‘Cansamos de tentar mudar o São Paulo de fora para dentro’, diz Alexandre Pássaro
Em entrevista exclusiva, gerente de futebol fala de vendas, contratações, do grande déficit de 2019 e de como o clube decidiu não se deixar levar pelo mundo exterior
No time da PUC-SP, faculdade em que cursou direito, Alexandre Pássaro foi um lateral-direito que migrou para o meio de campo (familiar, não?), marcava seus golzinhos de falta e vivia intensamente a rivalidade com a USP. Há dez anos, quando dava os primeiros passos de sua vida profissional, perdia até algumas noites de sexta-feira para assistir a jogos como São Caetano x Duque de Caxias pela Série B. Atualmente, tem ocupado os momentos de lazer com a série da Netflix sobre a saga do Sunderland para voltar à elite do futebol inglês. É, como se pode notar, um apaixonado pelo futebol.
Ironicamente, um dos desafios que hoje ele se impõe como gerente-executivo do São Paulo é fechar um pouco os ouvidos para o que diz a paixão. A gestão Leco, que ganhou a fama de populista por algumas vezes atender a anseios da arquibancada em momentos de maior pressão, agora toma atitudes como a de confrontar os gritos de "burro" de uma torcida castigada por quase oito anos de fila com uma manifestação pública de apoio a Fernando Diniz.
- No começo do ano, eu e o Raí fizemos uma palestra para todos os funcionários, com o Diniz, e depois para todos os jogadores, dizendo que a gente estava um pouco cansado de tentar sempre fazer com que o São Paulo mudasse de fora para dentro. Lógico que a torcida é o maior bem que a gente tem, mas a gente tem que saber que só vai mudar essa atmosfera com bons resultados. E os bons resultados a gente vai fazer lá dentro. A gente precisa absorver cada vez menos o mundo de fora, porque isso interfere. Quando a gente pensou no vídeo, talvez tenha sido um reflexo disso.
Essa visão mais desapaixonada vale, por exemplo, para o momento de se desfazer de jogadores. Pássaro crê que seja inevitável ter atletas que não dão certo - o São Paulo tem variados exemplos nos últimos anos -, mas tenta desenvolver maneiras de minimizar o prejuízo financeiro e até convertê-lo em benefício esportivo. Recentemente, o clube conseguiu a prioridade de compra de garotos de Botafogo, Fluminense e Cruzeiro ao emprestar Diego Souza, Hudson e Everton Felipe.
- Mover esses jogadores e ter alguma coisa em troca mostra que aquele ativo, que aos olhos de muita gente parece um ativo podre, não é podre para o mercado. A gente precisa tirar um pouco da nossa paixão pelo São Paulo, da nossa paixão pelo jogo, e lembrar que aquele jogador foi contratado mediante um preço porque ele vale alguma coisa. Não é possível que depois de seis meses, um ano ou dois anos ele não valha absolutamente nada. Se a gente cair na conversa e acreditar que aquele ativo é podre, vamos fazer o que faziam: mandar para Cotia, rescindir... Isso a gente só tem feito com jogador que tenha um comportamento que mereça esse tipo de contrapartida do clube.
Claro que o ideal seria reduzir ao máximo o número de equívocos nas contratações, algo que, na visão do dirigente, o Tricolor está cada vez mais preparado para fazer.
- Infelizmente os erros em contratação sempre vão ocorrer, seja na terceira divisão ou na Premier League. A nossa tarefa, e acho que a gente evoluiu muito, é evitar esses erros ou diminuir os riscos desses erros. O São Paulo tricampeão brasileiro teve um monte de jogadores que passaram, não deram certo e saíram, mas naquele momento de conquista isso acaba sendo esquecido, diferente do nosso momento.
Na entrevista abaixo, você vai saber melhor quem é e como pensa este dirigente de 30 anos, que chegou ao São Paulo em 2015 como advogado, ainda na gestão Aidar, e tornou-se gerente-executivo em 2017, já com Leco. Com experiência de gestão no Rio Claro e no Desportivo Brasil, quando obviamente era ainda mais jovem, e com cursos na CBF, na The Football Association (Inglaterra) e em Harvard (Estados Unidos) no currículo, ele encara ao lado de Raí o desafio de despertar um gigante adormecido do futebol brasileiro.
LANCE!: O São Paulo vem de um ano em que não conquistou títulos, teve receita menor que o esperado e explodiu os gastos, principalmente para contratar jogadores. Essa é uma das causas para o enorme déficit mostrado pelo balanço de 2019. Como foi tomar a decisão de, mesmo com menos dinheiro entrando, aumentar as despesas?
