Dia de todos os Santos #5: 95, um capítulo à parte
O Santos de 1995 não foi campeão brasileiro por conta do imponderável, mas deixou a sua marca na história do Alvinegro
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O texto de hoje, quinto da série "Dia de todos os Santos", terminará apenas amanhã. Isso porque, para o torcedor santista, o ano de 1995 não terminou no dia 31 de dezembro daquele ano, mas, sim, paralisou-se no dia 17 de dezembro.
Quando por volta das 20h35 daquele domingo, o árbitro Márcio Rezende de Freitas anulou o gol legítimo de Camanducaia, que consagraria ao Peixe o Brasileirão, em um momento que o jogo estava 1 a 1 (os dois gols mal confirmados), tudo se apagou para o santista. E só voltou a ganhar cor por volta das 17h40 do dia 15 de dezembro de 2002, quando Robinho dava a oitava pedalada pra cima do lateral Rogério, do Corinthians, em nova final do Campeonato Brasileiro, dessa vez com desfecho feliz para o Alvinegro Praiano.
- Eu estava lá. Por alguns segundos o Santos passou na frente do marcador e surgiram vários fogos atrás do Pacaembu, que já estava programado para serem soltos se o Santos fizesse o segundo gol, mas eu, como bom santista, desconfiado, ainda fiquei esperando para ver se o gol seria validado - disse o jornalista e historiador Odir Cunha.
Em um espaço de sete anos, uma geração de torcedores santistas foi moldada da forma mais injusta e dolorida possível, para que posteriormente pudesse desfrutar a alegria do título brasileiro como ninguém.
O técnico de laboratório, Clademilson Santos, 40, tinha 16 anos naquela final. Nascera em 1979 e tinha apenas 5 anos de idade quando o Peixe venceu o Corinthians na decisão do Paulista de 1984. Suas conquistas como torcedor estavam apenas nos contos de Pelé e companhia. Para ele, a decisão de 95 foi a primeira oportunidade de desfrutar a imagem do seu time levantando uma taça, o que não se concretizou.
– Aquele ano eu posso dizer que vi o Estado de São Paulo inteiro chorar com aquela derrota. Então, foi bem puxado pra gente. Não foi pouco o que a gente, em tese, sofreu aquele ano – afirmou.
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Sem essa de “patinho feio”
Meses antes da final daquele Brasileirão, em junho, o Corinthians havia se sagrado campeão da Copa do Brasil. O arquirrival do Peixe, também havia conquistado um título nacional pela primeira vez, ao ser campeão brasileiro cinco anos antes, em 1990. O Palmeiras era atual bicampeão nacional, em 1993 e 1994. E o São Paulo vivenciara o seu maior momento da história no início daquela década, quando fora bicampeão da Libertadores e Mundial, entre 1992 e 1993. Naquele momento, era natural o rótulo de “patinho feio” ao Santos. Mas, fazendo jus ao hino, com dignidade e fervor, o Peixe mostrou em 95 que o rótulo não passava de mera intriga da oposição.
– Penso que o time de 1995 contribuiu para resgatar o orgulho e fervor pelo Santos FC. Todo torcedor sabe que o gostoso no futebol é a brincadeira saudável entre os rivais, em 95 Giovanni e companhia nos trouxe essa alegria – disse o historiador e conselheiro do Santos FC, Diego Turato.
Os anos de fila e o time montado por um questionado Cabralzinho, ex-jogador do Peixe, que havia treinado o clube, sem sucesso, em 1991, e estava há dois anos como treinador da seleção sub-20 da Arábia Saudita, dava indícios de descrédito por parte do torcedor. Quanto aos jogadores, eram uma série de pratas da casa que precisavam mostrar serviço entre os profissionais, caso, por exemplo, do goleiro Edinho, Camanducaia e Marcelo Passos, revelado pelo Peixe três anos antes e voltara de empréstimo a Paraguaçuense e uma temporada pelo Londrina. Além de um camisa dez paraense que havia passado pelos três principais clubes do seu Estado, Tuna Luso, Paysandu e Remo, e chegara ao Peixe um ano antes, vindo da Sãocarlense. Em sua chegada, Giovanni não transmitia a nação santista a imagem no qual foi rotulado no final, de ídolo.
– O próprio técnico chegou ao Santos desacreditado. Cabralzinho foi um treinador que chegou sem expressão e fez o que fez. Foi sem igual – afirmou Clademilson.
– Outro detalhe daquele time é que era formado por vários jogadores jovens: Marcelo Passos, Camanducaia, o próprio Edinho, filho do Pelé. E também de jogadores que vêm quase desconhecidos para o Santos e acabam se tornando ídolos, caso do Giovanni que chegou tarimbado e foi escolhido como melhor jogador daquele Campeonato Brasileiro – completou Odir.
