A grande mudança recente nas transmissões de esportes olímpicos no Brasil aconteceu em 2012, quando a Record desbancou a Globo e transmitiu com exclusividade os jogos de Londres na TV aberta. Na época, lembro que muitos amantes do esporte questionavam onde estava sendo transmitida a competição e aqueles menos ligados até nem sabiam da existência do evento.
Era o efeito de não ter a maior rede de TV transmitindo a competição o que acabava impactando diretamente na sua divulgação. No último dia 5, teve fim em Santiago, do Chile, os Jogos Pan-Americanos 2023. Não surpreendentemente, aquela mesma indagação de 2012 voltou à tona.
Conforme trazido aqui pelo Lance! Biz, esta edição não contou com transmissão na TV, nem na aberta e nem na fechada, sendo passada apenas no Youtube no canal do Comitê Olímpico Brasileiro e na Cazé TV. Após o fim do evento, podemos afirmar sem pestanejar: a TV fez falta!
Algumas conclusões extremamente precipitadas são comuns quando a sociedade se depara com inovações tecnológicas. Quando das primeiras iniciativas de comércio eletrônico há mais ou menos duas décadas, já havia os afoitos que cravavam o fim das lojas físicas. Hoje, ambos os canais coexistem cada um direcionado ao seu público específico. Nas transmissões esportivas não foi diferente. Assim que apareceram as primeiras transmissões por streaming, lá foi a turma levar os canais de TV linear para o caixão.
➡️ O que quer o torcedor do futuro?
É fato que a indústria da mídia tem sido uma das mais transformadas pelas inovações tecnológicas recentes. A indústria do cinema, por exemplo, extinguiu um segmento por completo como foi o caso das locadoras de filmes. Toda essa demanda de consumo residencial se concentra nos aplicativos de streaming e ainda em alguns canais de TV fechada e aberta.
No caso do esporte, até é possível que daqui a 10 anos todo o consumo de transmissões em casa se dará pelos aplicativos. Não temos como cravar. Mas, hoje, a TV dita linear, aquela dos canais abertos e por assinatura, ainda desempenha um papel fundamental para difusão das competições.
Brasil conquistou medalha de ouro no futebol masculino no Pan 2023 (Foto: Javier Torres/AFP)
Assim como no comércio, existem públicos extremamente heterogêneos no consumo do esporte. A começar pela idade que impactará diretamente no tipo de aparelho que o fã irá utilizar para assistir ao evento. Enquanto gerações mais novas são adeptas de smartphones e tablets, aquelas mais experientes preferem as TVs colocadas no quarto ou na sala da sua casa.
Em segundo lugar, o poder econômico também acaba ditando este comportamento. Os torcedores menos abastados optam por canais gratuitos na TV tradicional sem a necessidade de adquirir uma smart TV e uma conexão de banda larga.
➡️ Canais de mídia necessitam ser centrais digitais para os fãs do esporte
O hábito é outro ponto muito importante a ser destacado, pois ele molda comportamentos. Artigo recente do International Journal of Sport Communication defende que o uso de redes sociais se dá preponderantemente em virtude do hábito e da rotina do que outros fatores.
No esporte, há uma camada substancial da população acostumadíssima a sentar no sofá, ligar a TV e procurar os canais por assinatura de esporte ou até mesmo zapear pelos tradicionais Globo, SBT, Band, Record, etc. Por mais que o Youtube esteja instalado nas smart TVs, mesmo os detentores deste tipo de aparelho ainda precisam se acostumar a usá-lo com mais frequência.
O Pan #Santiago2023 entregou tudo e mais um pouco! ???? ???????? Quem aí já tá com saudades? ????
— Jogos Olímpicos (@JogosOlimpicos) November 6, 2023
????: Wander Roberto, Miriam Jeske / COB pic.twitter.com/8eDhMbSwbr
Pensando neste tipo variado de consumidor, a Liga Nacional de Basquete (NBB) pulverizou seus direitos de transmissão para a temporada 2023/24 e vai estar em diversas plataformas: TV Cultura (TV aberta), ESPN e Sportv (TV fechada), TikTok, YouTube (canais NBB, Goat, Jumper) e Portal UOL (digital). Dessa maneira, a liga consegue atingir um público muito mais amplo do que se estivesse exclusivamente em um destes canais.
Essa estratégia, aliás, faz muito sentido para competições de massa como o caso do Pan, Olimpíadas e Copa do Mundo. Mais canais envolvidos ajudam não só a chegar em mais diferentes tipos de consumidor, como também a divulgar os eventos. É sabido que, quando uma rede não detém determinados direitos, o espaço dedicado para cobrir estes eventos acaba não sendo o mesmo.
Por essas razões, a transmissão em TV, seja aberta ou fechada, fez falta para o Pan 2023. Não apenas para levar a mais consumidores dos mais variados perfis de consumo, mas também para ganhar publicidade gratuita de mais canais que ajudariam na divulgação do evento.
O excelente trabalho desempenhado pela Cazé TV fez o produto chegar a milhões de pessoas pelo Youtube. Ajudou a conectar o Pan, e por consequência o esporte olímpico, a uma camada mais jovem do público. Faltou, no entanto, a complementariedade desta plataforma com outras mais tradicionais para fazer a competição alcançar uma cobertura mais completa.
Fabio Ritter é colunista do Lance! Biz (Arte Lance!)