Baú do Assaf conta curiosidades do Brasileirão-95 e do título do Botafogo
Veja estatísticas importantes, grandes declarações, boas histórias e muito mais
Para um jovem de 20 anos de idade, a idade do campeonato, o regulamento do Brasileiro de 1995 é confuso o suficiente para quem se acostumou à simplicidade dos pontos corridos. Vamos lá. O Campeonato foi disputado em três etapas. Na primeira, os 24 clubes foram divididos em dois grupos de 12, com as equipes jogando dentro dos grupos, no turno, e jogando um grupo contra o outro, no returno. Classificaram-se os quatro clubes vencedores de chaves em cada turno. Na segunda etapa, ou semifinais, os quatro clubes disputaram dois playoffs, em ida e volta, classificando-se os vencedores. Na terceira etapa, ou decisão, Botafogo e Santos enfrentaram-se em dois jogos, ida e volta. O Botafogo superou o Santos e foi o campeão. A média de público do campeonato ficou em 10.332 torcedores por jogo. O recordista foi o Atlético-MG, com 21.072 por partida.
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FINAL CARIOCA?
Na noite de 7 de dezembro de 1995 o Fluminense goleou o Santos por 4 a 1 no Maracanã com dois gols nos acréscimos. Jamelli e Robert, expulsos, estavam fora do time do Peixe do jogo de volta das semifinais. Assim, diretoria, comissão técnica, jogadores e torcida do clube carioca saíram do estádio em êxtase, com a certeza de que a presença na decisão do Brasileiro estava garantida.
Voltando ao começo do campeonato, do Fluminense, campeão do Rio até que se esperava uma boa campanha, levando-se em conta que o clube manteve a base do Estadual, com o técnico Joel Santana e destaques para Vampeta, Aílton, Valdeir e Renato Gaúcho. Do Santos, nem tanto. Após a derrota de 5 a 3 para o Vasco, em plena Vila Belmiro, logo na terceira rodada, o técnico Joãozinho caiu, e o time ainda teve Coutinho como interino, antes de Cabralzinho assumir para pôr ordem na casa, graças principalmente às atuações exuberantes do meia Geovani, um paraense de 23 anos que estava esquecido no Sãocarlense.
Assim, a eliminação, com a derrota de 5 a 2, em 10 de dezembro, na revanche das semifinais, representou um autêntico pesadelo para os Tricolor carioca, deixando o Peixe com a certeza de que o título, então inédito, não poderia escapar. Afinal, foi uma reação eletrizante. Giovani meteu 2 a 0 no primeiro tempo, Macedo ampliou logo após o intervalo, Rogerinho descontou, Camanducaia fez 4 a 1, Marcelo Passos fez o quinto, mas Rogerinho voltou a marcar aos 38 minutos, mantendo o suspense, pois mais um gol e a vaga seria do Tricolor. Não foi.
O Santos segurou o resultado, mas perdeu o campeonato para o Botafogo, num jogo que despertará eterna polêmica, mas os duelos travados naquelas quatro partidas, de semifinais e finais, entraram para a história do futebol brasileiro. Como registro, o outro time que chegou entre os quatro foi o Cruzeiro, dirigido por Jair Pereira, com Dida, Belletti e Paulinho McLaren, que não teve força para superar o alvinegro carioca, sendo eliminado com dois empates.
O Brasileiro de 1995 ficou marcado pelas tentativas frustradas de dois favoritos, o Palmeiras e o São Paulo. O Verdão tinha Cafu, Antônio Carlos, Cléber, Flávio Conceição, Amaral, Rivaldo, Edílson e Müller, mas não passou do quinto lugar. E o São Paulo de Telê Santana negociou Juninho Paulista com o inglês Middlesbrough e perdeu a força. O campeonato registrou também o fracasso de Vasco e Flamengo, respectivamente 20º e 21º colocados. O Vasco chegou a sofrer sete derrotas consecutivas, somando 13 delas no total. E o Flamengo foi a vítima preferida das torcidas adversárias, que entoavam nas arquibancadas a paródia de um comercial da Varig que ficou famosa. "Pior ataque do mundo/ pior ataque do mundo/ pára um pouquinho, descansa um pouquinho/ Sávio, Romário, Edmundo".
Mas pior ainda foi o União São João, que trocou quatro vezes de técnico - Marinho Peres, Sergio Ramirez, Luis Carlos Ferreira e José Luis Plein - e acabou rebaixado, com duas vitórias e 18 derrotas em 23 jogos. Subiram Atlético-PR e Coritiba.
ESTRELA SOLITÁRIA DE CONDUZ
Túlio passou o campeonato prometendo os gols que acabou marcando. Nas finais, contra o Santos, foram dois. O segundo da vitória de 2 a 1, no Maracanã, e o do empate por 1 a 1, no Pacaembu, que deram o título ao Botafogo. Esse foi na tarde de 17 de dezembro de 1995. À noite, incentivados pelo presidente Carlos Augusto Montenegro, cerca de dois mil torcedores deixaram a velha sede de General Severiano rumo ao Santos Dumont, onde protagonizaram episódio absolutamente inédito na história do aeroporto, invadindo a pista para recepcionar os campeões, que chegavam triunfalmente de São Paulo.