O Brasileirão daquele ano foi disputado em dois grupos distintos, em uma primeira fase onde as equipes da mesma chave se enfrentavam e na segunda os times confrontavam os adversários do outro agrupamento. Após ficar na terceira colocação do seu grupo, o B, na fase inicial, que foi liderado por um Fluminense que seria eliminado de forma épica pelo Santos nas semifinais, o Alvinegro Praiano ficou na primeira colocação da segunda fase e, de quebra, marcou a melhor campanha geral, o que deu o direito da equipe depender apenas de resultados iguais no mata-mata.
O jogo de um título que nunca veio
– O jogo entre Santos e Fluminense entra na minha lista dos sete maiores jogos do Peixe que assisti – afirma o jornalista e torcedor alvinegro, Denis Simão, 56.
– Foi um grande exemplo de superação de um time que, se não tinha a qualidade técnica suficiente para superar seu adversário, colocou o "coração na ponta das chuteiras", extraindo de seus jogadores o que tinha e o que não tinha – comenta o corretor de seguros santista, Rinaldo Rodrigues, 55.
Um apagão nos últimos minutos da partida de ida contra o Fluminense, no Maracanã, pelas semifinais do Brasileirão de 1995, havia, para muitos, tirado o Peixe da decisão nacional.
E olha que o Santos saiu na frente, com Giovanni, aos 21 minutos do primeiro tempo, e foi para o vestiário com a vitória. Aquele time era acostumado a fazer muitos gols. Era o confronto do Peixe, melhor ataque da competição, até o então, contra o Tricolor Carioca, marcado por ter a melhor defesa do Brasileirão naquele momento. Poucos imaginavam que o time do Rio de Janeiro pudesse abrir a porteira como foi no segundo tempo. Mas, logo aos quatro minutos da etapa final, Renato Gaúcho empatou a partida. O lateral Ronald virou aos 24. E nos três minutos finais, o Flu marcou dois gols, com Leonardo e Cadu. Para agravar a missão no segundo jogo, o Peixe ainda teria que se virar em São Paulo sem Robert e Jamelli, expulsos, e Vágner, que recebera o terceiro cartão amarelo.
Mas, quem torce para um time chamado Santos nunca pode deixar de acreditar em milagres. E ele aconteceu. Na noite de domingo, 10 de dezembro de 1995, o Peixe precisou de 66 minutos para reverter o placar adverso. Nos 45 iniciais, quando Giovanni marcou duas vezes em um intervalo de quatro minutos, aos 25 e 29 do primeiro tempo. Nos 15 minutos de intervalo, onde todo o time permaneceu em campo, sentindo a vibração dos mais de 28 mil torcedores no Pacaembu – e olha que caberia mais, se o Tobogã não tivesse interditado por reformas. E nos seis minutos necessários no segundo tempo para que Macedo, com assistência de Giovanni, marcasse o terceiro.
– Aquele jogo contra o Fluminense, todo o time ficando em campo no intervalo, foi um dos momentos mais emocionantes do futebol. E o torcedor reconhece isso – afirma Odir Cunha.
No entanto, um minuto após o Santos marcar o terceiro gol, que dava a classificação, o Fluminense, com Rogerinho, assegurou a vantagem de volta aos cariocas. Mas, o Santos tinha um camisa dez abençoado pela majestade do Rei Pelé. Giovanni, o até então garoto paraense ressabiado, mostrou porque sempre mereceu se apropriar de tão importante numeração. Foi ele o responsável por mais duas assistências, para Camanducaia e Marcelo Passos, participando, assim, de todos os gols santistas naquela noite.
Para que a tensão seguisse até o apito final, aos 40 minutos do segundo tempo Rogerinho marcou o segundo do Fluminense, o que não foi suficiente. O Peixe, de forma épica, garantia a sua vaga na decisão do Brasileirão. Ou melhor, sagrava-se vencedor moral da competição.
Campeão moral
– O Santos é o campeão brasileiro de 1995 – afirma, de forma contundente, Denis Simão ao ser questionado se o Peixe era o vencedor moral daquele Brasileiro.
É natural e completamente compreensível ao santista a sensação de vencedor moral aquela temporada. Até porque foi uma arbitragem imoral do mineiro Márcio Rezende de Freitas que fez com o que o Alvinegro Praiano não fosse campeão absoluto aquele ano.
A forma desigual em analisar o gol impedido de Túlio, que abriu o placar no Pacaembu, e anular o gol legítimo de Camanducaia, minou os atletas do Alvinegro, tanto quanto as medidas arbitrárias desiguais que a CBF tomou durante aquele ano.
Pode-se dizer que 95 reaproximou a nação alvinegra. Religou-se aos saudosistas e trouxe de volta a troca entre gerações. De pai para filho, de avô para neto.
No momento da dor é impossível entender os motivos de tamanho sofrimento. Mas o santista, embora não compreendesse, necessitava dessa reconstrução. Juntos. Todos curtindo a fossa emocional para, então, desfrutar a chegada do presente só de glórias.
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