Atletas temem posicionamento por serem tratados como mercadoria, apontam especialistas
Com recentes movimentos sociais puxando esportistas do mundo todo, jogadores começam a se expressar e serem vozes sociais. Nos EUA, atletas paralisaram competições<br>
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A morte de George Floyd em 26 de maio de 2020 voltou a pôr em evidência a
violência policial e o racismo estrutural existente nos EUA. Após a morte, gigantescas manifestações ocorreram no país contando com o apoio de diversos atletas, principalmente da NBA. Com isso, o país norte-americano voltou a ter uma onda de protestos que pegou em cheio a principal liga de basquete americana e cobra mundialmente posicionamentos de esportistas.
Os jogadores do Milwaukee Bucks - time do estado onde ocorreu a violência praticada por policiais brancos no dia 23 de agosto contra o jovem Jacob Blake, desarmado, que foi alvejado sete vezes a queima roupa - se recusaram a entrar em quadra como forma de protesto pela violência praticada. Após reuniões entre os jogadores, ao todo, nove partidas foram cancelados por iniciativa dos atletas.
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Diversas declarações das principais estrelas contra a violência policial e o racismo tomaram as manchetes e o pedido de mudanças concretas foi encabeçado pelo principal jogador da liga LeBron James.
"Os atletas, muitas vezes, lutam contra o fato de serem figuras públicas"
- Esse universo em que os jogadores são ativos politicamente, se organizam entre si e usam o esporte como plataforma pautas sociais é um cenário bem
distante do atual futebol brasileiro. Seria possível no Brasil? Recorrendo à história, temos como exemplo a "Democracia Corintiana", que é uma das maiores manifestações políticas dentro do nosso futebol, e um movimento organizado pelos jogadores chamado "Bom Senso F.C" - cita Renato Fragoso, especialista no assunto.
Segundo o historiador e professor da UERJ Eduardo Ferraz Felippe, o projeto de união entre jogadores de futebol brasileiros, feito em 2013, foi o mais próximo que os atletas chegaram em nível de uma representatividade como grupo social. Mesmo assim, não é uma ação frequente ainda que o esportistas falem abertamente sobre tabus sociais.
- O slogan resume bem as ideias voltadas para o futebol “Bom Senso F.C., por um futebol melhor para quem joga, para quem torce, para quem transmite, para quem patrocina, para quem apita”. O movimento acabou se desfazendo em 2016 por falta de representatividade no Congresso e com a aposentadoria dos jogadores mais influentes, e a falta de interesse dos mais novos não houve representação forte o suficiente em campo - diz ele, lamentando a ausência de força dos atletas unidos.
POSICIONAMENTO: ATLETAS SÓ FALAM SE FOR BOM PARA SUA IMAGEM?Diferente dessas organizações de jogadores, mais recentemente, foi possível acompanhar posicionamentos mais individuais. O apoio público a candidatos em épocas eleitorais, como foi o caso em 2014 de Neymar Jr. e Ronaldo Fenômeno a Aécio Neves que disputava a eleição presidencial e, nos últimos tempos, diversos jogadores apoiaram Bolsonaro. Eduardo avaliou o panorama em comparação com outros esportes.
"Tem-se um ambiente hostil aos jogadores que se posicionam e quebram a lógica de mercado"
- Nos perguntamos qual o motivo na disparidade da organização entre os
jogadores do campeonato brasileiro, a liga que mais movimenta recursos no Brasil, e a NBA, uma das ligas mais ricas dos EUA. Alguns motivos surgem. O primeiro, é de que os jogadores da NBA são, em sua maioria, norte-americanos que estão em seu próprio país e que não tem nenhuma intenção de sair dele. A liga da NBA não é um lugar de passagem para um possível mercado externo em que os jogadores mais representativos se encontram, como a Europa, no caso do futebol.
Eduardo acredita que a preocupação com os fatos violentos em território nacional se torna maior se o atleta nasceu na região. Além disso, a "democracia racial", dita por ele, reafirmaria que o futebol surge como um esporte de janela para ascensão de classe.
Sendo assim, de acordo com o estudioso, "gera a falsa impressão de que racismo é apenas uma preocupação com ofensa aos negros, o que é real, mas, é apenas uma parte da questão".
Por outro lado, um segundo motivo revelado pelo historiador explicaria com mais clareza a razão dos atletas se fecharem, muitas vezes, segundo ele, num universo fora da realidade: o jogador muitas vezes é visto e tratado como uma mercadoria.
- Existe uma noção de que jogador de futebol deve apenas realizar suas funções dentro de campo e se calar. Torcedores, dirigentes, entidades como CBF, técnicos e até mesmo alguns próprios jogadores se enxergam apenas como uma mercadoria que não tem o direito a se manifestar fora do campo e muito menos dentro - disse Eduardo, que completou com um exemplo:
- Como não lembrar do comentarista Caio Ribeiro criticando o dirigente e ex-jogador Raí por esse ter se manifestado contra o governo Bolsonaro. Tem-se assim um ambiente hostil a jogadores que se posicionem e quebrem a lógica de mercado.
Eduardo ainda demonstra que se o racismo estrutura a sociedade ao dizer que alguns corpos são mercadoria e força de trabalho, existe ainda uma dificuldade em reconhecer que o esporte, como parte fundamental da cultura, tem um sentido político e que os jogadores podem e devem participar dos debates que acontecem fora e dentro dos campos.
Quem complementa a fala é Marco Sirangelo, consultor de conteúdo e educação na OutField Consulting, que analisou a visão do marketing em cima dos jogadores. Para ele, é "sempre interessante quando um atleta coloca sua opinião" para lembrar que "eles não são máquinas".
"É como se existissem dois Cristiano Ronaldo: o Pessoa Física e o Pessoa Jurídica"
- É interessante observarmos que os atletas, muitas vezes, lutam contra o fato de serem figuras públicas. Ganhar uma “voz” e ser um assunto frequente, seja na mídia ou no cotidiano das pessoas, é uma consequência de uma rotina de trabalho que está muito distante dessa realidade - avaliou o especialista em comunicação, que deixou um explicação mais clara:
- É como se existissem dois Cristiano Ronaldo, o Pessoa Física e o Pessoa Jurídica. Dar uma opinião pessoal em nome da sua pessoa jurídica pode ter consequências difíceis que valem para o mundo fora do esporte, inclusive, por isso acredito que seja natural esse receio da exposição exagerada.
* sob supervisão de Tadeu Rocha
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