Se hoje está no seu time do coração e é um dos destaques na recuperação do São Paulo no Campeonato Brasileiro, Marcos Guilherme pode agradecer, também, a Andre Agassi. O meia-atacante tem 22 anos, e já sofreu com a má fase no Atlético-PR e até com falta de adaptação à Croácia, onde atuou no primeiro semestre. Mas foi lendo a biografia da lenda do tênis que ele ganhou força para lidar com maus momentos.
A lição foi aprendida na metade do ano passado. Cabisbaixo por não estar rendendo, e sentindo o peso de ser chamado pelo presidente do Atlético-PR, Mário Celso Petraglia, de "maior talento da história do clube", o jogador recebeu de presente do zagueiro Paulo André a autobiografia de Agassi, um raro caso de tenista que venceu todos os principais torneios do esporte.
- O cara é um dos maiores tenistas de todos os tempos, mas também passou por momentos difíceis. Perdeu muito para, depois, ser campeão. Levei isso para mim, que era só um momento e que logo ia passar, como passou e, graças a Deus, estou em uma fase muito boa - disse Marcos Guilherme ao LANCE!
Com esse espírito, o meia-atacante deixou para trás a rápida e frustrante passagem pelo Dínamo Zagreb, no primeiro semestre, e ser emprestado até dezembro de 2018 ao São Paulo. Ainda hoje, o meia-atacante diz ser surreal imaginar que joga pelo time 12 anos depois de acompanhar a final do Mundial enrolado na bandeira do clube, na sua cidade, em Itararé (SP), a 350 km da capital.
Nesta entrevista exclusiva, Marcos Guilherme detalha seu sentimento após 15 jogos, cinco gols e a crescente expectativa de ser campeão pelo time do coração.
Você já chegou ao São Paulo dizendo torcer pelo clube. Com certeza, era um sonho antigo jogar pelo time.
Sim. E cheguei a jogar em Cotia. Em 2007, eu estava na escolinha AABB, de Itararé, e fizemos dois amistosos lá contra o São Paulo. Perdemos de goleada, não fiz gol, mas foi bem legal pela experiência e para conhecer a estrutura. Claro que pensei: vai que tem alguém olhando e eu fico. Tinha 10, 11 anos, e vindo do interior, onde não tem nada, me impressionei com Cotia. Mas não fiquei. Da AABB, fui para o Trieste, um clube amador de Curitiba. Joguei um campeonato em 2008 e o treinador do infantil do Atlético-PR me levou para fazer um teste em 2009. Passei e fiquei.
Como é hoje a sua relação com o Atlético-PR?
Ainda tenho contrato com eles, e a relação é muito boa. Conheço muitas pessoas lá, conversei com todos no nosso último jogo contra eles. Tenho carinho mesmo, eles me ajudaram muito.
Mas, já na sua apresentação no São Paulo, você comentou que lembrava bastante daquela final do Mundial. Onde assistiu ao jogo?
Sou são-paulino por causa do meu tio, João, e sempre assistíamos aos jogos na casa de um amigo dele. Vi o jogo com eles, enrolado na bandeira do São Paulo. Depois que fomos campeões, fizemos carreata no centro da cidade para comemorar. O gol do Mineiro e a defesa do Rogério foram os lances que mais me marcaram.
E como você avisou esse seu tio que estava vindo para o São Paulo?
Nossa Senhora... Ele chorou. Nem fui eu que avisei, estava dando uma segurada para falar quando tivesse certeza. Mas saíram as notícias e ele já ficou louco. Quando assinei contrato, na Croácia ainda, ele ficou, realmente, muito emocionado. Fez muita festa, agradeceu. Ainda não deu para ele vir conhecer o CT, mas, logo, logo, vou trazê-lo para conhecer o São Paulo. Talvez para ver o último jogo, contra o Bahia, no Morumbi.
Já mandou uma camisa para ele, pelo menos?
Já. Antes de vir, troquei camisa com o Rogério Ceni uma vez e dei para ele. Ele diz que é o maior presente que já recebeu, ficou extremamente feliz. Virou relíquia. Deixou a camisa muito bem guardada, não deixa ninguém mexer.
Como foi essa troca com o Rogério? Você falou que era são-paulino?
Não falei. Quando entramos em campo, já no hino, pedi para ele me dar a camisa, para garantir. Foi em um jogo em Minas Gerais, em 2014. Não era a primeira vez que eu estava enfrentando o Rogério, mas, das outras vezes, eu tentava, só que já tinham pedido antes. O Rogério é concorrido. Mas, naquele dia, fui mais rápido. Meu tio me cobrava essa camisa dele, e eu mesmo queria.
Como era enfrentar o São Paulo pelo Atlético-PR? Mexia com você?
