Minha lembrança da final entre Atlético e Real Madrid
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No dia 21 de maio de 2014, desembarquei em Lisboa para fazer a cobertura da final da Liga dos Campeões daquele ano. Pela primeira vez, dois times da mesma cidade se enfrentavam em uma decisão. No aeroporto da capital portuguesa, nenhum sinal de torcedores de Real Madrid ou Atlético de Madrid. Apenas um banner isolado acima de uma escada rolante e uma tenda abandonada da Heineken, patrocinadora oficial do evento.
Cansado por uma escala em Londres, fui recebido por Ana Paula Belguinha, uma senhora para lá de simpática que me alugou um apartamento no bairro de Santa Catarina e me ofereceu uma cerveja de boas-vindas. Nenhum clima de clássico até o momento.
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No dia seguinte, quinta-feira, depois do café da manhã, encontrei um solitário torcedor do Real Madrid, bebendo e cantando sozinho, em plena manhã no centro lisboeta. Fã do ex-jogador brasileiro Roberto Carlos, Alejandro dizia aos borbotões que os Blancos venceriam o embate por 2 a 0.
Na Praça do Comércio, a Uefa abriu a cerimônia da grande decisão com a apresentação das taças, loja oficial, museu, telão e um campo de futebol para a criançada. Uma cerimônia cheia de gueri-gueri, para falar a verdade. Teve até a divulgação de casamento entre chineses. Faltava apenas quem dá graça ao futebol: a torcida.
Na sexta-feira, tudo mudou. Colchoneros e merengues marcaram a viagem no mesmo horário. Não sei se vieram de carro, ônibus, trem, caminhão ou andando em peregrinação. Os seguidores dos finalistas da Champions aparecem em Lisboa ao mesmo tempo. Em cada esquina, ruela, ladeira, beco ou praça surgia um grupo vestido com camisas brancas ou alvirrubras.
As torcidas dos dois clubes rivais se misturaram naquela bela manhã de sexta-feira em clima absolutamente pacífico. Lisboa falava espanhol e respirava ares madrilenhos. Toda provocação era acompanhada de uma risada ou um abraço.
À tarde, já devidamente credenciado, fui ao Estádio da Luz para acompanhar a entrevista coletiva dos dois treinadores e um treinamento de reconhecimento do gramado. Uma cena não saiu da minha cabeça. Auxiliar-técnico de Carlo Ancelotti, Zinedine Zidane comandou a atividade durante 15 minutos. O francês tocava na bola com tamanha elegância que parecia, de fraque e gravata, estar em um recital. Nenhum outro jogador do Real Madrid apresentava a mesma desenvoltura para tratar a pelota como se fosse uma orquídea.
Saí do Estádio da Luz e me despedi do funcionário que fecha os portões do estádio. Era o último jornalista a deixar o recinto, já com as luzes apagadas. Na madrugada, aportei no boêmio Bairro Alto, onde fãs do Atlético de Madrid eram maioria e faziam questão de se juntar aos adversários apenas para cantar "Que viva a Espanha!".
No dia do jogo, pela manhã, os mesmos torcedores que passaram a noite preparando o gogó para a final continuaram nas ruas. Ressaca não existia. Muitos nem reservaram estadia. Sem ingresso, um número considerável de seguidores espanhóis lotaram praças da capital para acompanhar o clássico.
Cheguei ao Estádio da Luz quatro horas antes, de metrô, para sentir a atmosfera do prélio.
O jogo, em si, foi apenas um detalhe a mais daquela viagem e da cobertura. A torcida do Atlético já festejava o título inédito nos momentos derradeiros. O público merengue esboçava um "Sí, si puede". No último lance, Sergio Ramos empatou o jogo em 1 a 1, levando a decisão para a prorrogação.
Do alto da tribuna de imprensa, no tempo-extra, vi um Atlético totalmente abatido. O Real passou por cima e levou a "Décima" com um 4 a 1 inacreditável.
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