Alexandre Pássaro: A grande maioria das decisões não é tomada do dia para a noite. Temos que lembrar que o balanço é o reflexo de um ano fiscal que inicia em 1º de janeiro e termina em 31 de dezembro. Embora o exercício fiscal seja um parâmetro que nunca podemos desconsiderar, existe também o balanço esportivo. A gente não cria uma equipe em 1º de janeiro para ela terminar em 31 de dezembro, a gente cria uma equipe para que ela se forme ao longo do tempo. Se a gente pegar 2015, o São Paulo tinha cerca de 25% dos jogadores formados na base. Hoje temos praticamente 50%. Por mais que você renove o contrato deles, os jogadores da base são naturalmente mais baratos do que os que estão no mercado, você não precisa comprar, então é natural que você gaste um pouco mais em jogadores do mercado. Temos um terço do nosso elenco adquirido de forma onerosa. Os outros dois terços ou vieram da base ou chegaram livres ou assinaram pré-contrato, enfim, outras modalidades de negócio. É natural que o Tchê Tchê tenha tido um alto valor, que o Pablo tenha tido um alto valor, mas nós não tivemos dez Pablos ou dez Tchê Tchês ao longo do ano. Tivemos jogadores mais caros porque a estruturação que a gente tinha feito lá atrás nos permitiu gastar mais. Não é uma regra que a gente gaste mais e, em consequência, a gente vá ganhar mais, mas é lógico que existe uma relação de que quanto melhor é o seu time, em teoria, mais chances de vencer. O que a gente planejou lá atrás é o que está acontecendo agora: lançamento de jogadores novos, para que eles completem o nosso elenco e possamos investir mais em grandes jogadores, em grandes estrelas, e ter um time bem formado, com o perfil de caráter que a gente queria e com contratos longos. Tirando três ou quatro, todos têm contratos seguros, longos, multas altas e tudo isso.
Você acha que o São Paulo falhou nas contratações de jogadores intermediários? Aqueles que não são nem os garotos da base e nem os reforços incontestáveis, como o Daniel Alves. Nomes como Everton Felipe, Tréllez, Jean, que custaram caro e não renderam muito.
Temos que lembrar que esses jogadores, pelo menos esses que você citou, não foram contratados no ano passado, foram contratados antes. Era o fôlego que o São Paulo tinha naquele momento, para contratar esse tipo de jogador. As avaliações foram feitas. Ninguém contrata para errar, muito menos a gente. As decisões são tomadas em conjunto, inclusive e principalmente com o treinador que está ali. Todos esses nomes foram discutidos e aprovados pelo treinador da época. Mas acho que a gente tem errado muito menos e trabalhado para errar cada vez menos. Isso tem a ver com maior assertividade em análises, um departamento que está melhor estruturado hoje, treinador, analista, diretor, gerente, presidente que pensam mais ou menos na mesma linha o futebol e o futuro do clube. Isso vai acontecendo com o tempo. Você contrata um jogador, assina com ele por três ou quatro anos, e é natural que eventualmente, se ele não deu certo no primeiro momento, você tenha que emprestá-lo, tenha que rescindir ou fazer uma troca. Dou aqui o exemplo do Reinaldo, que em 2013 ou 2014 parecia uma contratação horrorosa. Não para mim, porque sempre achei um bom jogador, mas para o ambiente. E hoje o Reinaldo é um jogador que todo dezembro e janeiro a gente recusa proposta, do Brasil ou de fora, porque é muito bem conceituado. Mas para isso teve que sair, jogou na Ponte, jogou na Chapecoense, jogou em mais de uma posição e foi bem também. Tudo isso são projetos de jogadores para que dentro do período de contrato dele ele possa valer para o clube. Primeiro esportivamente. Se não ocorrer o benefício esportivo, a gente vai buscar o benefício financeiro ou menor prejuízo possível.
Um dos fatores que interferem no desempenho do jogador, certamente, é a troca constante de treinadores. O São Paulo vinha trocando muito antes de decidir manter o Diniz mesmo sob pressão.
