‘Você sabe quem eu sou?’, perguntou Pelé para juiz que o expulsou nos EUA
Após 50 anos na arbitragem e superando problema de paralisia física, árbitro inglês apitou mais de cinco mil partidas. Ele se despediu do futebol há duas semanas
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Era uma partida do New York Cosmos pela Liga de Futebol Norte-Americana em 1975. No primeiro ano de Pelé pela equipe, o brasileiro deu uma entrada com as travas da chuteira na virilha do adversário, do Miami Toros.
Era uma falta violenta e o árbitro não teve dúvidas. Mostrou-lhe o cartão vermelho.
- Você não pode me expulsar. Sabe quem eu sou?
O juiz sabia, claro.
- Não sei, não. Qual seu nome?
Pelé colou no ouvido do homem de preto e disse pausadamente, nome por nome:
- Edson. Arantes. Do. Nascimento.
Ron McCahill, o árbitro, virou o cartão e anotou: “número 10”.
Aos 69 anos, McCahill se aposentou do futebol no início de março depois de mais de cinco mil partidas apitadas. Uma carreira de quase 50 anos que começou com o garoto que queria simplesmente ser jogador, mas não podia. Teve de superar as próprias limitações físicas.
- Eu me lembro de ser criança e assistir um jogo de futebol na TV. Tenho quase certeza que era a final da FA Cup (a Copa da Inglaterra) de 1953. Disse para a minha mãe que meu sonho era ser jogador de futebol. Ela disse que eu não conseguiria – disse McCahill, em conversa com o LANCE! na semana passada.
Ele ainda hoje tem tremores no corpo, consequência por ter nascido com água no cérebro. O problema acabou com qualquer possibilidade de levar a sério a carreira como atleta profissional. Tem paralisias esporádicas da cintura para cima e, até os 15 anos, não conseguia sequer se vestir sozinho.
- Era algo que poderia ter me atrapalhado muito mais do que atrapalhou. Simplesmente decidi que aquilo não iria me impedir de pelo menos estar dentro do mundo do futebol.
A solução foi apitar as partidas. Deu tão certo que McCahill se despediu de maneira pouco comum: coberto de homenagens. Recebeu carta da Federação Inglesa o parabenizando pela carreira. Agradecimento de Ryan Giggs, atual assistente-técnico do Manchester United e guarda de honra dos jogadores, perfilados, antes de seu último jogo.
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Uma imagem que faz inveja a dez em cada dez árbitros no mundo do futebol, já que nunca não são recebidos com tanto carinho ao entrarem em campo.
- Não sei se é segredo. Mas arbitragem, para mim, sempre foi um jeito de estar dentro do futebol. De fazer amigos. Claro que você tem de mostrar cartões. Dar broncas. Mas depois do jogo, acabou. Não custa nada sorrir, conversar com os jogadores. Faz parte – explica.
Quando deixou de ser profissional, após apitar na Inglaterra, Canadá, Estados Unidos, Noruega e França, ele passou a se dedicar ao futebol amador. Especialmente de crianças. Chegava ao campo às 10 horas da manhã. Voltava para casa às 9 da noite pelo menos três vezes por semana.
- Minha mulher não ficava muito feliz com isso – se diverte.
Foi assim que, ainda nos anos 80, viu um garoto de 13 anos em uma partida amadora. Era atacante e se chamava Ryan Wilson. McCahill o indicou para o Manchester United, que acabou tirando do Manchester City o menino que depois passaria a se chamar Ryan Giggs.
Após 50 anos de arbitragem (começou ainda adolescente, na escola onde estudava), acha que vai ter mais tempo para a família. Nunca mais se encontrou com Pelé. Não deixa de ser estranho que o juiz colecionador de amigos tenha tido seu momento mais memorável ao expulsar um jogador.
- Fora de campo, ele sempre foi um cavalheiro. Acredita que ainda hoje eu recebo um cartão de Natal do Pelé todos os anos? É incrível!
Não que a Liga Norte-Americana tenha ficado feliz com a decisão do árbitro, em 1975, de expulsar o Rei do Futebol. Dias depois, o cartão vermelho foi rescindido. McCahill foi multado em US$ 10 pela decisão.
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