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São Januário: marco da força do Vasco e resposta contra o preconceito

Primeiro capítulo da série especial dos 90 anos da Colina mostra os motivos que levaram à construção do estádio, monumento contra o racismo e que representa o poder do clube

Especial São Januário 90 anos - Fachada na época da inauguração
imagem cameraBlog Memória Vascaína
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Lance!
Rio de Janeiro (RJ)
Dia 09/04/2017
19:38
Atualizado em 10/04/2017
07:00

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Orgulho dos vascaínos, o Estádio Vasco da Gama, mais conhecido como São Januário por conta da sua proximidade com rua do mesmo nome, completa 90 anos no próximo dia 21 de abril. O estádio tem uma rica história que representa a força do Vasco e a sua luta contra o racismo e o preconceito social. Este capítulo da série especial sobre o marcante aniversário da Colina Histórica conta os motivos que levaram à construção da casa do Cruz-Maltino.

- São Januário está intrinsecamente envolvido na luta do Vasco contra o racismo e contra o preconceito social. Ele é um monumento que representa duas coisas: primeiro a luta do Vasco contra essas coisas no futebol e segundo a demonstração da força da instituição contra aqueles que queriam enfraquecê-lo. O estatuto da Amea era claro, ele não queria que clubes montassem equipes competitivas, para ganhar um campeonato, com jogadores das camadas mais populares. A base do Vasco era com esses jogadores. Isso não é papo de vascaíno. Estou falando como historiador. Eles, infelizmente, tomaram posturas institucionais racistas e preconceituosas contra os jogadores das camadas populares. Isso não tem como apagar. Os jornais da época estão aí para provar, boa parte da memória oral da época foi materializada em livros, inclusive por Mário Filho no 'Negro no Futebol Brasileiro - disse Walmer Peres, historiador do Centro de Memória do Vasco.

'São Januário está intrinsecamente envolvido na luta do Vasco contra o racismo e contra o preconceito social'

Para entender a importância da história de São Januário, é preciso começar com a institucionalização do futebol no Vasco, que aconteceu em 26 de novembro de 1915. Desde o início, o clube adota uma política de seleção de jogadores sem racismo e preconceito de condição social, um diferencial naquela época. Assim, vai crescendo ano a ano, junto com sua torcida, muitos membros da colônia portuguesa e das camadas populares, que se identificavam. A equipe consegue o acesso para a primeira divisão da Liga Metropolitana, elite do futebol carioca, em 1923. Logo na sua primeira participação, o Cruz-Maltino foi campeão com um time que ficou conhecido como 'Os Camisas Negras'. Um feito histórico com uma campanha avassaladora de 11 vitórias, dois empates e apenas uma derrota. 

O fato de uma equipe com jogadores negros e brancos de baixa condição social ser campeã de forma tão categórica revoltou os clubes que tinham o controle da Liga Metropolitana. Tentaram tirar 'Os Camisas Negras' da disputa alegando que eles eram profissionais. Na época, o futebol era amador e os jogadores não podiam receber salários para praticarem o esporte.

Depois de investigarem e não conseguirem retirar o Vasco, ocorreu uma cisão no futebol carioca. Flamengo, Fluminense, Botafogo, América e o Bangu fundaram uma nova liga no início de 1924, a Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (Amea), que se estabeleceu como a principal da cidade por conta do seu poderio econômico e político.

'Você não vai encontrar no estatuto da Amea assim: 'proíbo negros'. Era uma série de eufemismos para não dizer 'proibimos negros e brancos de baixa condição social'

O Vasco recebeu um convite da nova liga, que iria aceitá-lo mediante algumas condições. Uma delas era a exclusão de 12 jogadores do clube, todos negros e operários, alegando que exerciam profissões duvidosas, e outra era que o clube precisava de um campo em boas condições para receber os jogos. Segundo Walmer Peres, essas restrições eram formas de maquiar o racismo e o preconceito social.