Isso é um mal do futebol, mas acho que não é um mal de um lado só. A troca dos treinadores ocorre na grande maioria das vezes por decisão do clube, mas muitas outras por decisão do treinador. Infelizmente isso virou uma constante, e quando você não tem os resultados acontece com maior frequência. Isso acontece mais aqui no Brasil, mas acontece muito lá fora. Podemos pegar o exemplo do Tottenham. O treinador (Mauricio Pochettino) tinha ficado cinco anos lá, chegou na final da Champions League em maio e foi desligado em novembro. O treinador do Arsenal (Unai Emery foi demitido em 2019 após 18 meses no cargo), enfim.. Temos que lembrar primeiro que tem a questão de relacionamento, antes da parte tática, antes da parte técnica, dos ajustes do dia a dia. Existe um relacionamento com diretoria e principalmente com jogadores que pode ser desgastado ao longo do tempo, ao passo que você precisa tomar uma decisão, seja a de trocar o treinador ou de mantê-lo. Quando troca, a gente nunca tem certeza do que vai acontecer dali para a frente, só do que aconteceu dali para trás. Com base nisso a melhor decisão daquele momento é trocar. Claro que quanto menos treinador você trocar, em teoria, melhor você está se desenvolvendo dentro de campo.
Alexandre Pássaro conta passo a passo como foi tomada a decisão de dar respaldo público a Diniz após a torcida chamá-lo de burro.
— Fellipe Lucena (@fellucena) May 15, 2020
“A gente precisava fazer algo por ele”. pic.twitter.com/5nCcldxDjD
As negociações do São Paulo, seja para saída ou chegada de atletas, têm uma espécie de assinatura sua, com alguns mecanismos que fogem do lugar comum. Ao emprestar o Hudson para o Fluminense, por exemplo, o clube ficou com a prioridade para contratar dois garotos. Tem o projeto para trazer o Daniel também, enfim... Ser criativo é algo que você se impõe?
Muito disso tem a ver com a minha base, que é o direito. O direito nada mais é do que criar soluções para problemas ou situações. É natural que a cabeça de quem está no direito, e eu sempre fui assim, pense em diferentes soluções para o mesmo problema. E pensando em soluções para o mesmo problema você acaba se educando e se treinando para fazer isso a todo momento. Além disso, sou muito inquieto e curioso de buscar o que estão fazendo por aí. Pode ser que tenha uma ou outra criação minha, mas muita coisa é copiada. A gente consegue com as viagens que a gente faz, com os seminários, com os estudos, trazer ideias. Às vezes não exatamente a mesma ideia, mas uma situação similar que você consegue aplicar naquele problema que você tem. A primeira coisa de tudo isso é sair do lugar comum. Vamos pensar um pouquinho mais adiante. Estou emprestando um jogador: e se ele for bem lá? E se ele for mal lá? E se ele tiver uma proposta no meio do caminho? E se o clube não pagar? E se ele vai jogar uma final contra o São Paulo? Pensando em tudo isso, o contrato acaba tendo um número de condições muito maior do que o padrão. Já que é dada a oportunidade de pensar no futuro, não custa nada que a gente pense. Sobre os clubes dos quais pegamos a preferência dos jogadores de base, por que isso é solicitado? Quando a gente, por algum motivo, não tem todas as condições que desejávamos, seja o outro clube pagar o salário completo, seja o valor da opção de compra, a gente tenta uma contrapartida para proteger o São Paulo. Se aquele jogador um dia tiver a oportunidade de ser transferido e a gente tiver uma preferência, a gente pode usar ou não, uma coisa que a gente não teria se não tivesse discutido. Isso vem de entender o regulamento, entender as leis. Eu tenho muito claro quais são as regras, tudo o que a gente pode ou não fazer, e a partir disso você começa a pensar no que pode negociar diferente do tradicional. Mas acho que isso é uma prática do mercado, não é uma prática minha. O Raí pensa muito nesse tipo de coisa. Eu acho que o mercado, ao passo em que está se profissionalizando, está também se deparando com situações diferentes do que se costumava fazer lá atrás.
O São Paulo é um clube vendedor, amplamente dependente dessa receita. Praticamente todos os clubes do Brasil dependem de negociações de atletas, acho que não podemos excluir nem o Flamengo disso. Esse cenário incomoda? Você acha que é possível modificá-lo?
