Ênio Vecchi, ao L!: ‘Acho que é hora de Carlos Nunes abdicar do cargo’
Em meio à crise no basquete feminino brasileiro, treinador faz críticas à CBB, mas não aprova totalmente o pedido de transferência de poder para os clubes
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Ênio Vecchi teve a oportunidade de conhecer de perto a situação do basquete feminino no Brasil. Técnico da Seleção Brasileira adulta entre 2011 e de 2012, o hoje treinador do basquete Osasco lamenta a crise que fez com que os clubes se reunissem para pedir o comando da modalidade, hoje de responsabilidade da Conferação Brasileira de Basquete (CBB).
Apesar de não apoiar totalmente a ideia por ser a favor da hierarquia, Vecchi defendeu, ao LANCE!, a urgência da presença de um colegiado técnico envolvendo os clubes, fez críticas à confederação e pediu a reúncia do presidente Carlos Nunes. Confira a entrevista a seguir:
LANCE!: Você aprova a passagem do campeonato nacional feminino da CBB para a Liga?
Ênio Vecchi: O que mais me impressiona é a falta de interesse da confederação. Se a confederação não tem muito interesse já no masculino, você imagina no feminino. Não que os clubes estejam totalmente certos naquilo que estão reivindicando e falando, mas a confederação se comunica muito pouco. Só se comunica nessa hora, que é uma hora de crise, de enfrentamento, de disputa de forças, e aí ela acaba se comunicando até de uma maneira errada, vamos dizer assim. Era um trabalho que a confederação tinha que fazer, justamente para não se perder nessa questão. Então, a Liga abraçou. A gente espera que a Liga consiga dar esse suporte que o feminino merece e precisa.
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O que você achou do pedido dos clubes de assumir o comando da seleção?
Isso deveria partir da própria confederação há muitos anos. Como tem poucas equipes e o número de jogadoras é muito reduzido, já deveria ter um colegiado. Olha a que ponto chegou: os clubes querem forçar uma coisa que a federação já devia estar fazendo há muito tempo. Agora, eu não sei se o formato que a reivindicação vem pedindo seja o correto. Acho assim: ali tiveram técnicos que já foram da Seleção. Quando eu estou na Seleção vale, quando eu não estou não vale? Você tem que ter um respeito à entidade. Acho que tem que procurar uma conciliação, uma conversa, um entendimento. Eu acho que os clubes têm razão em muitas coisas que estão colocando. Realmente, para você tomar uma atitude como essa… Mas não pode ser assim, de baixo para cima. Acho que você tem que ter alguns critérios e alguma hierarquia a se respeitar, porque se não fica difícil você querer impor às vezes alguma coisa que eu acho que não é bem por aí. Eu acho que tem que haver esse colegiado e há recurso para isso – ou havia. Acho que pelo momento, é ótimo isso acontecer, acho que isso vai fazer com que a confederação desperte e não tente uma queda de braço, porque quem vai acabar perdendo com isso é o basquete. E a entidade é assim mesmo, eu falaria que é o momento do presidente abdicar do cargo que ele tem hoje. Abrir as portas, abrir os caminhos para os novos dirigentes, até para ele poder se defender e a gente saber o que acontece lá dentro. Acho que é isso que os clubes querem. Acho que seria uma atitude honrosa dele. Uma saída honrosa em função de todos esses anos, de não ter conseguido conversar com as pessoas. Essa falta de autoridade, de comando, de parceria, de presença… É um presidente ausente dos grandes eventos. Não é aquele presidente com vontade, com ação, de querer ver o basquete bem, e a gente sente falta disso. Você quer ver o técnico da Seleção nos jogos, você quer ver o presidente. Qual é o problema para você não estar? Você deve alguma coisa? A não ser que deva alguma coisa.
Nesse apelo para assumir o controle da Seleção, os clubes falam que temem um vexame na Olimpíada. Acha que esse risco é real?
É uma competição difícil. O basquete feminino vem em um período de transição já há um bom tempo, onde não é fácil você preparar uma nova jogadora, em função não só da dificuldade dos clubes, que fazem um trabalho que a gente tem que enaltecer, de manter as meninas sem apoio nenhum, às vezes sem recursos. Eu falaria que um resultado bom vai ser difícil, não em função do técnico, não em função das meninas, mas em função da própria transição, do próprio momento que o basquete vem vivendo. Se tivesse um time fortíssimo já seria muito difícil. Diante desses problemas, se elas tiverem essa capacidade de superação… Nesse momento de dificuldade, às vezes, é onde as meninas vão buscar superação para mostrar a capacidade delas. Agora é o momento de mostrar, não é o momento de abaixar a cabeça. A seleção está aberta para novas meninas, novos valores, novas lideranças. Então, é um momento que tem que ser aproveitado. Eu, na minha vida, aprendi sempre isso. É um momento em que você ganha força. Tem muitos exemplos disso. O impossível é possível. O planejamento da confederação agora, de jogos amistosos para a Olimpíada, isso até meu filho que tem 16 anos entra lá e faz. Ele sabe falar um pouco de inglês, ele liga pro time da Austrália, da China, da Argentina. Isso daí não quer dizer nada. Não é esse o problema. Lógico que precisa desses jogos, dessa preparação, precisa jogar nos Estados Unidos. O problema é lá atrás, de dez anos atrás, de oito anos atrás, de 20 anos atrás.
Você acha a volta da Adrianinha positiva? Ou encara como algo que evidencia a falta de renovação?
