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Diretor financeiro detalha balanço do São Paulo: ‘Não estamos endividando o clube para gestões futuras’

Elias Albarello explica números registrados no balanço do São Paulo, divulgado na semana passada, e diz que muitas empresas gostariam de estar na situação do clube

Elias Albarello - São Paulo
Elias Albarello é diretor financeiro do São Paulo desde maio de 2017 - FOTO: Acervo pessoal

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O São Paulo registrou déficit de R$ 156 milhões e praticamente dobrou a sua dívida de curto prazo com instituições financeiras em 2019, conforme mostra o balanço divulgado na semana passada, mas o diretor financeiro do clube diz que as análises mais alarmistas sobres estes números não estão corretas. De acordo com Elias Albarello, que está no cargo desde maio de 2017, a gestão Leco não está criando dívidas para os próximos presidentes.

Albarello, professor de finanças e administração no Mackenzie e fundador da ABEFF (Associação Brasileira de Executivos Financeiros do Futebol), da qual foi presidente entre junho de 2017 e fevereiro de 2020, era conselheiro vitalício do São Paulo, mas abriu mão da cadeira no último mês para continuar na diretoria até o último dia de 2020, quando Leco dará lugar ao próximo mandatário. Ele aceitou o convite do LANCE! para comentar os principais tópicos das demonstrações financeiras do Tricolor em 2019 e dar suas explicações. Veja abaixo:

- Essa história de que o São Paulo está com as finanças ruins para os próximos anos não corresponde à realidade. Não podemos olhar somente o aspecto frio, temos que olhar a estratégia.

O DÉFICIT

Elias divide o déficit de R$ 156 milhões em duas partes: o resultado operacional, fruto do que o São Paulo fez ou deixou de fazer em 2019, e o resultado não operacional. Este segundo item diz respeito a três grandes disputas judiciais que a gestão Leco decidiu encerrar por meio de acordos: com ex-jogadores que cobravam direito de arena, com a CET e com os empresários que ajudaram na contratação de Ricardinho em 2002. Esses valores todos foram parcelados e serão quitados ao longo dos anos.

- Estamos falando de algo em torno de R$ 85 milhões divididos em três grandes ações. A primeira foi decorrente do acordo judicial com a CET. Essa era uma ação contra os quatro clubes de São Paulo, referente a operações de jogos, em valor que gira em torno de R$ 25 milhões. O São Paulo fez um acordo para pagar durante quatro ou cinco anos. Uma outra bastante importante, e essa vem de 15 anos, é referente à aquisição do Ricardinho. O São Paulo pegou dinheiro emprestado de uma empresa, não honrou com o compromisso e isso vinha sendo discutido. Chegou ao montante da ordem de R$ 30 milhões. A última, também por volta de R$ 30 milhões, é com relação a direitos de arena de ex-jogadores. É uma ação que todos os clubes têm, e o São Paulo entendeu que deveria fazer essa negociação, como alguns clubes estão fazendo - explicou o diretor.

Ele cita três fatores principais para justificar o restante do déficit: valores abaixo do esperado com direitos de transmissão e bilheteria - muito em função das quedas precoces na Libertadores e na Copa do Brasil - e aumento da folha salarial em R$ 30 milhões no ano.

- Nós estamos falando de R$ 85 milhões em valores não operacionais. Se tirássemos esse valor, são cerca de R$ 70 milhões (de déficit). E aí temos que explicar o motivo. Nós tivemos alguns fatores importantes. O primeiro deles é, sem dúvida nenhuma, uma queda nos direitos de transmissão, principalmente do Campeonato Brasileiro, por conta do menor número de partidas transmitidas em relação ao previsto e de uma queda em assinaturas do pay-per-view, além das nossas desclassificações prematuras na Copa do Brasil e na Libertadores. Tivemos uma diferença da ordem de R$ 30 milhões. O segundo fator, também decorrente da desclassificação prematura, diz respeito à bilheteria. O impacto que podemos considerar sem Libertadores e sem Copa do Brasil em 2019, na bilheteria, foi da ordem de R$ 25 milhões. Então, dos R$ 70 milhões de déficit operacional temos R$ 30 milhões de transmissão e R$ 25 milhões de bilheteria, já estamos falando de R$ 55 milhões. O que também contribuiu para esse resultado foi o aumento da nossa folha. Estamos falando de uma diferença de R$ 30 milhões de 2019 para 2018, o que é algo significativo - disse.

