CAMPO NEUTRO: O dia em que Pelé foi apenas nove
José Inácio Werneck fala sobre assuntos de destaque no mundo do esporte
Amigos, tenho tido o privilégio de presenciar alguns fatos marcantes no futebol. Entre outros, a final da Copa de 70. Um inesquecível: a estreia de Pelé pela Seleção Brasileira, em 7 de julho de 1957, no
Maracanã, quando ele entrou no segundo tempo, como substituto de Del Vecchio, que era seu companheiro no Santos. Entrou com a camisa 13 que, pela superstição vigorante no futebol
brasileiro, era o número do azar. Seria?
Vi também a despedida do mesmo Pelé da Seleção Brasileira, no mesmo Maracanã, em 1971, contra a Iugoslávia, quando ele deu a volta olímpica com a multidão gritando seu nome. Mas confesso que não vi o que certamente é o mais curioso incidente na carreira de Pelé. O dia em que ele, em 17 de setembro de 1959, entrou em campo pela Seleção Brasileira com a camisa nove.
Foi um acontecimento estranho, inédito, inexplicável, porque Pelé, àquela altura, já tinha sido identificado pelo mundo inteiro como o único, o legítimo, o indiscutível dono da camisa 10, não só no futebol brasileiro como mundial.
Diga-se que ele se tornara usuário da camisa 10 inteiramente por obra do acaso. Quem recorrer a fotos antigas verá que, na Copa do Mundo de 1958, os jogadores brasileiros tinham números estranhíssimos. Garrincha era o número 11. Zagallo, que devería ser o número 7, era o número 11. Vavá era o número 20. Gylmar, o goleiro, era o número três.
Tudo ocorrera por causa da desorganização da antiga CBD, hoje CBF. Seus responsáveis simplesmente esqueceram de enviar um representante à reunião da FIFA, em Zurique, que atribuiria números aos jogadores. Foi quando um dirigente uruguaio, de nome Lorenzo Villizio, disse que conhecia bem a Seleção Brasileira e sabia o número de seus jogadores. A verdade é que não sabia, ou apenas fingia que sabia, ou pensava que sabia mas não sabia. O resultado foi a estranhíssima numeração e, exclusivamente por obra do acaso, o número 10 acabou com Pelé.
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Até aquele momento, em todas as partidas da Seleção Brasileira, o número 10 era o de Didi. Depois da Copa, porém, ninguém poderia tirar de Pelé o número 10, nem no Brasil nem no mundo. Isto é, ninguém podia até que, no dia 17 de setembro de 1959, o Brasil derrotou o Chile, no Maracanã, por 7 a 0. Aos curiosos, informo a escalação: Gylmar, Djalma Santos, Bellini, Orlando e Coronel; Zito,
Dino Sani e Didi; Dorval, Quarentinha, Pelé e Zagalo. O técnico era Vicente Feola. O jogo estava tão fácil que Pelé foi substituído por Canhoteiro depois de marcar três gols.
Mas por que Pelé foi o número nove? É interessante lembrar que, naquele mesmo ano, 1959, o Brasil tinha disputado o Campeonato Sul-Americano com Feola de técnico e Pelé sempre em campo com a camisa dez. Depois, o Brasil disputara um amistoso com a Inglaterra,
também no Maracanã, e Pelé sempre com a camisa 10.
Vicente Feola está morto, ninguém pode lhe perguntar por que deu a camisa 9 a Pelé. E, quanto a Feola, um homem bonachão que, até a Copa de 1958, era apenas auxiliar do técnico húngaro Béla Guttman no São Paulo Futebol Clube, vale a pena desmentir algo que se tornou lenda no futebol: a de que foi ele quem lançou Pelé na Seleção Brasileira naquela partida contra a Argentina, em 1957.
Não é verdade. Quem lançou Pelé naquele jogo, como substituto de Del Vecchio, e depois o fez entrar em campo como titular, desde o início, no jogo seguinte, contra a mesma Argentina, foi Sylvio Pirillo, antigo centroavante do Flamengo e do Botafogo.