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‘Filhos do Terrão’ no profissional, captação agressiva e porcentagem alta: as metas da base do Corinthians

Nesta segunda parte da entrevista com Yamada, gerente da base, o cartola explica como o clube atua no mercado e fala em receita gorda com mecanismo de solidariedade da Fifa

Yamada está no Corinthians desde o primeiro trimestre de 2017
imagem cameraYamada está no Corinthians desde o primeiro trimestre de 2017 (Reprodução/Instagram)
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Lance!
São Paulo (SP)
Dia 02/01/2020
17:55
Atualizado em 03/01/2020
19:00

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Anualmente, o Corinthians desembolsa milhões de reais nas categorias de base. Além da infra-estrutura criada ao lado do CT Joaquim Grava, do pagamento do salário dos atletas, comissões técnicas e demais funcionários, o Timão investe na profissionalização do setor. Mesmo assim, é impossível a formação de atletas dar prejuízo ao clube do Parque São Jorge. A afirmação é de Fernando Yamada, gerente-geral da base alvinegra. 

Nesta segunda parte da entrevista concedida ao L!, o ex-goleiro e hoje dirigente revela como o Corinthians atua na captação de novos atletas para a categoria de base e explica o porquê do clube adotar uma postura agressiva no mercado com os jogadores mais de menor idade (na faixa dos 13 e 14 anos).

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LANCE!: O custo do departamento de base do Corinthians é alto? 
Yamada: Não que seja alto, mas é o valor que os grandes clubes gastam. Posso dizer que não é barato. Costumo falar que a base é impossível dar prejuízo para um clube grande. Hoje, você tem condição de recuperar o valor investido através do mecanismo de solidariedade (ferramenta criada pela Fifa na qual o clube formador pode receber até 5% do valor total de toda transação futura do atleta formado na base durante toda sua carreira profissional). O departamento internacional também faz parte do nosso projeto. Sabemos que nem todos os jogadores formados na base vão jogar na equipe principal, então os atletas que não vão jogar no profissional do Corinthians serão realocados em outros mercados. O mercado emergente, por exemplo, absorve muito bem os atletas de times grandes do Brasil. Qualquer negociação lá fora, que para eles representam um valor baixo, paga a nossa conta. Sempre dou o exemplo do Arana. Chegou ao profissional, entregou resultado esportivo a curto prazo e depois foi vendido. Esse é um case de sucesso. Puxei os valores recebidos pelo Corinthians através desse mecanismo de solidariedade nos últimos dois anos e é um valor interessante. O Malcom (vendido do Bordeaux para o Barcelona por 41 milhões de euros) nos rendeu um valor interessante. 

Quanto que o clube arrecadou com o mecanismo de solidariedade nesses dois últimos anos? 
Não estou autorizado a falar, mas falo com convicção que é significativo para o clube. Se olharmos para os últimos três anos tivemos casos que pagam a nossa (referindo-se ao departamento de base) conta, como o Maycon e do Arana.

O mercado da base se mostra cada vez mais competitivo. Flamengo, Palmeiras e São Paulo foram alguns dos destaques nesta temporada (2019). Qual é a situação do departamento de base do Corinthians em relação aos seus concorrentes?
O Corinthians está em uma evolução. O CT da base está quase pronto, com o passar do tempo o Corinthians vai de forma definitiva para a base. Hoje, a base já utiliza os campos, mas ainda não está toda instalada lá. Tenho certeza absoluta que quando isso acontecer, o Corinthians vai mudar de patamar na categoria de base. Não foi à toa que o clube passou a ganhar tantos títulos depois de 2010 (data de inauguração do CT Joaquim Grava). A base está muito próxima de se mudar para lá. No dia que mudar vai subir de patamar. 

O processo metodológico é recente ainda. Quando chegamos no clube não havia um processo. Nós o criamos, com novos cargos e novas funções. Inclusive, uma delas é o cargo de coordenador específico de cada área de atuação. Hoje, temos um coordenador para a preparação física, para a parte técnica, para os treinadores de goleiro e também na psicologia. Isso tudo é um processo. Leva um tempo para você colher frutos. Enquanto os outros clubes estavam atentos à captação de novos atletas, o Corinthians ainda não tinha um departamento para isso. O clube tinha uma pessoa que era o captador, mas não tinha planejamento, não tinha meta, não tinha processo. Depois da crise mundial de 2008/2009, os clubes foram obrigados a olharem mais para a base, pela necessidade e dificuldade financeira. Alguns clubes saíram na frente naquele momento: o Fluminense foi um deles. Criaram um departamento e mudaram o cenário deles. De 2010 para frente, a captação de atletas passou a atuar em uma escala nacional, não mais regional como era antes. O Corinthians não estava atento a isso e perdeu espaço. Em meio a tudo isso, vieram os clubes-empresas para piorar o cenário. O Corinthians chegou a perder jogador para o Desportivo Brasil. Tivemos que nos atentar e criar um novo processo. Os clubes não brincam em serviço na categoria de base.