O São Paulo recebeu R$ 110 milhões por direitos de transmissão em 2019, abaixo dos R$ 150 milhões de 2018. O valor arrecadado com o sócio-torcedor, que o clube esperava alavancar com uma boa campanha na Libertadores, quase não mudou: pulou de R$ 8,6 milhões em 2018 para R$ 9,5 milhões no ano passado. A receita com bilheteria aumentou, mas menos do que o esperado: foi de R$ 30,7 milhões para R$ 38,8 milhões. O aumento mais significativo de receitas veio em premiações: saltou de R$ 5 milhões para R$ 26 milhões, graças ao vice estadual e ao sexto lugar no Brasileiro.

POR QUE NÃO VENDER ANTONY EM DEZEMBRO?

O resultado financeiro do São Paulo em 2019 teria sido muito melhor se a venda de Antony fosse feita em dezembro - como foi fechada em janeiro, só será registrada no balanço de 2020. Elias Albarello explica por que a diretoria deixou a negociação para o início do ano, dando de ombros à chance de reduzir o déficit.

- Nós tínhamos proposta, mas não como essa que foi aceita agora, da ordem de 16 milhões de euros. Além disso, nessa negociação também veio a venda dos 20% que tínhamos do David Neres, na ordem de 7 milhões. Estamos falando de 23 milhões de euros, algo em torno de R$ 130 milhões. Por que não fizemos em dezembro? Porque entendíamos que a proposta não estava no valor de mercado. A proposta que tínhamos impactaria diretamente em termos de resultado financeiro, mas a diferença que obtivemos pelo fato de ter feito em janeiro, além da ida do jogador somente em julho, é muito mais relevante. 

O São Paulo arrecadou R$ 104 milhões com negociações de atletas em 2019, sendo que R$ 97 milhões ficaram para o clube. É menos do que os R$ 120 milhões previstos em orçamento e menos do que os R$ 150 milhões realizados em 2018. Essa diferença também ajuda a explicar o déficit.

O AUMENTO DA DÍVIDA

Um dos números que mais chamam a atenção no "passivo circulante" do balanço de 2019, ou seja, nas dívidas que precisam ser quitadas a curto prazo, é o aumento de R$ 62 milhões para R$ 127 milhões nas pendências com instituições financeiras. Empréstimos com "terceiros" pularam de R$ 10 milhões para R$ 22 milhões. Ao mesmo tempo em que deixou o clube sem boa parte das receitas esperadas, as quedas precoces na Libertadores e na Copa do Brasil motivaram a diretoria a investir em contratações de atletas caros. Para a conta fechar, foi preciso recorrer a empréstimos.

Albarello explica que os pagamentos desses novos empréstimos serão feitos até o fim de 2020, quando termina a gestão Leco, e que portanto não ficarão como herança para o próximo presidente. Por outro lado, essa manobra impediu que o clube seguisse colocando em prática o plano de amortizar antigas dívidas, algo que vinha sendo feito até o fim de 2018.

- Podemos fazer duas análises. Em uma análise especificamente financeira: não deveríamos concentrar os pagamentos desses empréstimos no ano de 2020, isso você tem que fazer em longo prazo, tem que ter período de carência, juros menores. Ao mesmo tempo, por uma determinação do Leco com a qual eu concordo plenamente, temos a responsabilidade de não deixar isso para gestões futuras. Nós concentramos a captação de recursos para pagamento em 2020, que é quando acaba a gestão. Isso obviamente impacta, mas nós temos contratos dados como garantias, como televisão e patrocínios, que suportam esse aumento de captação de recursos. Nós somos criticados por isso, por ter mantido o endividamento elevado no ano, mas isso teve uma razão. Assim como não vendemos o Antony em dezembro porque tínhamos certeza que em janeiro conseguiríamos uma proposta muito melhor, nós captamos para amortizar em 2020 porque temos contratos para isso. A principal razão é não deixar isso para gestões futuras. Dizem que estamos endividando o clube, mas isso não é verdade. Está colocado ali, nós temos contratos. O único recurso que captamos que ultrapassa o ano da gestão é o FDIC (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios) ‎que nós fizemos, da ordem de R$ 35 milhões, que foi o primeiro FDIC de futebol no país. É a inserção do futebol no mercado de capitais. Fizemos isso até 2023, com um valor da ordem de R$ 750 mil ou R$ 800 mil por mês, amparado também no contrato do pay-per-view. Isso foi muito bom. O São Paulo teve um custo muito menor do que em qualquer outra captação de recursos, além do prazo de carência que obtivemos. Isso nós levamos a aprovação e foi aprovado pelo Conselho Deliberativo.

