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Recém-aposentada, Fabiana Murer faz balanço positivo: ‘Tenho orgulho do que consegui na carreira’

Principal nome do salto com vara feminino do Brasil, saltadora inicia curso de gestora esportiva e elogia Thiago Braz, que levou a medalha de ouro na Olimpíada Rio-2016

Fabiana Murer comemora o novo recorde sul-americano alcançado no Troféu Brasil de 2016 
imagem camera(foto:Divulgação/BMF & Bovespa)
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Lance!
São Paulo (SP)
Dia 28/11/2016
20:53
Atualizado em 29/11/2016
09:44

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Os últimos três meses estão representando uma mudança radical na rotina da paulista Fabiana Murer. Com a decisão de se aposentar do atletismo após a disputa da Olimpíada Rio-2016, a primeira brasileira a se tornar protagonista no salto com vara – prova na qual foi campeã mundial feminina em 2011, na Coreia do Sul – está curtindo uma fase menos “espartana”. As idas ao cinema com o marido e agora ex-técnico Elson Miranda estão mais frequentes, assim como diminuiu o sentimento de culpa por deixar de ir para cama às 22h, como sempre fazia durante sua carreira. Embora ainda fique de olho na balança, se dá ao luxo de curtir sem medo uma lasanha ou um mousse de chocolate, dois de seus pratos favoritos.

Mas a aposentadoria não significa que Fabiana Murer esteja despreocupada com o futuro. A ainda recordista sul-americana da prova, com 4,87 m, está empolgada com a possibilidade de permanecer ligada ao esporte, desta vez trabalhando como gestora esportiva.

– Quando eu cheguei à conclusão que deveria parar com a minha carreira este ano, ainda não tinha ideia do que fazer. Por enquanto, tenho feito um curso de fundamentos de administração esportiva e pretendo me especializar nesta área – disse Fabiana, de 35 anos, que é formada em fisioterapia, profissão que só exerceu antes de se tornar atleta de alto rendimento.

Nesta entrevista exclusiva ao LANCE!, Fabiana Murer fala sobre seus planos para a vida longe das pistas e faz um breve balanço de sua carreira. Se ela teve várias conquistas, também encarou momentos ruins em suas participações olímpicas, como o sumiço de uma de suas varas nos Jogos de Pequim-2008, o forte vento que não a deixou saltar em Londres-2012 e a hérnia de disco que atrapalhou sua performance no Rio de Janeiro. Ela também falou sobre a medalha de ouro de Thiago Braz no salto com vara masculino e diz que seu maior desafio será voltar a encontrar a mesma motivação após alcançar o principal resultado de sua carreira.

Como está sendo a vida após encerrar a sua carreira no atletismo na Rio-2016?
Olha, confesso que no começo fiquei um pouco perdida nas duas primeiras semanas. Depois da Olimpíada, a gente tinha planejado fazer algumas provas na Europa e então parar de vez no final do ano. Mas por causa da hérnia de disco, acabei cancelando. Aproveitei para tirar um período de férias e depois fui chamada pelo meu clube (BM&F), quando acertamos a minha permanência para atuar como manager institucional. Fiz algumas reuniões para poder entender como o clube funciona, porque até então eu tinha a visão do atleta. Por causa disso, resolvi fazer também um curso online de fundamentos de administração esportiva do COB (Comitê Olímpico do Brasil). Dura apenas dois meses e meio, mas servirá para me dar uma noção. O ideal é fazer um curso mais longo de gestão esportiva, que dura dois anos e meio. Quero me aprofundar mais nesta área, pois por enquanto é o que pretendo fazer.

Você se formou em fisioterapia. Já descartou seguir nesta área?
Quando decidi que iria parar em 2016, não tinha ainda a ideia do que pretenderia fazer. Estava me programando para pensar nisso apenas no ano que vem. Ainda não tinha claro comigo se tentaria seguir ou não na fisioterapia, mas como apareceu esta oportunidade oferecida pelo clube, acho que já é um direcionamento. O importante é que eu pretendo seguir no esporte, passando para outros atletas a experiência que acumulei ao longo destes anos. Estou achando muito legal. Eu me formei em fisioterapia em 2004, fiz pós-graduação em 2005 e chegava a atendes alguns pacientes de forma particular. Só que estava começando a ficar muito puxado, pois o salto com vara já estava exigindo muito do meu tempo, comecei a ser convocada para as seleções adultas e deixei a fisioterapia de lado. Adorei o curso, mas ao menos por enquanto não pretende retomá-lo.