Não só o São Paulo, mas praticamente todos os clubes brasileiros, talvez com exceção do Bragantino, têm em seus orçamentos um valor de venda de atletas. Uns mais, outros menos, mas é natural que direitos de TV e venda sejam as principais fontes de renda de todos os times. Por que o Bragantino pode ser diferente? Porque ele tem um modelo societário diferente. Você me perguntou se isso é possível de mudar no Brasil? Acho que é possível se a gente caminhar para a transformação do clube em clube-empresa. Não estou dizendo se sou a favor, se sou contra, estou dizendo que eu só vejo uma menor dependência de vendas quando isso acontecer. A gente tem que lembrar também que nosso mercado comprador é em euro ou dólar, moedas muito mais valorizadas que a nossa. Se a gente paga R$ 200 mil para um jogador por mês, o time inglês que pagar 200 mil libras está pagando seis ou sete vezes a mais, mesmo que o montante nominal seja o mesmo. Existe uma diferença de poder aquisitivo, por uma questão de economia e cenário geral, não do futebol, que a gente nunca pode esquecer. Para a gente poder pagar muitos jogadores que vêm de fora em moeda estrangeira, a gente tem que receber em moeda estrangeira, por isso o mercado aberto também. Passando para fora do Brasil, acho que pouquíssimos são os clubes que não contam com vendas de atletas. São os clubes finais: Barcelona, Real Madrid, Manchester City, Manchester United... Embora eles vendam, em teoria, não é a principal receita com a qual eles contam. Se a gente pensar nos clubes que estão um degrau abaixo, todos eles vendem jogadores. Borussia, Benfica, Lazio, Roma, Ajax... Quem você pensar no mundo vende jogador, principalmente para esses clubes. A grande diferença é que quanto maior a sua necessidade mais difícil é vender direto para o clube final.
É por não ter como fugir dessa necessidade que o São Paulo tem, por exemplo, vendido garotos que ainda nem estrearam (Tuta, Morato e provavelmente Maia? É uma saída para ganhar dinheiro sem mexer imediatamente no elenco principal?
A gente saiu do David Neres vendido (em 2017) com seis ou sete jogos para jogadores que fazem um número considerável de jogos. Os jovens têm jogado mais no São Paulo. O Antony, se não tivesse essa paralisação, ia chegar perto dos cem jogos pelo São Paulo, que é o que o Lucas Moura fez. Se a gente pegar o João Félix, vendido pelo Benfica ao Atlético de Madrid por 120 milhões de euros, se não me engano foram 30 jogos pelo Benfica. O Haaland, que hoje está no Borussia e é uma das promessas mundiais, está no quarto clube da carreira e ainda é novo, acho que tem 21 anos. Por que? Porque os clubes pelos quais ele passou tinham a característica de vender jogador. O Sevilla e o Ajax têm como conceito que os jogadores são feitos para jogar um pouquinho e sair, e não tem problema nisso, desde que fique claro para todo mundo. Não podemos ignorar que a gente precisa vender, o que não é uma exclusividade do São Paulo, mas nos últimos tempos a gente tem olhado a parte esportiva. O balanço estaria muito mais bonito se a gente tivesse vendido o Antony em dezembro. A gente preferiu deixar o balanço um pouquinho mais feio, mas que ele pudesse estar conosco até o meio do ano. No ano passado a gente teve uma proposta pelo Walce do PSV da Holanda, no mesmo valor que a gente tinha pelo Morato do Benfica. A gente tinha, naquele momento, necessidade de vender um jogador por aquele valor. Por que a gente definiu o Morato e não o Walce? Todo mundo que a gente consultou, inclusive o Jardine, treinador da Seleção, o nosso treinador, o Mancini, o Raí... Todo mundo dizia que o Walce estaria pronto muito mais rápido que o Morato. Não quer dizer que vai ser melhor ou pior, mas naquele momento foi preferível vender o Morato, por mais que ele tenha grande potencial futuro, porque a gente precisa de jogadores para ontem, o jogador precisa jogar o mais rápido possível pelo São Paulo. A gente tem, só no nosso sub-20, cerca de 25 jogadores. É impossível que todos eles estreiem, joguem e permaneçam no profissional. O nosso desafio é ter um processo de transição claro e que as decisões sejam tomadas baseadas do que a gente acredita. Quando a gente vende o Lucas Fernandes, que já tinha 40 ou 50 jogos pelo São Paulo, para o Portimonense, não necessariamente era porque a venda era a melhor do mundo. É porque a gente sabia que ele poderia voltar para o São Paulo (de empréstimo) e, por exemplo, travar o lugar do Igor Gomes, que a gente sabia que precisava de um espaço para jogar, para desenvolver. Todos os nosso processos são justificados. Se essas decisões entre Igor Gomes e Lucas Fernandes ou entre Morato e Walce vai dar certo no futuro ou não, nós vamos ver, mas o importante é tomar as decisões com bastante embasamento e convicção.
Flamengo e Palmeiras hoje são os clubes mais ricos do Brasil, cada um com sua particularidade. Pelo tamanho de suas receitas e torcidas, vejo o São Paulo e o Corinthians como clubes que poderiam estar em patamar semelhante e não estão. Por que o São Paulo não pegou o elevador junto com os dois? Ainda é possível se igualar a eles?
