Barrado, Andre Brasil cogita ir aos tribunais: ‘Eu não deixarei de lutar’
Nadador, com 14 medalhas paralímpicas no currículo, se diz inconformado com critérios 'subjetivos' de classificação e vê traços de amadorismo no modelo mundial de avaliações
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A polêmica das classificações funcionais no esporte paralímpico ganhou novos capítulos nos últimos meses e chegou com força ao Brasil. Andre, que leva o país no sobrenome, bem como 14 medalhas em Jogos Paralímpicos e 35 em Mundiais no currículo, foi vetado de todas as competições na última quarta-feira, após a avaliação de uma banca do Comitê Paralímpico Internacional (IPC, em inglês), que o considerou inapto ao sistema.
A justificativa, após 15 anos de carreira, é que o atleta tem força "moderada" no pé esquerdo, e não mais "mínima". Diagnosticado com paralisia infantil aos seis meses de vida, ele cresceu com má formação na perna e alega que não houve mudança no quadro desde então. E atribui a decisão de barrá-lo a uma subjetividade nos critérios de avaliação.
Sem saber se terá chances de voltar às piscinas para competir, o nadador promete lutar por respostas claras e não descarta acionar a Justiça ou a Corte Arbitral do Esporte (CAS).
Em entrevista ao LANCE!, Andre Brasil se mostrou inconformado com a decisão e garantiu que, no momento, seu foco não é mais ganhar medalhas, e sim contribuir para uma melhor imagem do movimento, que em sua visão está desgastada. Ele acredita que uma maior profissionalização do setor de avaliações, com uso da tecnologia para padronizar decisões, é o caminho.
Como foram esses dias após saber da decisão do IPC?
Estou triste, mas um pouco melhor após alguns dias. Ainda indignado com tudo o que esta acontecendo. Conversei com amigos e refleti que já que fui pioneiro tantas vezes. Talvez tenha de ser agora, mas não vou deixar de sair lutando. Conforta um pouco a sensação do apoio. Recebi contato de amigos, pessoas do esporte e fora dele, que já pararam. Foram ligações e mensagens. Como um nadador canadense, que se aposentou, Gustavo Borges, Ana Marcela Cunha, Bruno Fratus, João Gomes Jr, Etiene Medeiros, Léo de Deus, Felipe França, Nicholas Santos, de grupos de trabalho, Phelipe Rodrigues e atletas do mundo inteiro. Então, ameniza um pouco a indignação. Até mesmo porque, em maio, fará um ano da minha cirurgia no ombro esquerdo. Estou brigando com a balança. São muito mais dores do que só as de trabalho. Eu já vinha de um momento difícil e, agora, mais essa pancada, um desafio a enfrentar. Mas tudo isso mostra como foi e é bacana a minha jornada no esporte.
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Qual é a resposta que você gostaria de ter agora?
O que eu gostaria é entender o que aconteceu depois de quase 15 anos no esporte adaptado, mais outros no esporte convencional, onde eu me enquadro, se não tenho essa limitação, já que também não consigo competir em condições de igualdade no esporte olímpico. Duvidaram de mim quando entrei no paralímpico. Mas minha limitação não mudou desde então. A paralisia infantil foi atestada, minha limitação de hoje vai morrer comigo. Não houve melhora nem piora no quadro. Só tenho prejuízos, pois vou envelhecer com anos de sobrecarga pelo esforço de anos como atleta. Não terei ganhos. É muito subjetivo na minha cabeça e confuso para as pessoas explicarem. Tirarem um ponto que me tira do esporte, com uma justificativa de movimento de tornozelo. Não dá para ser amador a ponto de levar o ser humano a um numero. Vamos deixar o sistema mais objetivo, vidas estão em xeque.
A classificação no esporte paralímpico é um debate antigo. O que precisa ser aperfeiçoado nesse modelo?
Ao avaliar o movimento de tornozelo, o cara bota a mão, como um clínico geral e te quantifica quanto à força. Mas se eu tenho 25% de força nos quatro movimentos de tornozelo, isso não e considerado. No que entendo de biomecânica, não se pode isolar um movimento da análise geral de desempenho. Faço rotação interna e externa de ombro em aparelhos, por exemplo, e é averiguando o que tenho de força. Mas, dentro da água, não tenho isso. Quando o avaliador, a olho nu, fala que tenho um movimento de pé não ideal para a natação paralímpica, está falando de algo que parte também do meu quadril. Não tenho como separar minha perna do resto. Fora da água, a discrepância é imensa. Disseram que tenho um movimento minimo de pé, que não está quantificado em manual. Vejo um mal entendimento. Essas pessoas, muitas vezes, ganham maior importância do que um técnico. E definem não só a classe, mas a vida de um ser humano. São voluntários. Não é um emprego. Entendo que hoje o esporte é como uma empresa. Então, o erro já começa aí.
Acredita que esse tipo de situação abala a credibilidade do movimento paralímpico?
