‘Wenger brasileiro’ lamenta ser exceção: ‘Aqui, demitir é cultural’
Técnico há mais tempo no mesmo clube entre as quatro divisões do futebol nacional, Cláudio Tencati completa, neste sábado, 200 jogos à frente do Londrina
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Cláudio Tencati cochilou no sofá enquanto assistia ao jogo de volta do confronto entre Atlético Nacional-COL e São Paulo, pela semifinal da Libertadores. Estava cansado. Na noite anterior, o Londrina, time treinado por ele desde abril de 2011, havia vencido o Paysandu por 2 a 1, em Belém (PA), pela Série B do Campeonato Brasileiro.
Quando acordou, sozinho no apartamento onde mora (a mulher e as filhas haviam viajado), o técnico sentiu um estranho mal-estar. Uma mistura de fadiga com aperto no peito. Foi até a cozinha tomar água. As costas e um dos braços formigavam. Preocupado, pegou o smartphone e descreveu os sintomas na ferramenta de busca do Google.
- Eram sintomas de enfarte - lembra-se o treinador, de 42 anos.
- Devia ter chamado um táxi, mas nem pensei direito: entrei no carro e dirigi por mais ou menos 1,5 km até o hospital. Fiquei muito assustado. No pronto-socorro, falei para o médico que estava enfartando.
Exames constataram que, na verdade, Tencati tivera um espasmo coronariano - artérias do coração se contraíram de forma súbita, causando diminuição no fluxo sanguíneo. Não havia doença cardíaca, tampouco obstrução arterial. Recebeu alta após dois dias de internação, mediante a promessa de voltar a se exercitar com regularidade e procurar mecanismos para reduzir o estresse. Descartou, porém, a possibilidade de se licenciar. Dez dias depois do susto, fez questão de comandar sua equipe contra o Sampaio Corrêa-MA.
Nascido na zona rural de Indianópolis, cidade de 4 mil habitantes localizada no noroeste do Paraná, Tencati está acostumado a superar adversidades. A sobreviver, também. Ele vai alcançar neste sábado, diante do Oeste, no Estádio do Café, a marca de 200 jogos à frente do LEC (Londrina Esporte Clube). Entre os técnicos empregados nas quatro divisões do futebol brasileiro, ninguém está há tanto tempo no mesmo clube - Rogério Zimmermann, que dirige o Brasil-RS desde maio de 2012, é quem mais se aproxima dele.
Os cincos anos e cinco meses de trabalho ininterrupto soam absurdos em um país onde treinadores são demitidos em série, invariavelmente sem critério. Levando em conta as Séries A e B, apenas sete profissionais estão há, pelo menos, oito meses no mesmo emprego. Dos times da Primeira Divisão, somente o Santos (ainda?) não trocou de técnico nesta temporada. Dorival Júnior pode se considerar um felizardo.
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"Na Inglaterra, o trabalho é analisado como um todo. No Brasil, infelizmente, existe a cultura do imediatismo
Tencati ri da comparação com o francês Arsène Wenger, que neste mês completou 20 anos como manager do Arsenal.
- Na Inglaterra, o trabalho é analisado como um todo. No Brasil, infelizmente, existe a cultura do imediatismo. Depois de dois, três resultados ruins, a gente já está na corda bamba, vêm os questionamentos - lamenta-se.
- Essas mudanças constantes são ruins para o clube e para a imagem do técnico brasileiro. Parece que ninguém tem competência, mas aqui demitir é cultural. Recentemente, o Inter contratou um uruguaio (Diego Aguirre), o Cruzeiro apostou num português (Paulo Bento)... e eles também foram demitidos porque a nossa maior dificuldade é a falta de paciência, de continuidade.
Tencati atribui a longevidade no emprego aos resultados conquistados. Faz sentido. Quando ele foi contratado, o Tubarão (apelido do clube fundado em 1956) assustava tanto quanto um peixinho de aquário. Estava na Segundona estadual. Não tinha nem sequer bola e uniforme para treinar. O elenco era carente em qualidade e quantidade.
O cenário, porém, transformou-se graças à parceria firmada pelo LEC com a SM Sports, do empresário Sérgio Malucelli. Jogadores que estavam no Iraty, à época também gerido pela empresa, se transferiram para o Londrina, que passou a usar a infraestrutura do centro de treinamento já instalado por Malucelli na Capital do Café.
Em seu primeiro ano no Tubarão, Tencati levou a equipe ao título na divisão de acesso. Em 2013, foi campeão do interior. Na temporada seguinte, conquistou o Campeonato Paranaense, encerrando jejum de 22 anos do time na competição, além da vaga na Série C do Brasileiro. Em 2015, ficou com o vice na Terceira Divisão. O próximo passo pode ser um lugar na elite nacional. Se vencer o Oeste, a partir das 18h30, a equipe retorna ao grupo dos quatro primeiros colocados que se classificam para a Série A.
- O Vasco, pela camisa e pela qualidade de seus jogadores, já está garantido (na Primeira Divisão). Tem uma gordura considerável. Mas as outras três vagas serão disputadas por 11 ou 12 equipes até a rodada final - prevê.
- A nossa vantagem é o entrosamento. Temos a mesma espinha dorsal da Série C do ano passado. E a maioria dos atletas esteve com gente no estadual, como o Keirrison - lembra-se, citando o centroavante, ex-Palmeiras.
Engana-se quem pensa que a trajetória de Tencati no Tubarão foi sempre um mar de rosas. Quando o clube foi eliminado nas oitavas da Série D de 2013, torcedores pediram, em coro, a saída do técnico. Queriam um nome de maior experiência. Houve quem o chamasse de “burro”. Malucelli decidiu, porém, nadar contra a maré. Bancou a permanência do treinador.
