto ser feito em termos de monetização. Mais de 75% de receita dos clubes vem de duas fontes: televisão e vendas de jogador. Tem um pouco de sócio-torcedor, de bilheteria e um pouco de patrocínio... A nova tecnologia é como se fosse um carro de fórmula 1 na mão de quem não sabe guiar- finalizou

Já para o Bruno Maia, executivo de marketing, a ideia da MP é interessante, mas não pode ser realizada de maneira desregulada. Além disso, o ex-vice-presidente de marketing do Vasco citou o exemplo da Espanha, a importância da criação de uma liga forte para não ter o risco de aumentar a diferença entre os clubes e os reflexos dessas mudanças no produto como um todo.

- O problema não é o mandante ter o direito sobre os jogos, isso funciona muito bem e é um modelo justo quando se tem um contrapeso. E o contrapeso seria a negociação em bloco. Cada um tem o seu, mas a negociação seria única. E única não significa que todo mundo ganhe igual. Na Espanha, a Liga negocia o direito de todos os clubes como uma representante em comum deles e nessa negociação Barcelona e Real ganham mais. Mas a negociação é feita de uma forma a usar a força dos grandes para valorizar o produto como um todo e distribuir receita também para os pequenos - destacou. 

Real Madrid x Barcelona
Na Espanha, Real e Barça negociam em bloco com todos os clubes (Foto: GABRIEL BOUYS / AFP)

- O que acontece é que quando você tem cada um vendendo por si em muitas janelas de transmissão de TV,  o telespectador terá que assinar de 3 a 4 pacotes. Quando isso acontece, a tendência é que o consumidor não consiga acompanhar tudo e naturalmente se desinteresse pelo campeonato como um todo. Isso aconteceu na Itália. Teve perda de resultado, de visibilidade... O produto perde força, rotatividade econômica, porque você tem uma audiência fragmentada e sem dar conta do produto como um todo - apontou.

Segundo o jurista José Carlos Cortes, do escritório Cortes e Silva, a Medida Provisória não altera os contratos que estão em vigência. Atualmente, a TV Globo detém os direitos de transmissão dos principais campeonatos do país até 2024. Segundo o advogado, a assinatura não atendeu os requisitos de relevância e urgência (Art 62 da Constituição Federal) necessários para a utilização deste instrumento.

- Todos os contratos em vigência são atos jurídicos perfeitos, e continuam produzindo seus efeitos. Hoje há duas emissoras que possuem contratos com a maioria dos clubes da Séria A que se estendem até 2024 e para esses contratos nada mudará. Mas a partir do momento que tais contratos se encerrarem haverá um enfraquecimento da principal emissora do futebol nacional, pois teremos uma maior concorrência, além da necessidade de negociação individual - explicou o advogado. 

Juventus x Milan
O futebol italiano perdeu força com o antigo modelo de transmissão (Foto: MIGUEL MEDINA / AFP)

O advogado Eduardo Carlezzo, especializado em direito esportivo, é contrário à Medida Provisória e afirmou que ela apresenta riscos significativos para o futuro do futebol brasileiro. Para o doutor, a assinatura da MP pode acarretar o aumento no abismo financeiro da modalidade no país e da disparidade entre os valores recebidos pelos clubes nos futuros contratos. 

- Esta MP representa um risco para o futebol brasileiro, pois claramente é casuística, sem qualquer urgência ou relevância, que seriam seus pressupostos constitucionais. Se aceita ela possibilitará que cada clube de futebol mandante do jogo tenha o direito de transmitir suas partidas, o que significará na prática que cada clube poderá fazer um contrato exclusivo com uma emissora, sem depender dos demais. Poderemos ter 20 emissoras diferentes transmitindo o Campeonato Brasileiro. Isso gerará aos clubes grandes super contratos, multimilionários, e os clubes médios e pequenos receberão apenas as migalhas que sobrarem, aprofundando o abismo financeiro no futebol brasileiro - explicou.

Walker e Firmino - Manchester City x Liverpool
Na Inglaterra, a Premier League é utilizada como modelo no debate (Foto: Paul Ellis / AFP)

Confira a resposta da TV Globo

- Sobre a Medida Provisória 984, que alterou a lei Pelé e determinou que os clubes mandantes dos jogos passem a ser os únicos titulares dos direitos de transmissão, a Globo vem esclarecer que a nova legislação, ainda que seja aprovada pelo Congresso Nacional, não modifica contratos já assinados, que são negócios jurídicos perfeitos, protegidos pela Constituição Federal. Por essa razão, a nova Medida Provisória não afeta as competições cujos direitos já foram cedidos pelos clubes, seja para as temporadas atuais ou futuras. A Globo continuará a transmitir regularmente os jogos dos campeonatos que adquiriu, de acordo com os contratos celebrados, e está pronta para tomar medidas legais contra qualquer tentativa de violação de seus direitos adquiridos - ressaltou em nota


Veja a posição da Confederação Brasileira de Futebol (CBF)

- A CBF não participou da elaboração da MP. A entidade é simpática à ideia de mais poder de negociação aos clubes e às entidades do futebol, assim como à ampliação do acesso dos torcedores aos jogos. Agora, no Congresso Nacional, todos os envolvidos terão a chance de participar do debate e aperfeiçoar a proposta - salientou em nota

Confira as mudanças na Lei nº 9.615/1998

Art. 1º A Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, passa a vigorar com as seguintes alterações:

"Art. 42. Pertence à entidade de prática desportiva mandante o direito de arena sobre o espetáculo desportivo, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, do espetáculo desportivo.

§ 1º Serão distribuídos, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo de que trata ocaput, cinco por cento da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais, como pagamento de natureza civil, exceto se houver disposição em contrário constante de convenção coletiva de trabalho.

§ 4º Na hipótese de eventos desportivos sem definição do mando de jogo, a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, dependerá da anuência de ambas as entidades de prática desportiva participantes." (NR)

Art. 2º Até 31 de dezembro de 2020, o período de vigência mínima do contrato de trabalho do atleta profissional, de que trata o caput do art. 30 da Lei nº 9.615, de 1998, será de trinta dias.

*Sob supervisão dos editores

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