Se a gente for falar de riqueza, tem que analisar o todo. O Flamengo tem uma vantagem natural que é a quantidade de torcedores, que influencia em tudo: o sócio-torcedor, a venda de camisa, na base de pessoas para você vender um patrocínio, porque naturalmente você pode pedir um preço maior porque vai atingir um número maior de pessoas... Mas a gente tem que lembrar também que uma coisa é fluxo, aquele negócio momentâneo, e outra coisa é patrimônio. O São Paulo é dono do Morumbi. É um ativo do São Paulo que, sinceramente, eu não sei nem precificar. Deve ser uma coisa de 1 bilhão de dólares. Além disso, é dono de Cotia, uma área gigantesca, uma estrutura maravilhosa, top 5 dos centros de treinamento que eu já conheci no mundo. Isso também faz parte do ativo e do patrimônio do clube, mas naquele momento você não consegue monetizar isso, e a gente nem quer vender um pedacinho do Morumbi para ganhar dinheiro. Isso também nos dá gastos. Clubes que não têm um estádio como o Morumbi para cuidar não têm o gasto que a gente tem, assim como Cotia, que é a base que mais gasta no Brasil. Isso não quer dizer que a gente gasta desenfreadamente, quer dizer que a gente faz um excelente trabalho e que pela complexidade de tudo aquilo acaba sendo mais caro do que os outros clubes. Talvez por isso a gente revele tão bons jogadores lá. Sobre o patamar, acho que é muito cíclico. Um tempinho atrás talvez você estivesse perguntando para outros clubes sobre chegar ao patamar do São Paulo. Estou falando fora de campo, porque dentro de campo você pode sempre igualar, mas fora a gente tem que trabalhar para ir encurtando as distâncias e para que esse ciclo mude. O que eu vejo é o São Paulo em um patamar diferente se a gente pensar em liquidez, mas não em patrimônio. Em patrimônio acho que são pouquíssimos os clubes que chegam perto do São Paulo.
Seu trabalho no São Paulo vai até dezembro de 2020, a não ser que o próximo presidente decida mantê-lo. Seu desejo é permanecer?
A gente pensa sempre no clube antes de pensar na gente. A gente pensa muito depois de dezembro na questão dos jogadores, das finanças, dos prazos de contratos para que a pessoa que vai herdar receba um time forte, diferente do que o Leco recebeu lá atrás. Lá por 2015 ou 2016, quando começava o ano a gente precisava emprestar cerca de 25, 30 atletas que estavam ali e não iriam ser utilizados. Hoje isso se resume a cinco, seis jogadores. Isso mostra o que a gente tem feito. Sobre mim, o São Paulo é um sonho que eu agradeço todo dia por estar vivendo, uma coisa que realmente vou levar para sempre na minha vida, dure o tempo que durar. Mas realmente não penso muito em mim depois de dezembro. É difícil que você pense em sair do São Paulo, mas todos nós do futebol estamos sempre iniciando e fechando ciclos, mais longos ou mais curtos.
Por essa sua resposta, você acredita que o Leco vai deixar um São Paulo melhor do que o São Paulo que ele recebeu. É isso?
Muito melhor. Eu acho também que a pessoa que eventualmente assumir o clube vai poder tocar em pontos de forma muito mais direta do que o Leco pôde, porque alguém precisaria governar do jeito que o Leco fez, passando pelo processo de transição. Para você sair do modelo que era o São Paulo e andar para o caminho que o São Paulo está caminhando, existe um processo de transição muito custoso, acho que é isso que o Leco sofre. Eu já vi, já estive em viagens lá em 2015, com muita gente junto, muita gente no vestiário. Hoje, essas pessoas (conselheiros) ainda vão conosco, ainda estão com a gente, porque a gente não pode esquecer que essas pessoas construíram o São Paulo. O que a gente não pode é ter esse clube desse tamanho, uma responsabilidade dessa, e eventualmente o diretor de futebol ser uma pessoa que das 8h às 18h é engenheiro e depois vai para o clube ver o que aconteceu e tomar decisões. Alguns clubes ainda estão assim, mas o São Paulo não está. E quando você muda a cultura, a gente tem rupturas e desgastes gigantescos, e acho que o Leco se sacrificou e se colocou na frente para passar por isso. Acho que o próximo presidente vai passar menos por isso e vai ter mais tranquilidade. Mas o clube é muito diferente do que eu conheci e do que me relatam funcionários que estão lá há mais tempo, há 15, 20 anos, ou o próprio Márcio Araújo (ex-jogador que foi auxiliar de Telê e hoje é auxiliar de Diniz), que conheceu o São Paulo em várias épocas. Temos certeza que o São Paulo que vai ser entregue em dezembro vai ser muito melhor do que aquele de abril de 2017, quando o Leco pegou o mandato dele (após o mandato tampão pós-renúncia de Aidar).