Gramado sintético agrava lesões? O LANCE! foi apurar com especialistas
Treinador do Grêmio reverberou queixas de ex-comandante do São Paulo sobre piso. Mas de fato ele é um vilão?
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O técnico Renato Gaúcho, do Grêmio, utilizou a entrevista coletiva após o empate sem gols com o Fortaleza, no final de semana, pelo Campeonato Brasileiro, para revelar que substituiu o meia Bitello por um motivo inusitado: o jogador ainda não está totalmente recuperado de uma contusão. O comandante tricolor vai além e diz que a situação do jogador se agravou pelo fato dele ter atuado no gramado sintético da arena do Palmeiras.
Não é uma discussão nova. O São Paulo sob o comando de Rogério Ceni, demitido no final do mês passado, sempre foi um crítico do piso sintético. Não é para menos, se tornou rotina nos clássicos contra o rival alviverde o Tricolor perder algum jogador machucado. Ou mesmo quando utilizou o lugar alugado, como aconteceu nas quartas de final do Campeonato Paulista deste ano, quando foi eliminado pelo Água Santa.
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Mas o gramado sintético é um vilão quando o assunto é ocasionar ou aprofundar lesões em jogadores? Para descobrir o LANCE! ouviu especialistas para saber se as queixas de Renato e Ceni fazem realmente sentido. E a resposta é não.
- A gente pode falar que a pessoa que está acostumada nesse tipo de piso já está acostumada com o quicar da bola, a velocidade, o piso mais duro, por isso ele se protege melhor a noção do corpo no espaço, noção de equilíbrio. Se você está jogando em um gramado que é sua casa, você está acostumado a tudo isso, questões muito específicas em relação ao piso, pode haver alguma diferença. Não vai ter um trabalho científico que vai provar essa questão - destacou Tiago Lazzaretti Fernandes, do Instituto de Ortopedia e Traumatologia da USP (Universidade de São Paulo) e que foi médico da Portuguesa entre 2008 e 2009.
De fato, estudos científicos de revistas especializadas renomadas descartam ligação entre gramado sintético e aumento de lesões. A maioria das pesquisas publicadas sobre o assunto conclui que a incidência de contusões é praticamente idêntica sobre os dois terrenos, que desta forma seriam igualmente seguros para o atleta.
- Tem duas coisas: primeiro, aquilo é obviamente em cima de um concreto. Só depois você põe o tapete e aquela borracha. Sim, é um piso mais duro, não tem jeito. Outra coisa ele escorrega menos. Se você pega a grama normal, verdinha, viva, molhada, facilita você escorregar, sua chuteira não trava. Com isso, o entendimento, o senso comum fala que para a gente que é um piso mais duro, escorrega menos, onde a chuteira pode cravar no chão e proporcionar lesões - completa Fernandes.
Por isso, para os especialistas, é ideal que haja uma ambientação adequada dos jogadores à grama sintética. E também o principal ponto pelo qual os casos de contusão não se avolumam em equipes que atuam nesse tipo de piso. No Brasileirão, Palmeiras, Athletico-PR e Botafogo usam em seus estádios. O Corinthians usa um modelo híbrido entre a borracha e o natural.
- A especificidade do piso em que você vai competir exige uma adaptação, treinamento, até para você ter um desempenho técnico melhor. Uso o tênis como exemplo, onde você tem o saibro, a grama, cada um com uma variação de velocidade da bola e exigência física diferença, de material. Por isso o tenista treina de forma específica, isso efetivamente vai ter diferença na sua performance técnica. Você tento treinado seus mecanismos da bola em casa situação, vai cansar menos, errar menos - destacou Rubens Sampaio, ex-médico do Palmeiras entre 1997 e 2017.
Mas nem tudo são flores. Segundo Karina Hatano, médica do esporte do Espaço Einstein, do Hospital Albert Einstein, é importante que quem implante o piso sintético faça uma manutenção adequada do espaço periodicamente. Senão, ele pode se tornar sim um vilão.
- O que a gente sabe é que dependendo do gramado sintético, a manutenção do campo aumenta os riscos de lesões. Tem que ver o material que está sendo usado nesse campo - disse.
Ainda de acordo Karina, estudos recentes apontariam para uma maior chance de quem atua em gramados sintéticos ter câncer, por conta do material usado na fabricação dos pisos. Mas faltam elementos comprovatórios.
RECLAMAÇÕES NO ÚLTIMO DOMINGO
- Bitello eu não costumo tirar. Ele vem tendo um problema no adutor, que estamos administrando, sente muitas dores, praticamente não treina, só joga. Fazemos tratamento manhã, tarde e noite. A gota d'água para lesão dele, como apareceram dores musculares em outros jogadores, foi a grama sintética do Palmeiras. Aumentou a dor dele - apontou Renato Gaúcho após o empate gremista no domingo.
No São Paulo, dois titulares fundamentais acabaram tendo que passar por cirurgia no duelo com o Água Santa: Galoppo e Welington.
Somente no estádio alviverde, nas últimas três visitas do São Paulo - incluindo esta com o Água Santa -, jogadores saíram machucados. E sempre a culpa recaiu sobre o mesmo aspecto: o gramado sintético, que não é comum aos atletas do Tricolor.