O Corinthians profissionalizou a base....
Exatamente. Não que anteriormente o clube não tinha bons profissionais, não é isso. O que fizemos foi organizar, criar processos, metodologia, um organograma mais equilibrado e atribuir responsabilidades. As coisas foram melhorando. Hoje, na minha avaliação, estamos na metade do caminho. Em 2020, o Corinthians vai começar a colher frutos e o auge vai ser em 2021. Foi o que o Fluminense fez e o que o Flamengo está fazendo. 

"A história do clube tem me mostrado que os jogadores oriundos da base que deram certo no profissional foram aqueles que chegaram muito cedo no Corinthians. Isso desde sempre"

Hoje, como funciona essa captação de novos atletas para o clube?
Temos duas frentes. A principal é ser muito agressivo nas categorias menores (sub-11, sub-13, sub-15...). Mas por quê? A história do clube tem me mostrado que os jogadores oriundos da base que deram certo no profissional foram aqueles que chegaram muito cedo no Corinthians. Isso desde sempre. Vale lembrar do Rivellino, Ronaldo Giovanelli, Edu Gaspar, Jô, Maycon...Se você for olhar o elenco da Seleção Brasileira na Copa do Mundo 2018, a base do Corinthians teve três representantes: Marquinhos, Willian e Fagner. Esses jogadores chegaram com oito, nove anos no clube. Tenho que respeitar isso. Não é fácil um jogador chegar no clube com 16 anos, se adaptar e entender a identidade do Corinthians. Por isso, nós somos muito agressivos nas categorias menores.

Mas como o Corinthians encontra esses garotos? O clube realiza peneiras?

Não, isso é um processo de captação. O Corinthians monitora o mercado e tem seus planos de ação. Nós sabemos onde existem os principais torneios. Fazemos uma pesquisa de território para sabermos exatamente onde atacar para sermos mais assertivos. Temos pilares para avaliarmos os jogadores, não é um processo fácil. Os atletas mais novos têm o momento do estirão, que é algo normal nos meninos. Temos que respeitar esse tempo e entendermos que em algum momento isso vai virar uma dificuldade. Estudamos e treinamos muito para isso.

Em 2019, o Corinthians fez contratações pontuais para o time sub-20. O Madson (atacante), por exemplo, veio do Atlético-GO e já havia até feito gol na decisão do Campeonato Goiano profissional. Como funciona a captação especificamente para esta categoria?
Para ser contratado para o time sub-20 do Corinthians entendemos que o atleta tem que ter passado por dois cenários. O primeiro é aquele jogador que teve toda uma trajetória de base em um outro clube grande. Então, é o cara que jogou seis anos no São Paulo, cinco anos no Grêmio...Esse cara tem treino de qualidade, tem lastro, participou de grandes competições, vestiu uma camisa grande e está acostumado a lidar com pressão. O outro cenário é o jogador que ainda tem idade de base, mas já está atuando como profissional numa Série B ou C do Brasileirão, por exemplo. Esse é o caso do Janderson, que veio do Joinville. Como o futebol hoje é muito negócio, o sub-20 do Corinthians é uma categoria semi-profissional. O Brasileirão Sub-20 tem 19 rodadas e são apenas clássicos. Você não pode fazer aposta. Como o mercado está muito agressivo na captação, muito raramente você vai encontrar um jogador de 19 anos que ainda não foi visto por ninguém. Isso é quase impossível. É claro que tem alguns casos, como o Liedson que apareceu com 23 anos. Mas isso é a exceção, não podemos levar em consideração.

Qual é a porcentagem que o Corinthians tem dos direitos dos atletas da base?