Não mexia, eu já estava no profissional. Fiz até gol contra o São Paulo, na Arena da Baixada, e me marcou muito porque foi contra o Rogério Ceni. Posso falar que fiz gol no meu grande ídolo.
E eu soube que você gosta de jogar vídeo game.
Gosto bastante. Tenho filho pequeno. Sempre que ele dorme ou estou nas concentrações, eu jogo. Jogo sempre com Edimar, Aderllan, Denilson... E costumo ganhar dos caras, hein? Na última vez, o Aderllan sofreu bastante. Jogamos seis partidas e ganhei as seis.
O gol contra o Santos foi um gol de vídeo game?
(Risos) É uma jogada treinada, né? Tenho essa característica de me movimentar bastante nas costas da defesa, até pela minha velocidade. Com os jogadores que temos, com qualidade para achar um passe, uma assistência, fica um pouco mais fácil fazer o movimento, porque sei que a bola vai chegar. O Hernanes deu um excelente passe e só tive o trabalho de dar um toquinho para o gol. Não é por acaso. Contra o Botafogo, fiz esse movimento, e o Cueva deu o passe. Contra o Palmeiras, também fiz, e o Pratto que deu o passe. Tenho essa característica e agora, com mais tempo no São Paulo, estamos nos conhecendo mais. A cada jogo, vamos melhorar.
Tem como marcar essa jogada?
É difícil. É uma jogada de velocidade e, às vezes, o zagueiro não está nem me vendo, como acho que o David Braz não me viu no lance. Quando viu, eu já estava na cara do gol. A preocupação é não ficar impedido. Nos treinos, o Dorival e o Lucas (Silvestre, auxiliar) têm cobrado muito isso. Às vezes, fazem a linha para todos olharem se estão impedidos. Esse é o maior problema, preciso ficar ligado. Tento sair bem de trás para ganhar na velocidade e não ter esse problema.
Fora vídeo game, você costuma ler?
Leio muita biografia. A do Andre Agassi foi a que mais gostei. Eu estava passando por um momento muito difícil no Atlético-PR, no banco, sem conseguir fazer o que sei em campo. O Paulo André me deu o livro de presente, falou que ia me ajudar bastante. Vi que o cara é um dos maiores tenistas de todos os tempos, mas também passou por momentos difíceis. Perdeu muito para, depois, ser campeão. Levei isso para mim, que era só um momento e que logo ia passar, como passou e, graças a Deus, estou em uma fase muito boa.
Qual passagem do livro mais te chamou atenção?
Quando ele fala do começo da carreira. Ele perde muitas partidas e até pensa em desistir, achando que não servia para o tênis. De tanto insistir, conseguiu seu primeiro título com 20, 21 anos. Mas, antes disso, ele teve muitas derrotas. Só que ele, mesmo cabisbaixo, triste por estar perdendo, continuou perseverando e começou sua história.
Você falou em má fase no Atlético-PR, mas você subiu bem novo. A pressão foi grande?
Foi. Subi com 17 anos, e o presidente (Mário Celso) Petraglia disse que eu era o maior talento da história do Atlético-PR. Isso me deixou um peso ainda maior, todos ficavam de olho falando: 'Quem é esse menino? Será que vai dar certo?' Comecei muito bem, tanto que fui titular com 17 anos e fui para o Sul-Americano e o Mundial sub-20. No meio do ano passado que dei uma caída, normal até pela idade. Realmente, tive uma oscilação, um momento de instabilidade, só que aquilo me fez crescer bastante. Hoje, me sinto muito mais maduro e preparado.
Foi nesse momento que o Paulo André te deu o livro do Agassi?
Sim. Ele, o Paulo Autuori e muitas pessoas experientes me ajudaram. Aprendi muito com eles e com o livro também.
Você costuma elogiar bastante o Paulo Autuori...
Aprendi muito com ele. É um treinador que foi para o Atlético para agregar todos, tanto que está lá até hoje e todos o adoram. Aqui no São Paulo, se você for perguntar dele, todos vão falar bem. É um cara que me ajudou muito e tem me ajudado até hoje. Quando eu soube do interesse do São Paulo, fui conversar com ele, saber como é o clube. Torci por ele na Libertadores e no Mundial de 2005. Foi bem legal ter, depois, a oportunidade de trabalhar com ele e ele me passar alguns conselhos. Foi bem bacana.
Como foi a decisão de ir para a Croácia?
Eu estava em negociação com o Flamengo e o Santos, onde estava o Dorival. Na minha cabeça, eu estava muito mais próximo de jogar em um desses dois clubes do que na Croácia. Só que, um pouquinho antes de fechar a janela internacional, apareceu o Dínamo Zagreb, ofereceram um valor bom para o Atlético-PR, e o presidente Petraglia achou melhor eu ter essa experiência na Europa do que ir para outro clube do Brasil.
