Primeiro técnico de Meligeni venceu pobreza e troca até família pelo tênis
Coordenador nos JUBs e responsável por ensinar o esporte ao argentino-brasileiro, José Flávio Nunes recorda ao L! início da carreira do pupilo e diz: 'Um dos poucos com gratidão'<br>
- Sou um cara iluminado. Ponho a mão no atleta e ele dá certo (risos).
Falar de tênis com José Flávio Nunes, autor da frase acima, é falar de educação, honestidade e alto rendimento. Coordenador de arbitragem na edição atual dos Jogos Universitários Brasileiros, realizados em Goiânia, o paulistano de 56 anos tem uma vida dedicada ao esporte e se orgulha de ter sido o primeiro treinador de Fernando Meligeni.
"Dar certo" para ele não é necessariamente construir campeões nas quadras. Longe dos holofotes, leva uma rotina tranquila na capital goiana, onde trabalha para a federação local, e diz que troca até a família pelo esporte.
Mas bem que o argentino naturalizado brasileiro deu uma força para levar a imagem de Nunes, como ele é conhecido, Brasil afora. Medalhista de ouro nos Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo (DOM), em 2003, e semifinalista em Olimpíada e em Roland Garros, o ex-tenista chegou longe e é motivo de orgulho para o técnico. Em seus livros, Meligeni sempre cita o mentor, em sinal de gratidão a quem o ensinou a posicionar a raquete nas mãos.
- Eu dava aula para a mãe dele. Ela veio me falar que queria que eu desse aula para o Fernando, mas avisou que ele gostava mesmo de futebol de salão. Eu ensinava tênis para ele e jogávamos futsal juntos. Fazia um pouquinho de cada (risos). Nos aproximamos e a coisa foi acontecendo. Não posso dizer que sabia que ia dar certo. Nem imaginava que ele seria jogador profissional - contou o treinador, em entrevista ao LANCE!.
Hoje, Nunes é árbitro formado da Confederação Brasileira de Tênis (CBT), técnico e organizador de torneios. Mas nasceu em família humilde na capital paulista. Graças a um vizinho, foi chamado para ser catador de bolinhas no Círculo Militar. O contato com a modalidade foi tão intenso que, com apenas 15 anos, ele já era auxiliar de treinador. E com 18, se viu como comandante do garoto Meligeni.
- Sou filho adotivo, passei uma infância muito difícil, paupérrima. Eu tinha seis anos, mal falava. Naquela época, você trabalhava em qualquer idade. Mas amo mais o meu trabalho do que minha família. Brinco que moro dentro do clube - recordou o treinador, que trabalha no Country Clube de Goiás atualmente.
Fernando e José Flávio até hoje mantêm contato pelo Facebook. E ao falar sobre o pupilo, um dos nomes mais críticos à gestão de Carlos Arthur Nuzman, sobretudo em meio às notícias de fraudes na eleição do Rio de Janeiro como sede olímpica, o paulista tem a certeza de que formou um campeão na vida.
- Ele tem gratidão. Isso é algo que poucos têm.
Tênis no JUBs e suas particularidades
Assistir a uma partida de tênis universitário causa estranheza para quem não é do meio. Não há árbitro, não há placar. E o cálculo das parciais é feito pelos próprios atletas. O coordenador de arbitragem só entra em cena em caso de dúvida dos tenistas.
- Desde a iniciação até o juvenil, não há árbitro em quadra. Tem um geral e dois auxilares, que ficam perto da quadra, como estou. Se houver alguma dúvida dos atletas, entramos na quadra e pronto. Só se jogar com juízes em quadra em torneios profissionais - contou Nunes.
BATE-BOLA
José Flávio Nunes, ao LANCE!
'Minha arbitragem é educativa'
Como árbitro, já precisou intervir em partidas ae tirar algum tenista?
Nunca na minha vida tive de desclassificar ninguém. Minha arbitragem é educativa, não arbitrária. Se o jogador insistir muito, tenho de recorrer à regra. Mas são rapazes que vêm de longe, e deixam pais e família. O cara às vezes tem um estresse fora da quadra que influencia dentro. Entendo esse lado, pois já joguei e viajei muito com atletas.
E não dá polêmica?
Raramente dá alguma discussão, pois o tênis é um esporte que ajuda na formação do caráter. A pessoa, geralmente, tem boa estrutura familiar e boa educação. O tênis te ensina a ser honesto. Se você não é, aprende a ser. Se você faz um torneio com 200 pessoas, pode dar no máximo um ou dois pepinos. O que às vezes pesa é o emocional. Há jogadores que não sabem lidar com a pressão do jogo, e tenho de chegar e pedir para ele se comportar, por gentileza. Rapidamente, eles captam a mensagem.
Até quando você trabalhou com o Meligeni? Como foi?
Éramos dois meninos. Eu com 18, ele com oito. Um garotão e uma criança. Depois dos 14 anos, ele mudou de clube e foi para a Argentina. Saiu de mim. Ainda bem, para ele (risos).
* O repórter viaja a convite da Confederação Brasileira do Desporto Universitário (CBDU)