Dia de todos os Santos #6: Diego toca a bola, Robinho deita e rola…
Após a grande frustração em 1995, a "Geração 2002" do Peixe vence a desconfiança e presenteia a nação alvinegra com o título brasileiro
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O peso emocional de 1995 foi o anticlímax ideal para religar o torcedor do Santos em todas as partes do Brasil. Os “deuses do futebol” até tentaram enterrar as esperanças do santista com uma das piores arbitragens da história, mas o que se viu nos anos seguintes foi totalmente o contrário.
Foram seis anos de pura escuridão até o brilho nos olhos da nação alvinegra ao ver uma camisa sete que, de tão grande, flutuava no corpo de um menino franzino a levitar, ou melhor, pedalar em campo. Maior do que o uniforme em seu corpo, foram os feitos de Robinho pelo Alvinegro Praiano.
Entre o vice brasileiro e o título nacional em 2002, muito se passou. O time de 95 manteve-se no ano seguinte, mas ficou longe de postular algo importante. Se desfez em 1997. Em 1998, o Peixe conquistou a modesta Copa Conmbeol com um time que tinha nomes como Zetti, Claudiomiro, Athirson, Viola e foi comandado pelo mesmo Emerson Leão que viria chegar ao céu em sua segunda passagem, quatro anos depois. Em 1999, o vice do Rio-SP, perdendo as duas partidas da decisão contra o Vasco, mas obtendo a simbólica conquista de eliminar o Botafogo, algoz de quatro anos atrás, nas semifinais. Entre 2000 e 2001, um Santos insosso, muito embora com a chegada, aos poucos, de jogadores que fizeram parte da primeira conquista do clube no Século XXI.
– O Santos foi, em seis meses, de clube mediano que vivia do passado a protagonista do cenário e do noticiário no Brasil. Havia um processo de envelhecimento da torcida, que pela ausência de conquistas já não conseguia transmitir a paixão pelo Santos às gerações seguintes e foi justamente por uma geração de jovens jogadores que houve o rejuvenescimento da torcida, porque muitos garotos passaram a identificar-se com aqueles jogadores. O torcedor do Santos continuou a falar sobre a Era Pelé e os títulos mundiais, não mais como o fim de todas as coisas, mas como um capítulo fundamental de uma história que passava a ter continuidade – afirmou o jornalista Paulo Rogério, autor do livro “2002, de meninos a heróis”.
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Geração 2002
A melhor categoria de base do Brasil sempre foi a do Santos. Até aí é “chover no molhado”. Hoje todos sabem disso, até os rivais. Hoje. Pois, até um passado não tão distante eles não queriam saber ou recusavam-se a acreditar nisso. Era a razão dada à celebre frase do dramaturgo Nelson Rodrigues quando disse que “toda a unanimidade é burra”. Naquela altura do campeonato, a “burrice” estava em não reconhecer o óbvio: a melhor categoria de base do Brasil sempre foi a do Peixe. E nem precisava que Diego tocasse a bola para Robinho deitar e rolar e só dar Santos. A Vila Belmiro foi o berço do Rei do Futebol e revelou em seu alçapão milhares célebres do “país da bola”. E para dizer que não só o passado, mas também o presente eram de glórias, seis anos antes foi com um grupo de atletas formados em casa que o Alvinegro Praiano só não conquistou o Brasil, pois o imponderável veio a coiote de Minas Gerais.
– Eu acho que essa mística da base do Santos sempre existiu. E ela ficou mais pesada com a geração de 2002. Então, acho que foi mais a superação, no sentido de que a base do Santos foi mais valorizada pela mídia e torcedores dos outros times no momento que ele viram 2002 – afirmou o autônomo João Orlando Ferreira Júnior, 24, que viveu como ninguém aquela geração.
A “Geração 2002”, de atletas campeões brasileiros, deixou um legado de força à base que perdura até a “Geração 2002”, de jogadores nascidos aquele ano. Do elenco atual, Ivonei, Sandry e Kaio Jorge entram na lista.
O árduo caminho
A conquista santista do Brasileirão de 2002 foi repleta de nuances: incertezas, inseguranças, desafios, suor e lágrimas de todos os tipos, de dor, luta, desespero, até chegar a mais importante, a de alegria, no emblemático 15 de dezembro daquele ano.
Sem dinheiro, o técnico Emerson Leão precisou recorrer a base. O que não era problema para ele, nem para o Santos, mas, sim, aos adversários. O time daquele ano havia iniciado a sua trajetória sob o comando de Celso Roth e um embrião diferente da que encerrou a temporada com um final feliz.
No dia em que completou 90 anos, o Santos chegou a última rodada de uma disputada primeira fase do Torneio Rio-SP com remotas, mas reais chances de classificação. Precisava ganhar do vice-lanterna, Bangu, fora de casa, e contar com a derrota de pelo menos três times entre Paulista, Botafogo, São Paulo e Vasco. O Tricolor Paulista venceu. Os times do Rio de Janeiro e Jundiaí não. A vaga seria do Santos se… o time não ficasse apenas no 1 a 1 contra o Bangu. A classificação ficara, portanto, com o São Caetano, que entrou na última rodada com o mesmo número de pontos que o Peixe e venceu o seu compromisso para garantir o passaporte às semifinais.
Eliminado do Regional, o Alvinegro Praiano ficou praticamente quatro meses sem entrar em campo oficialmente. Momento perfeito para reformulação. Celso Roth foi dispensado e Leão retornou para ter papel histórico fundamental no Peixe.