Ainda neste ano, no empate sem gols pela fase de grupos do Campeonato Paulista, Ferraresi e Rafinha se lesionaram. O zagueiro venezuelano foi o mais grave. O defensor sofreu uma ruptura no ligamento do joelho, precisou passar por cirurgia e não deve retornar até o final desta temporada. Ferraresi estava sendo um dos grandes destaques do elenco no começo do ano, conquistando até mesmo a titularidade na zaga com as boas atuações.
Rafinha também se machucou neste jogo. Sofreu uma entorse no tornozelo e retornou praticamente três meses depois, contra o Tigre - pela Copa Sul-Americana, quando jogou seis minutos. Ano passado, algo parecido também aconteceu com um veterano.
Em 2022, durante clássico contra o Palmeiras pelo Campeonato Brasileiro em outubro, Miranda deixou o segundo tempo na casa do rival com dores no joelho. Após exames, foi constatada uma lesão no ligamento colateral medial. Sem conseguir se recuperar antes do término do contrato, deixou o clube sem uma despedida e anunciou sua aposentadoria no início deste ano.
- É importante ter mais atenção em dias mais chuvosos, molhado, porque o campo pode ficar um pouco mais liso, com os jogadores escorregando , correndo mais risco de sofrer uma entorse no tornozelo. Na grama natural, a água é absorvida, drenada pela terra. Mas nos campos atuais, modernos, o sistema de drenagem é muito eficiente, precisa ter na estrutura um bom campo, gramado, sistema de drenagem funcional que consegue absorver a água - indica Karina.
- Treinar em pisos sintéticos é muito importante para acostumar com o amortecimento, o deslizamento e também com a velocidade da bola que é maior no gramado sintético. É importante treinar nos dois tipos de gramado, usar chuteiras próprias evitando pinos muito altos, fazer fortalecimento de musculatura na região do quadril, joelho e tornozelo - completou Paulo Facciolla Kertzman, médico ortopedista especialista em Medicina Esportiva da Santa Casa de São Paulo.
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Responsável pelo gramado da arena palmeirense, Alessandro Oliveira, presidente da Soccer Grass, rebate as acusações de Renato Gaúcho. Para ele, os testes constantes que são realizados no piso sintético do local comprovam sua funcionalidade e descartam, de imediato, qualquer relação com lesões ou agravamento das mesmas.
- Não sou eu que estou dizendo, mas os testes de laboratório da Fifa. Talvez o jogador já vinha se complicando e se jogasse em um gramado natural ou sintético se agravaria igual. Porque nós temos parâmetros de laboratório, não é achismo. O laboratório diz que o campo tem perfeita condições e tem total. Pelos testes de laboratório e experiência eu digo que não tem ligação alguma da lesão com o gramado, porque foi testado e não havia nada que desabonasse os testes. Não vejo esse tipo de risco no Allianz Parque. Eu digo que é zero.
- Talvez uma pessoa que venha com um problema de lesão... No Allianz você vai ter um futebol mais rápido, porque a bola acaba correndo mais, porque o jogador ganha muito tempo em não precisar olhar para o chão para correr, porque não tem buraco. Jogador mata a bola, corre e lança. Deixa o futebol rápido. E isso pode forçar mais o jogador, porque a bola corre mais rápido. Todos os testes foram feitos e temos aqui o certificado. As chances de alguém se lesionar no Allianz Parque, com o gramado da Soccer Grass, é zero - completou Oliveira.
E a tendência é que as reclamações aumentem. Com os estádios tendo a realização de shows como uma importante fonte de renda, os clubes tendem a adotar a grama sintética para não prejudicar o espaço de jogos. Os próprios Grêmio e São Paulo têm projetos de implantação desse tipo de piso, além de São Januário, Maracanã, Vila Belmiro, Couto Pereira, Beira-Rio, Fonte Salvador, Mané Garrincha e Castelão.
- Hoje, os parâmetros que a Fifa utiliza para usar o gramado sintético vêm da Europa, e a gente sabe que na Europa o futebol é bem mais rápido. Muitos jogadores que saem do Brasil e vão jogar na Europa passam por um preparo físico para jogar já. Quando o cara está para se aposentar lá fora precisa parar de jogar. E quando vem para o Brasil consegue jogar até uns dois anos, porque a condições dos gramados naturais no Brasil, por conta do calendário, não têm grama natural que aguenta. Sendo assim, não tendo equipamento em condição de jogo, totalmente regular, você vai ter futebol mais lento. Quando o jogador está lá fora, não está acompanhando o ritmo e não consegue jogar mais lá, ele vem para o Brasil, porque o futebol é mais lento por conta dos gramados. De fato, os testes são extraídos dos gramados naturais de fora e o que acontece lá, precisa acontecer nos gramados sintéticos daqui. O jogo fica mais rápido, não tem buraco, campo totalmente plano e isso exige mais da musculatura do jogador, porque ele tem que estar mais preparado. Mas isso não é problema do gramado, mas da condição física do jogador - concluiu o presidente responsável pela manutenção do piso palmeirense.
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