O assunto da semana, que ofuscou até mesmo a volta do Campeonato Carioca, foi a MP do Futebol baixada pelo presidente Jair Bolsonaro, alterando principalmente as regras que disciplinam no Brasil, desde a Lei Pelé, os direitos de transmissão de partidas de futebol pela TV. As reações foram as mais diversas: gente a favor e gente contra; cartolas achando que a medida é uma carta de alforria dos clubes em relação à Globo e outros preocupados com uma concentração de recursos ainda maior para os grandes, os que têm maior torcida e audiência.
Um ponto, contudo, foi quase unânime: a impropriedade de se publicar em plena pandemia e com as atividades praticamente paralisadas, uma MP que trata de tema sem nenhum caráter de urgência – o que contraria o próprio sentido constitucional das medidas provisórias – e sem qualquer discussão prévia mesmo em se tratando de assunto altamente sensível para o futebol brasileiro. Nem a CBF nem os clubes foram ouvidos. Alguns foram totalmente surpreendidos, sequer sabiam do que se tratava. Talvez, só o Flamengo estivesse por dentro. E é muito pouco provável que a MP não tenha o dedo do presidente Rodolfo Landim, inclusive.
Não sejamos ingênuos, essa MP tem tudo a ver com Bolsonaro e Landim. E o objetivo desse novo bolsolandinismo é claro e evidente: incomodar a TV Globo. Não é de hoje que o presidente da República elegeu as empresas do Grupo Globo como um dos alvos principais - ao lado da Folha de S. Paulo, como se sabe – na sua cruzada de ataques à mídia e à liberdade de informação. Assim como o presidente do Flamengo publicamente vive às turras com a emissora carioca, resistindo em ceder os direitos de transmissão dos jogos do Carioca, por exemplo, em uma negociação longa e penosa - na qual em boa parte ele tem razão, diga-se de passagem - ainda que passe ao largo dos demais clubes do Rio. Como dizia minha avó, juntou-se a fome com a vontade de comer.
Bastidores políticos à parte, vamos aos termos da MP. Há prós e contras, efetivamente. Sob o ponto de vista do torcedor-telespectador, as vantagens são claras: pelo menos em tese, todos os jogos passam a ser transmitidos por algum canal de televisão, aberta, fechada ou por streaming. Isso, não ocorre no modelo atual em que, independentemente de quem é o mandante, um jogo só pode ser exibido se os dois clubes tiverem negociado seus direitos com a mesma emissora. Pelo sistema proposto, quem decide a transmissão é sempre o mandante que pode negociar seus direitos com uma emissora, ainda que o adversário tenha contrato com outra.
Para os clubes de maior torcida e, portanto, com maior audiência e poder de barganha – leia-se aqui, além do Flamengo de Landim, Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Vasco, num primeiro escalão – a MP de Bolsonaro não traz maiores riscos. Ao contrário, negociações individuais lhes interessam e são a certeza de que continuarão a receber as maiores cotas, além de ganhar maior exposição na TV. Alguns dirigentes dos outros clubes, os médios e pequenos, em especial, também enxergam uma possibilidade de faturar mais vendendo seus jogos em casa contra os grandes por um valor mais alto. O tiro, contudo, pode sair pela culatra.
A lógica dos pequenos só funcionaria se, enfim, tivessem a capacidade de se unir e formar uma liga ou que nome tenha essa associação, fazendo negociações coletivas de seus direitos, a luz da nova legislação, em caso da MP ser aprovada, é claro. O exemplo espanhol, onde o direito é do mandante e a regra permitia negociações individuais, é um alerta: o valor das cotas de televisão foi fator decisivo em ampliar e consolidar o abismo financeiro, e consequentemente esportivo, que separa Barcelona e Real Madrid dos demais clubes. A ponto de o governo ter decidido intervir pesadamente em 2015, determinando que a negociação de direitos passasse a ser conjunta e promovida por La Liga, numa tentativa de buscar mais equilíbrio.
Como se vê, as variáveis são muitas. A Globo – na mira do Bolsolandinismo - teve uma postura, registre-se, das mais corretas abrindo espaço para o debate e a reflexão dos diferentes pontos de vista. Apegou-se a um só ponto: o de que os direitos que já detém com a maior parte dos clubes até 2024 são inquestionáveis, uma vez que firmados pela legislação em vigor. E tem toda razão. Se a concentração dos direitos incomoda a cartolagem e faz mal ao futebol, que se lute contra ela. Mas jogando o jogo de verdade, e não no tapetão.