30 anos do bicampeonato brasileiro: Vasco se consagra em pleno Morumbi
De cabeça, Sorato conduz o Cruz-Maltino ao topo do futebol brasileiro após um jogo acirrado com o São Paulo. Final é precedida por 'causos' e intuição do treinador
A imensa torcida vascaína ficou ainda mais feliz no dia 16 de dezembro de 1989. Há 30 anos, Sorato fazia "de cabeça o gol do bi em pleno Morumbi" e, ao garantir o triunfo por 1 a 0 do Vasco sobre o São Paulo, conduzia o troféu do Campeonato Brasileiro novamente para São Januário. Ao LANCE!, o camisa 7 diz que não esconde o orgulho de ter se superado em um jogo complicado.
- Sabíamos que seria difícil e teríamos que aproveitar todas as chances. Foi o que aconteceu. Aos cinco minutos do segundo tempo sai toda jogada do gol, com o cruzamento do (Luiz Carlos) Winck, e eu marquei. É uma sensação indescritível. Alegria total. Ver mais de dez mil vascaínos no estádio. Foi um momento de extravasar... - detalhou.
A jogada evidenciou uma qualidade da equipe cruz-maltina.
- Tínhamos um time que tocava muito bem a bola. Tanto que, no lance do gol, ela sai da zaga, passa por todo mundo até chegar à cabeça de Sorato - conta Bismarck, por quem também passou a jogada para o gol.
Marco Antônio Boiadeiro se emociona ao falar da visão de jogo que teve no lance.
- Eu sabia que o Luiz Carlos sempre descia muito bem. Arrisquei e joguei de três dedos para ele. Aí, ele teve a felicidade de cruzar para a área e achar o Sorato. Foi bom demais - disse o camisa 8.
Contratado para suprir a ausência de Paulo Roberto (que acertou sua ida para o Botafogo), Luiz Carlos Winck demonstra felicidade por ter feito uma jogada para a história do futebol nacional.
- Participei da jogada mais importante, com aquele cruzamento para a finalização do Sorato. Foi especial e muito marcante pra mim, nós fizemos um grande jogo, contra uma grande equipe, fizemos o gol cedo e conseguimos suportar até o final a pressão para que pudéssemos levar aquela taça pra casa - declarou o camisa 2.
O jogo ainda foi temperado por muita pressão são-paulina.
- O São Paulo tinha um time forte, com jogadores de Seleção. Raí, Bobô, Ricardo Rocha, Gilmar... Começamos tomando sufoco, mas o Acácio fez uma belíssima partida - recorda Sorato.
Mário Tilico, que defendeu o São Paulo naquela tarde, reconhece o quanto o jogo foi complicado.
- Era realmente um duelo de seleções e, para mim, foi complicado. Fui formado no Vasco, fiz grandes amigos lá e agora eles eram meus adversário. Nós lutamos muito, estávamos confiantes na vitória, mas o Acácio estava muito inspirado. E o Sorato, um jogador muito perigoso, aproveitou uma descuidada nossa para marcar - disse.
Acácio é categórico ao destacar quem fez a diferença para garantir que o título de campeão brasileiro fosse para São Januário.
- Olha, todo mundo foi muito bem, se desdobrou. Mas o Sorato, porque fez o gol, e principalmente o Mazinho, jogaram demais. O Mazinho anulou todas as investidas do Mário Tilico, que sempre foi um jogador rápido, não deu espaço para ele. Já eu fiz todas as defesas que podia. Goleiro tem que fazer milagre em final - disse.
Herói da conquista, Sorato não esconde sua emoção por ser idolatrado pelos torcedores.
- O Vasco não ganhava o título há 15 anos, foi na casa do adversário, marcou bastante. Realmente, sou grato pelo carinho que recebo até hoje da torcida.
DEMOCRACIA À MODA VASCAÍNA
O dia seguinte à final do Campeonato Brasileiro de 1989 traria um marco para a história do país: a disputa do segundo turno das eleições entre Fernando Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva. No entanto, na semana que antecedeu primeira eleição direta para presidente desde 1960, o Vasco passou por um momento democrático: em vantagem por ser dono da melhor campanha do Brasileirão, o time escolheria onde jogaria a decisão da competição.
- Por unanimidade, nós, jogadores, escolhemos jogar a primeira partida, que acabou sendo a única, no Morumbi, e comunicamos ao Eurico - recordou Bismarck.
Segundo Zé do Carmo, o vice de futebol, Eurico Miranda, não digeriu bem inicialmente a decisão dos jogadores.
- Ele disse para a gente "p..., vocês estão malucos? É jogo para lotar o Maracanã, para sermos campeões com festa em casa!". Mas a gente disse que era melhor fazer o jogo no Morumbi. Como o Vasco, devido à vantagem de ponto extra, precisava de uma vitória ou de dois empates para ser campeão (à época, a vitória valia dois pontos), na dúvida, preferimos garantir este jogo fora. Vai que a gente não consegue ganhar? (risos). Mas deu tudo certo.
Aos olhos de Acácio, outra coisa fez a diferença para os atletas optarem pelo jogo no Morumbi.