O começo do campeonato, no entanto, foi apenas regular. Após o empate por 2 a 2 com o Vitória, logo na estréia, o capitão Wilson Gotardo reuniu os companheiros para convencer-lhes que o Botafogo tinha elenco suficiente para disputar o título. "Desde aquele momento todos se conscientizaram disso", explicou, ao desembarcar com a taça, que dividiu com a multidão. Mas o time foi apenas quinto colocado do Grupo A, na primeira fase, terminando a sete pontos do líder Cruzeiro. Alternou excelentes vitórias, sobre Corinthians (2 a 1), Grêmio (3 a 2) e Flamengo (3 a 1), essa com um baile em Fortaleza, para 71.114 pagantes, com derrotas bisonhas, para Bragantino (1 a 0) e Cruzeiro (5 a 3).
Tanto que a torcida carioca não acreditava muito no time. O melhor público no Caio Martins, onde mandou seus jogos na primeira fase, foi o de 4.872 pessoas, quando venceu o Guarani por 3 a 1, em 27 de agosto. Túlio, no entanto, já era o destaque absoluto, tendo marcado 10 dos 20 gols do time. Na realidade, a galera mal conhecia o técnico do time, Paulo Autuori, que fizera carreira em Portugal, notadamente em Guimarães e na Ilha da Madeira, onde ganhou status de bom montador de times. No empate por 0 a 0 com o Paraná, em 8 de outubro, Autuori já havia pelo menos justificado tal fama, dado que a equipe estava praticamente definida, apesar dos resultados.
A estréia na segunda fase foi representativa: 2 a 0 sobre o São Paulo de Telê Santana, no Morumbi. Logo, seguiram-se nove partidas sem derrota, com destaque para triunfos sobre o Atlético-MG (5 a 0), Goiás (1 a 0), com 55.694 torcedores no Serra Dourada, e o Vasco, 2 a 0, com gols de Túlio e Donizete quando restavam cinco minutos para o fim. Quando o time perdeu de 3 a 1 para o Santos, na Vila Belmiro, na última rodada - única derrota no segundo turno -, o time já estava classificado para as semifinais. Vale lembrar que apesar disso pelo menos dois jogadores do Botafogo, Wilson Gotardo e Túlio, só se falavam dentro do campo. "Mas Túlio e eu temos um interesse em comum, que é o campeonato", explicou o capitão, antes da estréia nas semifinais contra o Cruzeiro, no Mineirão.
O Cruzeiro apresentava uma campanha irregular, com 12 vitórias e oito derrotas em 23 jogos, mas levou 60 mil torcedores ao estádio e saiu pressionando. No entanto, descuidou-se atrás e tomou um gol, de Túlio, aos nove minutos. Empatou em seguida, com Paulinho, mas ficou nisso. No Maracanã, o Botafogo tratou de cadenciar o jogo. Sem opção, o técnico Jair Pereira promoveu três mudanças para tornar o Cruzeiro essencialmente ofensivo, mas não foi o suficiente. O 0 a 0 pôs o Alvinegro na decisão.
A GRANDE FINAL
Antes do confrontos derradeiros, o técnico do Santos, Cabralzinho, falou em evolução e da expectativa de ganhar o título. "O nosso time é muito jovem e não foi preparado, no começo, para ser campeão. Porém, durante a competição, foi ganhando corpo, obteve bons resultados e acabou se credenciando para tal". Uma chuva insistente atrapalhou o comparecimento da torcida na partida de ida. O público foi de 53.668, pequeno quando se leva em consideração que se tratava de título inédito para ambos. O Botafogo não fez, no Maracanã, o resultado dos sonhos. Mas venceu, por 2 a 1, gols de Wilson Gotardo, Giovani e dele, Túlio, no finzinho do primeiro tempo.
Assim, criou-se para o jogo de volta, no Pacaembu, uma expectativa semelhante à da vitória de 5 a 2 sobre o Fluminense. "Só porque o Fluminense foi goleado nós também vamos ser? É uma comparação inoportuna. Além disso, costumamos ir muito bem fora de casa", comentou Autuori. O Botafogo jogou por um empate. "Olha, se entrarmos para isso, perderemos, mas não vou esquecer que o empate nos dá o título", lembrou o treinador.
Túlio, impedido, abriu o placar aos 24 minutos, aproveitando falta cobrada por Sérgio Manoel. O Santos empatou no comecinho da etapa final. O lateral Marquinhos Capixaba ajeitou com a mão antes da conclusão de Marcelo Passos. Restando dez minutos, Marcelo Passos levantou na área, e Camaducaia, partindo de trás do meia Leandro Ávila, marcou de cabeça. Mas o árbitro Márcio Rezende de Freitas anulou. O Santos, reclamando uma barbaridade, continuou no ataque, obrigando Wagner a três defesas espetaculares, uma delas antológica: Giovani entrou livre, de frente, e bateu de esquerda, rasteiro, no cantinho direito, e o goleiro esticou-se todo para evitar o gol.
Os minutos derradeiros duraram uma eternidade para o Botafogo. Fim de jogo, Túlio, com seus 23 gols, e bem ao seu estilo, desabafou. "Entrei definitivamente para a história do clube e acho que já mereço fazer parte do time de todos os tempos". Considerando o título inédito e a importância do artilheiro na conquista, não houve tanto exagero assim.