- Você não vai encontrar no estatuto da Amea assim: 'proíbo negros'. Então, ela proibia analfabetos, quem executava trabalhos braçais, que estava em ofício que recebe gorjeta... Uma série de características de pessoas que estavam inseridas nas camadas populares. Então, era essa a forma que eles faziam para barrá-los. E o campo, não era qualquer um que tinha o seu próprio para jogo, mas os fundadores da liga já tinham. Então, também era um subterfúgio para dizer 'proibimos jogadores de camadas populares'. Era uma série de eufemismos para não dizer 'proibimos negros e brancos de baixa condição social – contou o historiador.

Prontamente o Cruz-Maltino recusou de forma clara a proposta da Amea em carta assinada por José Augusto Prestes, então presidente vascaíno, conhecida como ‘Resposta Histórica’. Nela, o clube defende seus jogadores e desiste de fazer parte da nova liga. Então, o Vasco volta para a Liga Metropolitana e ganha o título daquele ano invicto.

- Estamos certos que V.Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um ato pouco digno da nossa parte sacrificar ao desejo de filiar-se à AMEA alguns dos que lutaram para que tivéssemos entre outras vitórias a do campeonato de futebol da cidade do Rio de Janeiro de 1923 - diz um trecho da 'Resposta Histórica'.

No início de 1924, já havia debates no Vasco para a construção de um próprio estádio por conta do título no ano anterior e a vontade só crescia. Entre os dirigentes, isso daria mais autonomia ao clube e aumentaria os lucros com o gerenciamento da sua própria arena, e ainda deixaria de pagar caro em aluguéis de palcos para mandar suas partidas. Esse desejo foi impulsionado pelas atitudes preconceituosas dos rivais e suas tentativas de enfraquecer o Cruz-Maltino, que decidiu dar uma resposta de sua força e luta contra o que achava errado: iria fazer a sua casa.

A série especial sobre os 90 anos de São Januário vai até o dia 21 de abril. Nesta terça-feira sairão novos capítulos mostrando a grande mobilização dos cruz-maltinos para arrecadar recursos e a construção do estádio.

Confira a íntegra da Resposta Histórica do Vasco:


Rio de Janeiro, 7 de Abril de 1924.

Ofício n.º 261

Exmo. Sr. Dr. Arnaldo Guinle M.D.

Presidente da Associação Metropolitana de Esportes Atléticos

As resoluções divulgadas hoje pela imprensa, tomadas em reunião de ontem pelos altos poderes da Associação a que V. Exa tão dignamente preside, colocam o Club de Regatas Vasco da Gama numa tal situação de inferioridade, que absolutamente não pode ser justificada nem pela deficiência do nosso campo, nem pela simplicidade da nossa sede, nem pela condição modesta de grande número dos nossos associados.

Os privilégios concedidos aos cinco clubes fundadores da AMEA e a forma por que será exercido o direito de discussão e voto, e feitas as futuras classificações, obrigam-nos a lavrar o nosso protesto contra as citadas resoluções.

Quanto à condição de eliminarmos doze (12) dos nossos jogadores das nossas equipes, resolve por unanimidade a diretoria do Club de Regatas Vasco da Gama não a dever aceitar, por não se conformar com o processo por que foi feita a investigação das posições sociais desses nossos consócios, investigações levadas a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa.

Estamos certos que V.Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um ato pouco digno da nossa parte sacrificar ao desejo de filiar-se à AMEA alguns dos que lutaram para que tivéssemos entre outras vitórias a do campeonato de futebol da cidade do Rio de Janeiro de 1923.

São esses doze jogadores jovens, quase todos brasileiros, no começo de sua carreira e o ato público que os pode macular nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que eles, com tanta galhardia, cobriram de glórias.

Nestes termos, sentimos ter que comunicar a V.Exa. que desistimos de fazer parte da AMEA.

Queira V.Exa. aceitar os protestos de consideração e estima de quem tem a honra de se subscrever, de V. Exa.

At. Vnr. Obrigado

(a) Dr. José Augusto Prestes
Presidente

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