O que mudou na sua rotina sem ter que treinar todos os dias?
Não tenho mais aquele preocupação de ir para cama cedo, como fazia. Antes, 22h30 no máximo já estava dormindo. Eu tenho treinado todos os dias, cerca de uma hora, mas apenas para manter a forma. Nunca tive problemas com peso, mas tinha uma certa neura em comer certas coisas. Agora, posso encarar uma barra de chocolate sem problemas que não fico com dor na consciência.

Já deu saudades de saltar?
Não, até porque eu continuo em recuperação da hérnia de disco cervical. Ainda sinto uma certa dor e não posso exagerar. Teria medo de saltar e voltar a piorar

Por falar na hérnia, hoje, três meses depois, você avalia que foi um risco ter competido na Olimpíada da Rio sem estar completamente recuperada?
Não, de forma alguma, não me arrependo de nada. E também é bom deixar claro que tudo foi feito de forma consciente, sabia que poderia saltar, estava amparada pelos médicos e fisioterapeutas. Não foi uma loucura. Eu tinha consciência de que meu corpo estava melhorando a cada treino. Não estava 100%, mas acreditava que na hora conseguiria encaixar um bom salto. Na hora da prova, só saltei porque estava segura. Sabia que o salto não iria piorar o meu quadro.

Como foi descobrir a lesão às vésperas da Olimpíada?
Eu estava bem, tinha acabado de bater o recorde sul-americano,o melhor resultado da minha vida (4,87 m). Disputei uma prova em Monaco e depois teria a etapa da Liga Diamante, em Londres, cinco dias depois, numa sexta-feira. No domingo, acordei com muitas dores no pescoço. Achei que fosse um torcicolo e fiz tratamento com fisioterapeuta, massagem etc, mas não melhorou muito. No dia seguinte, só consegui fazer alongamento. Achei que em Londres estaria melhor. Ao chegar lá, fui para a pista tentar saltar e nem consegui pegar na vara. Foi quando senti que havia algo errado e voltei para o Brasil para falar com o médico. A ressonância apontou então a hérnia e iniciamos um tratamento intensivo. Já estava bem melhor na época da Olimpíada, mas não o bastante para brigar pela medalha.

Você tem resultados frustrantes em Olimpíadas, sempre em situações inusitadas. A perda da vara, o caso do vento e essa lesão. E mesmo ganhando dois Mundiais, Liga Diamante, Pan-Americano, você muitas vezes foi bastante criticada por torcedores. Acha que foi injustiçada em sua carreira ?
Estou muito feliz com tudo o que consegui alcançar em minha carreira. Quando comecei, nem imaginava chegar até onde cheguei. Junto com o Elson, consegui desenvolver uma prova que pouca gente no Brasil conhecia. Acho que fizemos o salto com vara se desenvolver em alto nível e fico feliz por ter feito isso e chegar em um alto nível internacional que nunca imaginei estar. Consegui competir em igualdade de condições a algumas das melhores atletas do mundo, como a Isinbayeva [N.R: a russa Elena Isinbayeva, que também se aposentou este ano, é a atual recordista mundial, com 5,06 m].

E por que ainda assim acredita ter sido alvo de tantas críticas de torcedores após as más campanhas em Olimpíadas?
Muita gente no Brasil não sabe a dificuldade da prova. Poucas pessoas tiveram a oportunidade de saltar, arremessa um peso..Parece fácil envergar uma vara e pular, mas não é. Muita gente critica por falta de conhecimento do esporte. É uma falha da educação do Brasil. Se as pessoas tivessem oportunidade de conhecer a modalidade, certamente dariam mais valor. Quando eu comecei, achavam que eu fazia lançamento de dardo, esse era o nível de conhecimento das pessoas sobre o salto com vara no Brasil. Ao longo da minha carreira, acredito que ajudei as pessoas a entenderem a prova. Mas sempre procurei ser transparente com as pessoas, nunca fiquei inventando desculpas. O caso do vento, em Londres, simplesmente era um vento contra muito forte que me impedia de saltar. É diferente de uma corrida de 100 m rasos, quando venta para todo mundo no mesmo momento. No salto com vara, cada atleta tem uma condição diferente. Fazendo um balanço, mesmo com estas críticas acho que o saldo foi positivo, pois consegui fazer o meu papel de tentar explicar o funcionamento de uma modalidade que ninguém conhecia.