Perdemos a credibilidade. Tem atletas que eram de classes acima da do Daniel Dias, com tempos mais fortes, e caíram para a classe dele. Então, ele perdeu recordes mundiais. Isso inviabiliza uma referência. É muito difícil para nós ganhar e ter credibilidade. Como vou apresentar para a imprensa e um patrocinador que temos um esporte coeso e íntegro se essas incoerências acontecem? Tivemos Jogos Paralímpicos e ganhamos notoriedade. O mundo passa por transformações, e o esporte paralímpico evoluiu. O Phelipe Rodrigues, que se manteve na minha classe, é um cara que vem nadando forte. Temos uma proximidade grande de resultados. Por outro lado, eu não nado os 100m livre para 47s, como o Marcelo Chierighini, e sim para 53, 51 ou 50.
O Andrew Parsons (brasileiro, presidente do IPC) reclamou muito do modelo de classificação funcional após a Paralimpíada do Rio, quando ele ainda estava à frente do CPB. Acredita que, desde que ele assumiu o IPC, isso não melhorou?
É uma pessoa que comanda o esporte no mundo e tem pouco tempo de gestão lá fora. No Brasil, ele fez muito para chegarmos onde estamos. Mas (os critérios) está tudo tão confuso para os atletas que questiono se essa subjetividade na classificação na natação já não poderia ter sido melhorada. Precisamos de um formato mais claro, que tenha efetividade. Que possamos tatear de certa maneira. E incentivar a pesquisa. Tornar a classificação algo cientifico. A tecnologia está aí para ser usada a nosso favor.
Uma vez fora do esporte, como fica sua vida e seus patrocínios? Tem planos para o futuro?
Não sei o que vai acontecer com patrocínios. O CPB não se pronunciou ainda. Boa parte vem do incentivo público. A maioria do que era privado eu perdi após os Jogos do Rio. Um ano após sacrifícios, dor, trabalho e metas, pensando em Pan, Mundial, e tudo me foi tirado. Tiraram minha vontade de sonhar com esse lado profissional. Sofro por dentro, sinto esse peso, mas com carinho e apoio de amigos e familiares, do Brasil, alivia. Não quero agradar a todos. Mas quero justiça. Do futuro, não planejei nada ainda. É a vida e seguir, pontuar o que se feito tenho um filho de seis anis e contas a pagar.
Vai ser possível em sonhar com novas medalhas diante do episódio?
Tempos estão aí pra serem batidos. Eu não estou preocupado em ganhar. Não estou no melhor da forma e tenho consciência disso. Quero ajudar de alguma forma a esclarecer a realidade do esporte. Não pode acabar com a carreira de um atleta sem ele ter a opção de escolher. Sem ter a autonomia de me aposentar. Tenho 23 anos de carreira. Não consigo entender com tudo o que estamos vivenciando como um sistema é mutável no meio de um ciclo, pouco explicado, não com a tecnologia a seu favor. Acredito que, atualmente, podemos fazer algo mais específico e objetivo. Não me conformo, pois temos imagens subaquáticas que não são avaliadas pelas bancas. Querem comparar? Vejam os vídeos da Paralimpíada. Essa decisão apaga ainda uma história do CPB, pois tivemos nosso melhor desempenho em Londres-2012. em sétimo. Sem minhas medalhas, ficaríamos em 16º ou 17º.
O CPB fez um protesto formal ao IPC. Quais poderão ser as consequências deste ato? Se você for novamente considerado inapto, que medidas tomará?
Eu só teria chance de nova avaliação se o IPC aceitar fazê-la, em competição oficial. Mas, por mais que eu leve toda a documentação, a avaliação se dá pelo que eles observam. Eu posso levar o caso à Justiça. Temos o CAS (Corte Arbitral do Esporte), a justiça comum e outros órgãos. Muito ainda precisa ser entendido. Como toda empresa faz plano estratégico, o governo não investe recursos sem querer um retorno. Eles acreditaram no meu trabalho.
Procurado pelo LANCE!, o IPC não respondeu sobre as críticas de Andre Brasil até a publicação desta entrevista.
QUEM É ELE
Nome
André Brasil Esteves
Nascimento
23 de maio de 1984
Especialidades
Nado crawl, borboleta e costas
Trajetória
O carioca, hoje com 34 anos, foi nadador convencional na juventude, até descobrir o movimento paralímpico em 2004, inspirado por Clodoaldo Silva. Após ingressas nas competições, teve seu grau de deficiência contestado e precisou se afastar por sete meses, até que o IPC concordasse com sua entrada. Passou por classificações em 2005 e duas em 2006, e recebeu status de "permanente". Com a atualização dos critérios do IPC, no ano passado, todos os atletas passaram a ser reavaliados, independentemente de qual seja a sua deficiência.
Classe
Andre competia na classe S10. A letra "S" remete à "swimming" (nado, em inglês). Já a numeração indica que trata-se de um atleta com limitações físico-motoras. Eles são enquadrados de 1 a 10. Quanto maior o número, menor é a deficiência. A S10 reúne esportistas com a seguinte característica: "Pólio com prejuízo mínimo de membros inferiores, ou amputação dos dois pés, ou amputação simples de uma mão, ou restrição severa de uma das articulações coxofemoral".
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