‘Éder Jofre, o pintor que nasceu para lutar’
Ex-pugilista morreu neste domingo, aos 86 anos, em São Paulo
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Éder Jofre é lutador nato e paulistano da gema. Nasceu no centro de São Paulo, em 1936, e cresceu na zona norte da cidade, no Parque Peruche. Filho de ex-boxeador, e cercado de tios maternos bons de briga, o menino Eder não podia ser outra coisa. Ele até tentou usar as mãos para pintar. Chegou a estudar no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, ganhou alguns trocados produzindo painéis comerciais, mas acabou se impondo na vida com punhos em riste, cruzados violentos e ganchos avassaladores.
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Sua relação com o boxe não foi nada tranquila. Ele não sabia dizer se gostava tanto assim de trocar golpes num ringue. Com certeza, não gostava do ritmo exaustivo dos treinamentos impostos pelo pai, Kid Jofre, o argentino que veio se aventurar no Brasil, mas não fez sucesso. E se vingou da vida, fazendo do filho um dos maiores pesos galos da história do boxe mundial. Desde cedo, Kid Jofre percebeu os subterfúgios do filho, tentando escapar da sina pugilística. E por isso mesmo o chamava de “salame”, gíria que identifica a pessoa que quer escapar de fininho de uma situação.
Mas o “salame” teve ainda um empresário obstinado, que conseguiu colocá-lo nos EUA, para superar os maiores desafios de sua vida. Campeão do mundo, sem querer querendo, a vida de Eder Jofre no boxe não foi um primor de planejamento. Ao contrário, treinava para bater, não importava como. O velho Ariste, como Eder chamava o pai, se preocupava com a intensidade do treinamento, duas vezes ao dia.
“Meu pai não era de ficar armando esquema. Dizia sempre, enfia a mão com fé e acaba logo com a luta. Mas o que eu não gostava mesmo era de me submeter aos sacrifícios dos treinamento. Dormir cedo, levantar cedo. Queria pintar, jogar bola”
E, assim, contra a vontade do pintor Eder, o boxeador Jofre brilhou nos ringues do mundo, com a intuição dos vencedores e a técnica dos ilusionistas. A estreia como amador, foi em 1953. Quatro anos depois, ele começou a construir o impressionante cartel profissional de 72 vitórias, sendo 50 por nocaute, 4 empates e 2 derrotas. Nessa trajetória, que acabou em 1976, a glória de ter conquistado dois títulos mundiais, entre os pesos galos e os pesos penas.
O vegetariano Eder Jofre não tinha receio de tirar sangue dos adversários. Bateu muito mais do que apanhou, mas os castigos sofridos lhe deixaram marcas profundas, no cérebro. Nas últimas décadas, ele apresentava sintomas de doença relacionada à concussão cerebral, a encefalopatia traumática crônica.
Os prejuízos na memória eram esquivados por Éder, com seu jeito brincalhão. Nas vezes em que conversei com ele, os assuntos sérios era entremeados por brincadeiras jofreanas. Ele não perdia a chance de fazer graça, como um paulistano boa praça.
“Eder, com vai?”
“Não vou, estou aqui e pretendo ficar falando com você...”
“Fantástico o seu cartel, parabéns”
“...mas eu não estou fazendo aniversário hoje.”
“ E agora que não precisa treinar, continua acordando cedo?”
“Ah, eu acordo lá pelas cinco. Cinco pras nove, cinco pras dez”
Claro, nas conversas, nem tudo eram frases engraçadas e de duplo sentido. Ele não falava só de esportes. Eder Jofre foi vereador de São Paulo em quatro legislaturas. E tinha preocupações sociais, herança do lado materno da família, simpático ao então Partido Comunista do Brasil.
“Fenômeno do boxe, eu? Fenômeno é o cara levantar de madrugada e trabalhar o dia inteiro, sem comer direito. Depois, ainda recebe salário mínimo...”
O político, o boxeador do Hall da Fama, o pequeno grande homem chamado Éder Jofre morreu, neste domingo, em São Paulo, aos 86 anos. Desde março, hospitalizado, tentava se recuperar de uma pneumonia. Entre tantas vitórias, a derrota fatal.
Descanse em paz, salame!
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