Você abandonou o atletismo, mas a modalidade tem um sucessor no Brasil, Thiago Braz, ouro nos Jogos do Rio. Como você analisa o futuro dele?
Conheço o Thiago há muitos anos, ele começou treinando comigo no meu clube. Apesar de ser novo, sempre mostrou que teria condições de alcançar um nível técnico muito alto na carreira. Depois de uma ótima carreira de juvenil, mostrou falta de constância no adulto. Participou de dois Mundiais e um Pan-Americano, sem conseguir bons resultados. Mas na prova mais importante da vida dele, conseguiu fazer um grande resultado e é isso que importa. Ele conseguiu uma medalha de ouro olímpica que o atletismo masculino do Brasil não tinha desde Joaquim Cruz. O Thiago é muito talentoso e depende apenas dele para ver até onde poderá chegar. Ele tem uma boa técnica, trabalha com um grande treinador [N.R: o ucraniano Vitaly Petrov, que treinou Serguei Bubka e Isinbayeva], mas precisará encontrar motivação depois de ter obtido um resultado tão importante como foi a medalha de ouro no Rio.

Como você viu a polêmica que ocorreu entre ele e Renaud Lavillenie, no dia da final? As vaias realmente prejudicaram o francês ou foi choro de perdedor?
Olha, acho que ele não esperava aquilo. Afinal, ele é o atual recordista mundial e não imaginava que seria vaiado antes de seu salto. O maior erro dele, ao meu ver, foi ter se acomodado quando saltou 5,98 m. Ele certamente acreditou que a prova estava ganha e relaxou. E uma coisa que a gente aprende é que só pode relaxar depois que seu rival deu o último salto. Muita gente ficou dizendo que o Thiago foi ousado, mas a verdade é que ele não tinha outra alternativa que não fosse tentar saltar 6,03 m, era sua única chance de vencer. Foi o salto do Thiago que abalou o Lavillenie e ele não conseguiu superá-lo.

Mas as vaias tiveram efeito no psicológico dele também?
Com certeza não é algo comum, isso nunca aconteceu comigo, por exemplo. Mas as pessoas precisam entender que é uma característica do torcedor do Brasil. No Pan de 2007, eu me lembro que algumas meninas também sofreram com as vaias e vinham falar comigo, meio assustadas, sobre o que estava acontecendo. Não é legal, não é normal, mas o pior para ele, pelo que fiquei sabendo, foram as vaias no pódio. Aquilo realmente o deixou abalado. É muito chato para um atleta ser vaiado, mas pode ter sido consequência das declarações dele depois da prova, criticando o público e fazendo aquela comparação infeliz com a torcida nazista na Olimpíada de Berlim.

Acha que por causa do que houve no Rio a rivalidade entre ele e o Thiago Braz irá aumentar?
Ele não é uma pessoa difícil de conviver, muito pelo contrário. Costuma brincar com outros atletas na competição e até ajuda alguns com dicas. Lembro que no Mundial indoor deste ano, depois da prova dele ficou conversando comigo antes do meu salto. Só que ele e o Thiago ainda não tinham competido este ano juntos. Antes, tinham participado de poucas provas juntos.

Como você vê o futuro do atletismo brasileiro?
Acho que o saldo do Brasil na Olimpíada até que foi muito bom, pois além do ouro do Thiago, conseguimos bons resultados em provas que não tínhamos tradição, como o Darlan Romani [NR: quinto lugar no arremesso do peso]. O que não podemos perder é o clima que a Olimpíada trouxe, para estimular que novos talentos apareçam. Precisamos saber trabalhar esta nova geração que virá nos próximos anos.

Quem é Fabiana Murer
Nome: Fabiana Murer
Data e local de nascimento: 16/3/1981, em Campinas (SP)
Prova: Salto com vara
Principais resultados: Campeã mundial 2011, em Daegu (Coreia do Sul); campeã mundial 2010 indoor (pista coberta) em Doha (Qatar); campeã da Liga Diamante 2014; medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos do Rio-2007
Em Olimpíadas: Pequim-2008 (10º lugar), Londres-2012 e Rio-2016 (eliminada na 1ª fase)

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