A Copa do Mundo vem chegando e os boleiros de ocasião – aqueles que só de quatro em quatro anos olham para as coisas do futebol – começam a prestar atenção na Seleção que vai à Rússia. E se espantam. A curiosidade aflora ao descobrirem nomes e personagens dos quais jamais tinham ouvido falar.
- Roberto Firmino? Mas quem é este cara? Não parece nome de cantor sertanejo?
- Quem é esse Fred? Ele está diferente... Não é aquele que jogava no Fluminense?
- E este Taison? Nossa, o cara tem nome de super-herói da Marvel, muito mais do que de jogador de futebol.
A lista dos desconhecidos é mais longa. Para muitos, pode incluir Danilo, Douglas Costa, Ederson, Marquinhos. Alguns, como Fernandinho e Willian, só são lembrados por já terem aparecido no time de Felipão na Copa do Brasil em 2014. Ou seriam, também eles, farinha do mesmo saco que carrega as caras estranhas.
Não é surpreendente que seja assim.
Firmino estreou no time principal do Figueirense aos 18 anos. Aos 19 anos foi negociado para o futebol alemão e de lá firmou-se no Liverpool tornando-se uma das atrações da milionária Premier League. Uma história que não é muito diferente das de Taison ou Fred que com menos de 21 anos saíram de Porto Alegre, do Inter onde jugavam, para a longínqua Ucrânia. Sim, a Ucrânia com uma população seis vezes e meia menor do que Brasil e um PIB per capita de pouco mais do que a metade do nosso consegue levar nossos craques quando nem bem deixaram de usar fraldas por baixo dos calções.
Os três, assim como a maioria dos convocados de Tite, não tiveram tempo de se firmar em clubes brasileiros. Não viraram ídolos por aqui como são lá fora. Não ingressaram no imaginário coletivo do torcedor, sequer integraram as listas das celebridades de ocasião produzidas hoje pelas redes sociais. Só agora estão vindo à tona. Só se o Brasil ganhar a Copa poderão ser considerados “alguém”.
Daqui a um mês e dois dias, Vinicius Junior, o menino de 45 milhões de euros, estará completando 18 anos. E, muito provavelmente, já depois da Copa, não mais vestirá a camisa do Flamengo, apresentando-se ao Real Madrid. Terá, assim, durado pouco mais de um ano sua passagem pelo time profissional rubro-negro. Quem viu, viu. Quem não viu, não verá mais. Ou terá de esperar lá pelo fim de carreira quando poderá voltar para passar o tempo até pendurar as chuteiras, quem sabe na Gávea ou outro clube qualquer por aqui.
Agora, a bola da vez é Rodrygo, expoente maior da quarta geração dos Meninos da Vila. Com 17 anos, o moleque já é titular inquestionável do Peixe. Fará 18 em janeiro do ano que vem e deve seguir os passos de Vinícius Junior: tudo indica que seu destino também será o Real Madrid disposto a desembolsar outros 45 milhões de euros para fazê-lo cruzar o Oceano Atlântico. E passar outra vez a perna no rival Barcelona, também interessado no seu futebol.
Firmino, Fred, Taison, Vinicius Junior e Rodrygo são todos pedras raras que deixamos de lapidar. Na cadeia produtiva do futebol globalizado os clubes brasileiros viraram exclusivamente garimpeiros. Continuam a fazer o trabalho braçal de peneirar os diamantes – literalmente, nas escolinhas da base – e os negociam ainda brutos, mas já reluzentes, para serem lapidados lá fora, transformados em joias de valor inestimável.
E o mais grave é que o tempo vai passando, entra Copa sai Copa e essa situação não se reverte. Muito ao contrário, só se agrava. Não fosse as regras da Fifa e a legislação brasileira que regula o trabalho infantil e talvez estivéssemos vendo meninos de 13 ou 14 anos, despertando para o futebol, já do outro lado do mundo.
Esse, talvez, o êxodo precoce dos talentos, seja o ponto mais visível da fraqueza do futebol tupiniquim. E não me venham falar de crise econômica... A Ucrânia de Taison, Fred e vários outros, vive à beira de uma guerra. É a gestão amadora dos clubes, somada as mazelas da organização dos nossos campeonatos e do próprio sistema – sem uma liga independente, com o poder concentrado na CBF que conhecemos – que nos impede de reagir. O futebol brasileiro não é consequência do que vive o país. É um retrato pronto e acabado desse país que ninguém quer.