O maior orgulho da base hoje é a seriedade com a qual temos tocado o departamento. Quando vou nos eventos, nos simpósios, o primeiro elogio é esse. Fico muito feliz com isso, é o nosso maior troféu. Mas, sobre sua pergunta, quero explicar o porquê de sermos muito agressivos nas categorias menores. Se você tem um jogador de 12/13 anos, ele será 100% do Corinthians. Em alguns casos, você traz esse jogador novo de algum clube e deixa uma porcentagem pequena, para manter uma boa relação com esse clube, fidelizá-lo e, no futuro, tirar mais jogadores de lá. Hoje, a legislação mudou. O jogador tem direito a participação de seus próprios direitos econômicos. Isso acontece, é uma dinâmica do mercado. De modo geral, o Corinthians precisa ter a maior fatia dos direitos econômicos dos atletas. É lógico que quando você traz um jogador para o sub-20 que já jogou como profissional, o clube que o libera vai querer manter uma participação. A projeção deles é de que nós façamos uma venda no futuro. Ninguém abre mão de 100%, isso não existe. Outra possibilidade é a troca da porcentagem, sem a necessidade de dinheiro. É aquele jogador de 15 ou 16 anos em que fazemos uma parceria com algum outro clube.

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Yamada - Visitas na Espanha
O gerente-geral da base do Corinthians visitou alguns clubes europeus para acumular conhecimento e aplicá-lo no Corinthians (Foto: Divulgação)

O Corinthians capta um jogador de outro clube, não paga em dinheiro pela compra, mas deixa uma porcentagem para essa equipe. É isso?
Sim, é isso. O que vai determinar a porcentagem é a idade do jogador. Se você pega um jogador de 9, 10, 11 ou 12 anos, a probabilidade de você ter 100% ou 90% desse jogador é muito grande. Se você pega um jogador de 15 ou 16 anos, ele já disputou algum campeonato por alguém. Se isso acontece, quer dizer que ele já foi federado, já foi registrado por algum outro clube e isso nos impossibilita de termos 100% dos direitos dele. Existe um movimento dos coordenadores de base para proteger os clubes onde a legislação não protege. A legislação só protege jogadores com 16 anos ou mais. Esse movimento ajuda a proteger o clube com os atletas mais novos. Nos reunimos a cada três meses e qualquer equipe que queira roubar um jogador vai ser denunciada no movimento e será boicotada. Assédio era uma prática muito comum nesse mercado. Por isso, a criação do movimento. Hoje, é assim: ou devolve o jogador ou não vai mais disputar nada. Vai ser boicotado. O Corinthians não pode ir em qualquer clube do interior e trazer alguém. Não adianta convencer o pai, tentar assediar o jogador e trazê-lo para cá. Primeiro, você precisa bater na porta do clube e negociar. Não é fácil. Quando se fala o nome do Corinthians todo mundo quer envolver dinheiro e nós não queremos. No sub-20 é diferente. São jogadores já prontos, já em transição e você precisa colocar dinheiro. O cara do sub-20 treina esporadicamente com o profissional. Às vezes, as pessoas não entendem isso. Nosso objetivo, nosso plano A é ter 100% do jogador. Daqui a pouco ele cresce, completa 16 anos, assina o primeiro contrato profissional e vai pleitear uma porcentagem para ele, pois é o direito do atleta. Nós nos preocupamos com isso. Se o Corinthians pega um jogador com 40%, 50% ou 60% dos direitos corre o risco de até ele chegar no profissional ter perdido muito. É necessário deixar uma margem. Não abrimos mão de termos a maioria do percentual dos direitos jogador, algo ali em torno de 70%.

O Corinthians emprega quantas pessoas na categoria de base?
Hoje, temos mais de 200 atletas. Algo em torno de 215 atletas para ser mais exato. A primeira categoria é com nove anos, que é quando acontece a transição do futsal para o futebol de campo. O nosso staff, o nosso organograma da base gira em torno de 110 pessoas. Você tem psicólogos, analistas, uma comissão técnica para cada categoria, é muita gente. Não pode ser diferente. A base é o principal ativo, o principal patrimônio de um clube. O Brasil passa por um momento econômico delicado. Não há patrocinadores dispostos a injetar uma fortuna no futebol, mesmo sabendo do tamanho da visibilidade do Corinthians e do tamanho da marca. Os clubes não podem mais depender dos fatores externos. A cota de televisão oscila muito, o mundo está indo para um momento de transição, a questão da tv aberta, da internet, dos serviços em streaming. O Corinthians tem o problema da bilheteria, na verdade não é um problema, é um investimento feito para ter seu estádio próprio - algo que foi muito bem feito por sinal. É um estádio lindo, mas é um estádio caro. Se você olhar, o que sobrou é a categoria de base. É o cara que vai jogar no seu clube, que vai te ajudar a ganhar títulos e no futuro ele vai querer jogar na Europa. É nessa venda que temos o case de sucesso - aquele cara que tem todos os direitos com o Corinthians, que te entregou resultado esportivo e que vai te render um bom dinheiro. A base custa caro, mas as possibilidades de retorno são enormes. As negociações pagam a nossa conta.

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