Tencati se lembrou do respaldo dado pelo patrão quando dirigentes do Coritiba lhe convidaram para substituir Pachequinho, em agosto. Apesar da tentação, recusou o convite. Semanas depois, um representante do Figueirense também escutou a resposta negativa do treinador.
- Claro que eu tenho vontade de comandar um time da Série A. É o meu desejo, me preparo para isso. Mas uma relação de confiança seria quebrada. Não poderia ir embora neste momento - diz.
- Quando o Sérgio Malucelli chegou, prometeu que o Londrina estaria na Série B em 2021, ano em que termina a parceria. Temos a chance de alcançar a Primeira Divisão em... 2016. É uma perspectiva que me motiva a seguir em frente. Só espero que o Sérgio não resolva me demitir justamente agora - brinca.
BATE-BOLA COM CLÁUDIO TENCATI, técnico do Londrina
Como você começou no futebol?
Eu tentei ser jogador. Era lateral-direito. Estive muito perto de me profissionalizar, mas as lesões não permitiram. Como meu sonho sempre foi viver do futebol, cursei educação física. Em 1997, virei preparador físico do Cianorte. Mas eu gostava mesmo era da parte técnica e tática. Fui técnico da base, depois auxiliar do profissional. Em 2006, aceitei assumir como treinador da equipe principal.
Você trabalhava no Cianorte quando o clube venceu o Corinthians por 3 a 0, pela segunda fase da Copa do Brasil de 2005. Quais lembranças tem daquele jogo?
Eu era auxiliar do Caio Júnior. Foi um jogo inesquecível. O Corinthians tinha Tevez, Carlos Alberto... Seria campeão brasileiro naquele ano. Infelizmente, não seguramos a vantagem e perdemos na volta por 5 a 1. Mas foi uma partida marcante.
Como foi o trabalho com o Caio Júnior?
Ele é um grande amigo. Inclusive, me ligou quando fui parar no hospital. Ficou preocupado. Com o Caio, eu aprendi sobre a importância de estudar o adversário, de alertar os jogadores a respeito de situações que eles podem viver em campo. Ele é muito inteligente.
Em quais técnicos você se inspira?
Não falo porque ele está agora na seleção, mas sempre fui fã de Tite, pela forma como planeja o jogo, pelo jeito de lidar com os atletas. O Vanderlei Luxemburgo é também uma referência. É um técnico estratégico, inteligente, sabe como mexer com o grupo.
O que espera da partida deste sábado contra o Oeste?
Eu acabei de mostrar o vídeo do Oeste para os meus jogadores. Falei para eles que vamos enfrentar um dos times mais difíceis de se jogar contra. O Fernando Diniz é um grande treinador. Os times que ele comanda geralmente têm o controle da partida. A colocação do Oeste (iniciou a rodada em 16º lugar, a quatro pontos da zona de rebaixamento) não condiz com o futebol da equipe.
Dança das cadeiras
Dos 40 técnicos empregados nos clubes das Séries A e B, apenas sete (em negrito) estão há pelo menos oito meses no mesmo time
Série A
Cuca (Palmeiras) - março de 2016
Zé Ricardo (Flamengo) - maio de 2016
Marcelo Oliveira (Atlético-MG) - maio de 2016
Dorival Júnior (Santos) - julho de 2015
Levir Culpi (Fluminense) - março de 2016
Paulo Autuori (Atlético-PR) - março de 2016
Fábio Carille (Corinthians) - interino
Renato Gaúcho (Grêmio) - setembro de 2016
Eduardo Baptista (Ponte Preta) - abril de 2016
Jair Ventura (Botafogo) - agosto de 2016
Caio Júnior (Chapecoense) - junho de 2016
Ricardo Gomes (São Paulo) - agosto de 2016
Oswaldo de Oliveira (Sport) - abril de 2016
Paulo César Carpegiani (Coritiba) - agosto de 2016
Argel (Vitória) - setembro de 2016
Marquinhos Santos (Figueirense) - setembro de 2016
Mano Menezes (Cruzeiro) - julho de 2016
Celso Roth (Internacional) - agosto de 2016
Doriva (Santa Cruz) - agosto de 2016
Enderson Moreira (América-MG) - julho de 2016
Técnicos da Série B
Jorginho (Vasco) - junho de 2015
Marcelo Cabo (Atlético-GO) - maio de 2016
Claudinei Oliveira (Avaí) - agosto de 2016
Claudio Tencati (Londrina) - abril de 2011
Rogério Zimmermann (Brasil) - maio de 2012
Guto Ferreira (Bahia) - junho de 2016
Roberto Cavalo (Criciúma) - outubro de 2015
Mazola Júnior (CRB) - junho de 2015
Sérgio Soares (Ceará) - abril de 2016
Givanildo Oliveira (Náutico) - setembro de 2016
Guilherme Alves (Vila Nova) - junho de 2016
Júnior Rocha (Luverdense) - fevereiro de 2015
Gilson Kleina (Goiás) - setembro de 2016
Roberto Fernandes (Paraná) - setembro de 2016
Dado Cavalcanti (Paysandu) - agosto de 2016
Fernando Diniz (Oeste) - maio de 2016
Marcelo Veiga (Bragantino) - junho de 2016
Ricardinho (Tupi) - setembro de 2016
Ramon (Joinville) - setembro de 2016
Flavio Araújo (Sampaio Corrêa) - agosto de 2016
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