- O Vasco jogava muito bem fora de casa e, no Rio, tinha altos e baixos. Eu não sei como explicar como acontecia isso com a gente, sinceramente. Acredito que seja porque aquela equipe era muito ofensiva, só sabia jogar para frente. O Eurico sempre foi muito compreensivo, aberto ao diálogo com os jogadores. Nós falamos, e ele entendeu nosso ponto de vista.
Das nove partidas vencidas pelo Cruz-Maltino na competição, seis (incluindo a vitória sobre o São Paulo na final)) aconteceram como visitante.
NELSINHO ROSA, ENTRE A SERENIDADE E A INTUIÇÃO
A chegada do Vasco, de mansinho, ao topo do futebol brasileiro, teve muito a ver com seu treinador. Centrado e com muita serenidade, Nelsinho Rosa desembarcou na Colina e não demorou a implementar seu estilo de jogo.
- A diretoria gostava do jeito de trabalhar que eu tinha mostrado no Fluminense e no Madureira, aí surgiu o convite. Peguei a equipe praticamente acertada, e aceitei. A chegada do Bebeto foi ótima para o Vasco, e já tinham jogadores de impacto como Tita, Zé do Carmo, depois veio o Quiñonez... - acredita o hoje ex-treinador, que exalta o momento da ascensão do Cruz-Maltino:
- Nos estabilizamos no final do primeiro turno. Tivemos jogos difíceis, mas conseguimos vencer partidas até fora de casa. Isto contou para que a gente jogasse, inclusive, a final no Morumbi - completou.
O técnico até hoje é muito querido por seus antigos comandados. Bebeto tece elogios a Nelsinho Rosa.
- Nelsinho é demais, um cara muito tranquilo. O jogo podia estar muito difícil, mas terminava o primeiro tempo e no intervalo ele vinha e passava uma calma... Uma certeza que a gente virava o jogo! Foi importante demais ele ter treinado aquele time. Porque ele armou uma grande equipe, não é à toa que é chamada de "SeleVasco". Fui muito bem recebido por aqueles meninos que jogavam no Vasco, o Bismarck, o Boiadeiro, Marco Aurélio, Soratinho... - afirmou.
Luiz Carlos Winck também destaca a força passada pelo comandante do título cruz-maltino em 1989.
- Devemos muito ao Nelsinho Rosa, ao Ademar Braga (preparador físico) e todos que comandaram aquele trabalho. Eles têm méritos na montagem do time porque tivemos muito êxito.
De acordo com Acácio, a perspicácia de Nelsinho fez a diferença também no duelo entre Vasco e São Paulo.
- A leitura de jogo dele na final contra o São Paulo foi impressionante. Quando ele lançou o William como titular no Morumbi, o Vasco encaminhou a vitória. O Tato jogava como ponta, mas o William povoava mais o meio de campo, era mais ofensivo, se adequava ao estilo que o time precisava. A força deles era o meio, e nós evitamos - disse.
ENFIM, ELES PUDERAM CELEBRAR
A volta olímpica no Morumbi teve um gostinho especial para dois jogadores DO Vasco. Contratados no decorrer da temporada, Luiz Carlos Winck e Marco Antônio Boiadeiro, enfim, terminaram os 90 minutos da final como campeões.
- Este título com o Vasco foi muito importante pra mim. Era a minha terceira final consecutiva, disputei em 1987 a Copa União pelo Internacional contra o Flamengo e depois, também no Inter, em 1988, com o Bahia. Aí, em 1989, finalmente, pude levantar a taça com o Vasco - afirmou Winck, que, em seguida, emendou:
- Foi emocionante, principalmente por ter participado diretamente da jogada do gol que nos deu o título - completou.
Também presente na jogada do gol, Boiadeiro vinha de outras frustrações.
- Eu tinha essa gana a mais. De ter perdido finais nacionais de 1986 e 1987 com o Guarani (para São Paulo e Sport, respectivamente). O Vasco tinha um elenco muito bom e, na decisão com o São Paulo, a gente fez uma grande partida. Além de nós termos jogado bem, o Acácio agarrou demais.
'EU DISSE: PODE PREPARAR A FESTA', RECORDA GOLEIRO
COM A PALAVRA
'Fui preparado para salvar o quanto podia'
ACÁCIO
Goleiro do Vasco em 1989
Assim que entrei no avião que levava a gente para São Paulo, cheguei para o Eurico e falei: "ô, De Miranda?". Era assim que eu chamava ele. E, em seguida, disse: "pode preparar a festa, a gente não vai tomar gol no Morumbi". Ele se espantou: "você ficou louco, Acácio?". Eu estava muito confiante, acho que goleiro tem de estar sempre assim antes de cada final.
A gente lutou muito contra o São Paulo. Sabia que do outro lado, teriam o Raí, Bobô, Edivaldo, jogadores de seleção. Mas fui preparado para salvar o quanto podia, e sabia que só ia vir chute difícil. Como vascaíno e vindo de família de vascaínos, foi uma grande alegria ficar marcado por este título.