– Ele (Leão) bancou o time sozinho e de alguma maneira enfrentou até o presidente Marcelo Teixeira ao dizer que não queria reforços. E passou pela vontade dos jogadores em mostrar o valor que cada um tinha – pontuou Paulo Rogério.
– Demitido da Seleção em 2001, o Leão, que não era o primeiro nome que o Marcelo Teixeira pensou, teve três meses para preparar o time que só tinha garotos. Ele conseguiu formar o time – completou o jornalista e torcedor do Santos, Guilherme Lesnok.
O desabrochar no momento exato
Se foi a superação ou a identificação de um time formado em casa que representou a conquista nacional do Santos em 2002, as opiniões são distintas. O fato é que aquela equipe, que em sua coluna dorsal tinha cinco atletas com passagens pela base (inclusive Elano, que profissionalizou-se no Guarani, mas durante um período, em 2000, esteve no sub-20 do Alvinegro), mesmo dando sopa para o azar, contou com a sorte que abandonara no Rio-SP para avançar ao mata-mata do Brasileirão, conquistando, assim, a última vaga na última rodada.
Diferentemente do Regional, dessa vez o Peixe dependia apenas de si. Era o sexto colocado e bastava vencer o São Caetano, no Anacleto Campanela, para classificar-se com sobras. Caso perdesse, Coritiba, Cruzeiro e Goiás poderiam ultrapassá-lo – embora Raposa e Esmeraldino s enfrentassem diretamente. Caso empatasse, as três equipes poderiam, no máximo, igualar a pontuação e só o Coxa teria condições de passar à frente, devido aos critérios de desempate. O Peixe, então, ficou no 2 a 2 contra o Azulão. O Cruzeiro venceu o Goiás por 2 a 0, no Mineirão, até igualou-se em pontos com o Santos, mas acabou atrás pelo saldo de gols. Restou a equipe paranaense vencer e garantir a vaga, mas ela foi goleada pelo, então lanterna, Gama, por 4 a 0. E a vaga que por pouco escapou das mãos santistas, acabou, na verdade, caindo no colo.
Era hora de desabrochar no momento certo. E o time foi bom em absorver isso. Duas vitórias nos dois jogos das quartas de final contra o São Paulo, líder geral nos pontos corridos. Vitória com propriedade, 3 a 0, na partida de ida das semifinais, contra o Grêmio, na Vila Belmiro, que fez com que a derrota por 1 a 0, na volta, nem fizesse cócegas.
Na decisão, o Corinthians. Badalado. Campeão do Rio-SP sete meses antes, diante o São Paulo, que, como descrevemos acima, fez a melhor campanha na fase regular daquele Campeonato Brasileiro. Mas, afinal, não era contra esse mesmo Corinthians que aqueles meninos já haviam jogado e vencido três vezes aquele ano?
No mesmo Regional conquistado pelos rivais, o Peixe, então treinado por Roth, venceu o Time de Parque São Jorge por 1 a 0 , na Vila Belmiro, gol de William Batoré, na terceira rodada do torneio. Após os já citados quatro meses de hiato entre o Rio-SP e o Brasileirão, próximo a retomada do Alvinegro Praiano ao futebol em 2002, Emerson Leão, acreditando em seu material humano, cometeu a insanidade mais sã da história santista: convocar um amistoso contra o Corinthians faltando duas semanas para iniciar o Nacional. Santos 3 a 1. No Campeonato Brasileiro, as duas equipes se enfrentaram na 16ª rodada, no Pacaembu, com mando corintiano, onde o Peixe chegou a estar goleando por 4 a 0, destaque para o primeiro dos dois gols de Alberto, de bicicleta. O clube paulistano ainda marcou dois gols e diminuiu o prejuízo para 2 a 4.
Eis que chegaram as finais do Brasileirão. Dois jogos no Morumbi. Mais de 132 mil pessoas, somando o público de ambas as partidas.
Durante mais da metade daqueles 180 minutos, parecia que estava tudo conspirando ao favor do título alvinegro. Na partida de ida, sem grandes sustos, o Peixe abriu o placar no início do jogo, com Alberto aos 15 do primeiro tempo, e decretou o 2 a 0 nos minutos finais, com Renato, aos 43 da etapa complementar.
No jogo de volta, tudo parecia estar sob controlepara o Alvinegro Praiano até a bola rolar. No primeiro minuto, Diego, maestro do time, o responsável por herdar a 10 de Pelé naquela geração, sente a posterior da coxa e deixa o campo praticamente sem ter entrado. Próximo ao fim do primeiro tempo, o momento mágico das oito pedaladas. Toque de Rogério em Robinho dentro da área. O garoto cai no campo. A nação santista cai em lágrimas. Pênalti convertido e vantagem ampliada. Mas, aos 11 minutos do segundo tempo as coisas passam a sair do script. Leão é expulso após reclamar de forma acintosa com o árbitro Carlos Eugênio Simón. O Corinthians, que precisava de três gols para conquistar o título, marca dois em dez minutos, 30 e 39 do segundo tempo, e coloca fogo na reta final.
Mas, não tinha jeito. Era pra ser. Mesmo se não fosse do jeito que foi, com o gol do Elano aos 43 e do Léo aos 47 do segundo tempo. Tinha que ser. Para coroar uma nação, enfim, religada, passado e presente. Após tanto tempo aprendendo a perder, era injusto para um time como o Santos desaprender a ganhar. Pois bem, se 95 ensinou ao santista a importância em nunca desistir, 2002 parafraseou um trecho que o célebre santista, Chorão, só cantaria em 2009: “o impossível é só questão de opinião”. E disso, o Santos sabe.
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