A reportagem questionou se as receitas utilizadas para pagar estes empréstimos ao longo de 2020 não poderiam ficar para gestões futuras usarem de outra maneira. Elias respondeu:

- Esta receita não ficaria para anos futuros, mas poderia e deveria ser utilizada para amortizar financiamentos que já existiam e que ultrapassam os anos da gestão. Nós poderíamos amortizar para deixar de pagar juros e encargos financeiros. Esse é um ponto que realmente reflete. Ao mesmo tempo, você tem que manter o time. Essa captação de recursos foi necessária porque fizemos um investimento alto, contratamos quase R$ 150 milhões em jogadores. É um dos itens que cresceram: dívidas com entidades esportivas foram de R$ 40 milhões no curto prazo para R$ 90 milhões. São R$ 50 milhões por direitos econômicos dos jogadores neste ano. Isso também contribui para o endividamento. Quando você fala de um passivo circulante, que significa endividamento de curto prazo, neste ano nós estamos saindo de R$ 290 para R$ 480 milhões. Expliquei para você o aumento de R$ 80 milhões (instituições financeiras) mais R$ 50 milhões (pagamentos a clubes). Então, R$ 130 milhões deste aumento são explicados em dois itens. Isso está dentro do ano, não vai impactar para anos futuros - disse Elias, que admite já não ser possível amortizar as dívidas antigas como planejava quando assumiu a diretoria:

- A gente vai pagar, mas eu gostaria de pagar mais, de amortizar. Por exemplo: no fim de 2018, eu tinha R$ 60 milhões (de dívida) com instituições financeiras. Eu poderia pagar isso ao longo de 2019, mas não vou pagar e aumentei R$ 60 milhões. Poderia pagar com essas receitas financeiras, o que seria interessante por conta dos encargos. Poderíamos ter reduzido, sim, e era o objetivo, mas a diretoria optou por contratar jogadores e montar um time de excelência, que é o que nós temos. Foi uma decisão consciente e suportável. Se estivéssemos falando de uma empresa que fatura R$ 400 milhões, este nível de endividamento é absolutamente nada. Quiçá as empresas gostariam de ter uma estrutura desse tipo, porque é perfeitamente viável fazer uma boa gestão. Para o ano que vem, é como se retornássemos lá em 2018. Eu ouço muito essa crítica, mas tem que entender o contexto, são decisões amadurecidas e responsáveis da diretoria - comentou.

- Tem especialistas que mostram como foi a curva da nossa dívida. Tivemos uma redução significativa em 2017 e 2018 e a tendência para 2019 seria essa, mas entendemos que era necessário ter um time mais competitivo. Eu não tenho dúvida de que não precisamos fazer grandes contratações, a não ser que tenha uma perda de um jogador de ponta e faça a reposição. Mas, a princípio, esse é o plantel para este ano e não tenho dúvida da capacitação deste plantel.

IMPEACHMENT DE LECO SERIA POSSÍVEL?

Em 2019, um grupo de conselheiros de oposição protocolou um pedido de impeachment de Leco. Um dos argumentos era o estouro do orçamento em mais de 5%, algo que se concretizou com o fim do exercício fiscal - o clube previa superávit de R$ 1 milhão e ficou com déficit de R$ 156 milhões. Mas Elias crê que seja simples rebater:

- Fiz uma apresentação sobre isso em novembro. Conselheiros da oposição protocolaram isso antes mesmo do resultado do ano, então não tinha sentido. Eles poderiam fazer a partir de 1º de janeiro, e é passível de se fazer, sim, porque nosso estatuto fala em uma variação de 5% para mais ou para menos. Mas você não pode considerar esses acordos judiciais (ex-atletas, Ricardinho e CET), isso tem que ser excluído. E se nós formos para a análise operacional, nós poderíamos ter vendido o Antony em dezembro, mas temos que lembrar que naquele momento não tinha a proposta de 7 milhões de euros pelo David Neres, porque era outro clube, não entrava essa questão do Ajax. Então já estamos falando de 7 milhões a mais, além da diferença no próprio valor do Antony, que era de 2 a 3 milhões de euros. No nosso ponto de vista, esse não cumprimento entre aspas do orçamento é justificado. Tivemos um valor significativo a mais em termos de receita.

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