E como foi viver lá?
É muito frio. Cheguei no inverno ainda, e foi difícil até pela língua, bem complicado, além da adaptação ao futebol. Passei um momento difícil lá, inclusive com comida. Logo que cheguei, no primeiro dia, fui jantar com os diretores e o presidente do clube. Colocaram uma comida que nunca vi na vida, e como é que vou falar não?! Tive que comer, não gostei muito, foi complicado engolir. Não tenho nem ideia do que era, se era peixe... Mas nem falei nada, disse que estava ótimo. Levo pelo lado bom, cresci e aprendi muito com essa experiência.
Depois de passar por isso, como é viver esse recomeço na carreira no São Paulo, exatamente o seu clube do coração?
É até engraçado. Às vezes, estou aqui no clube e paro para pensar: caramba, olha onde estou. Dias atrás, eu estava na minha cidade, torcendo pelo São Paulo, e agora estou aqui, com grandes jogadores, já consagrados, e eu no meu início de carreira. É surreal. Estou extremamente feliz e empolgado, dá para ver no campo o tanto que me dedico porque, realmente, é uma oportunidade de ouro na minha vida.
Você está emprestado até dezembro de 2018. Já pensa em renovar?
É a minha vontade, sem dúvida. É o meu grande sonho. Mas é passo a passo. Primeiramente, estou pensando em tirar o São Paulo dessa situação, dar o meu melhor, mas o meu sonho é renovar com o São Paulo. Quero permanecer aqui por muito tempo.
Como é sua relação com o Dorival? Ele já queria te levar para o Santos.
Eu sabia pelos empresários e por outras pessoas que ele queria contar comigo. Infelizmente, nas outras situações, não deu certo, o Atlético-PR não liberava. Hoje, graças a Deus, conseguimos esse encontro. É bem melhor para mim saber que ele gosta do meu futebol, é um fator a mais para entrar em campo e demonstrar o motivo de ele me querer.
O Hernanes confessou que já se pegou fazendo conta para ver se dá para ser campeão brasileiro. Você já fez essa conta?
Sinceramente, para ser campeão, não. A gente imagina, pensa, mas para ser campeão é um pouquinho difícil, está longe. Por enquanto, nosso campeonato ainda é sair dessa zona difícil.
Todos os jogadores estão falando nessa meta dos 47 pontos. O Hernanes que fez essa cobrança depois do jogo contra o Fluminense?
Não só ele, mas todos nos cobramos muito, porque foi um jogo muito abaixo da expectativa. Infelizmente, nosso campeonato é para sair dessa zona incômoda. Se sairmos o quanto antes, poderemos pensar em algo além disso. É difícil se controlar. Querendo ou não, quando ganhamos um jogo, já damos uma olhadinha na tabela para ver se estamos perto da Libertadores. Inconscientemente, pensamos nisso. Mas sabemos que o primeiro e maior objetivo é sair dessa zona incômoda.
Aquele jogo contra o Fluminense parece ter sido um marco, já que o time jogou muito abaixo das outras partidas.
Entramos muito desconcentrados na partida, esse foi o maior problema, e custou muito caro. Ficamos muitos chateados, nos cobramos muito. Tanto que depois, contra Flamengo e Santos, demos a resposta. É difícil dizer que uma derrota faz bem, mas, pensando bem, fez, porque não dá para jogar como jogamos. Que sirva de lição para não repetirmos.
Imagino que passe pela sua cabeça a meta de ser campeão logo pelo time do coração.
Sem dúvida. A gente entra ali nos quartos, no alojamento, e tem as fotos de todos os campeões da história. Eu me imagino, sonho em, um dia, estar a nossa foto na parede para ficar na história.
Nesses pôsteres, aparecem Hernanes e Lugano, hoje seus companheiros.
E torci bastante por eles. Vi muito do Hernanes na época em que o São Paulo ganhou os Brasileiros e o Lugano, na Libertadores. Acompanhei muito o futebol deles, e hoje vejo que são verdadeiros líderes, dentro e fora de campo. Quando veem alguma coisinha que pode estar errada, já consertam. Se te veem cabisbaixo, chegam para conversar, passam a experiência deles. São extremamente respeitados pelo grupo porque fazem por merece.
Como está a cabeça para este jogo contra o Atlético-GO, no sábado?
Temos conversado bastante para manter a concentração e fazer um grande jogo. Demos uma distanciada da zona de rebaixamento e a ideia é se distanciar ainda mais. É um jogo importantíssimo. Todos estão achando que vai ser um jogo fácil, mas pode ter certeza que não vai ser.