Acho que ela mesma gostaria de ter uma substituta. Muitas meninas se espelham nela. Mas é o mesmo problema de sempre: como é esse trabalho? Só o clube consegue fazer isso? É difícil. É um problema do esporte no Brasil, no geral, e no basquete feminino isso aparece muito mais. Não sei como é a disposição dela. Se ela estiver com vontade de ajudar a Seleção, acho que é excelente. Acho que isso é ótimo. Acho que de quem nós temos que colocar na conta é da confederação. Não é do técnico, não é da Adrianinha, é da confederação. Porque que está acontecendo isso? Acho que essa é a grande questão. Porque a confederação até hoje não tem o time dela para disputar competição no feminino? Se você tem necessidade, você tem que fazer. Se isso tivesse sido trabalho há muitos anos, nós hoje não teríamos apenas um, teríamos dois, três times ajudando as cidades do Centro do Brasil, do Norte, do Nordeste, do Sul. Você já imaginou você ter um time em cada região do país da confederação? Disputando um campeonato de categoria menor, que fosse subindo e culminasse hoje em dois, três times fortes? Sempre teve recurso para fazer isso e nunca foi feito. Então, essa conta tem que ser debitada da confederação. Não é o técnico, não é a jogadora, não é o clube. Não é ninguém. O clube faz muito mais do que pode fazer, muito mais. E não é valorizado por isso. O dinheiro que vem é do povo brasileiro, esse dinheiro é nosso. O presidente da confederação precisa entender que esse dinheiro tem que ser investido no povo brasileiro, não para fazer o que ele quiser. Esse dinheiro tinha que ser direcionado aos clubes, lógico, tomando a devida prestação de conta que tem que ser dada. Isso é a realidade. Se a confederação não consegue gerenciar, isso é um problema.
Como você avalia a temporada no Basquete Osasco até aqui? Mais uma vez em sua carreira, você pega um projeto novo. Muita muito a rotina?
Além da parte profissional, sou um técnico idealista que sempre estou à frente dessas equipes, vamos dizer, menos favorecidas, equipes que estão começando e onde eu consigo ter paciência para lidar com jogadores que também estão em formação. Normalmente os clubes não têm essa visão. Muitas vezes no basquete também acontece um pouco isso, às vezes tem um resultado imediato e não conseguem esperar o tempo da coisa amadurecer, do trabalho amadurecer, do trabalho aparecer. E em Osasco estou muito feliz porque isso tem aparecido muito antes do que todos nós planejávamos. No ano passado, nós já fomos vice-campeões da A2, disputando a final com Jacareí. Nós fomos campeões dos Jogos Abertos no ano passado, vamos dizer, de uma terceira divisão, coisa inédita para a cidade. Nós subimos para a segunda divisão. Nesse ano, fomos quinto lugar no Campeonato Paulista, também inédito para a cidade de Osasco e inédito até para o próprio campeonato, que foi uma surpresa. Conseguimos estar na frente de grandes como Bauru, Limeira, que são equipes fortíssimas. Mesmo com Limeira tendo encerrado suas atividades, era uma das favoritas a conquistar o título. Então, foi um resultado surpreendente o do Paulista. Agora, nos Jogos Abertos, vamos dizer assim, na segunda divisão, nós estávamos preocupados porque a época mudou. Nós havíamos planejado porque inicialmente seriam em outubro, e isso é importante para a prefeitura, é importante para a cidade você levar um bom time naquela época. E como mudou para dezembro, nós fomos perdendo jogadores, o que nós havíamos montado. Mas nós conseguimos reconstruir com a vinda do Alexandre, do Drudi e do Andre Goes. Com esses três jogadores, nós conseguimos repor as peças que nós havíamos perdido. Nós perdemos o Romário, os dois argentinos, o Labbate e o Gustavinho. Eram jogadores que nós estávamos planejando não só para o Paulista, mas para os Jogos Abertos também. E mesmo assim concorrendo com equipes que mantiveram seus times fortes: Piracicaba, que foi campeão da A2, Santos, que foi vice-campeão da A2, e São Bernardo. Eram times candidatos e times montados para os Jogos Abertos. Era o grande objetivo deles também. E nós conseguimos superar esses times. É um campeonato dificílimo, nós tivemos que passar por Santos, para quem nós perdemos na verdade, Piracicaba na semifinal e São Bernardo na final. Então, isso eu acho que valoriza ainda mais o trabalho da cidade de Osasco. Hoje nós também temos que estar enaltecendo, porque lá nós conseguimos ter o apoio não só da administração pública, mas pessoalmente do prefeito. O prefeito foi jogador de basquete, então ele quer ver o basquete bem, quer ver o basquete legal, então ele tem dado apoio para o time. Além disso, tem a própria Zatz, que é uma construtora, e a SuFresh, que são os grandes pilares do time. Então, com esse apoio, a gente consegue, juntamente com a diretoria, fazer um time com a cara que a gente vem imaginando, vem idealizando. Um time aguerrido, um time onde mesmo diante das dificuldades a gente vai em busca dos nossos objetivos. A gente não vai ficar preso às dificuldades, que são normais nessa evolução, nesse envolvimento do time. Então, esse apoio é fundamental. Nós temos lá, por exemplo, uma pessoa que não aparece muito, que é o Carlos Testa, que além de um diretor é um amigo nosso que vai atrás desses patrocinadores, dos grandes, dos pequenos. É um trabalho que não aparece, porque ele também tem a atividade dele, tem a empresa onde ele trabalha, mas ele tem um tempo para correr atrás dos patrocinadores. Então é um trabalho, vamos dizer, semiprofissional, mas que em sua essência, quando dão resultado, dá a impressão de que é um time profissional. Mas tem muito para crescer ainda Osasco, tem muito a evoluir, nós temos muito o que buscar.
O que falta para o time disputar a Liga Ouro e, assim, brigar por uma vaga no próximo NBB?
Agora, nessa reta final, nós ainda temos uma esperança de estarmos participando da Liga Ouro. Do que vai depender? Nós estamos dependendo justamente desse trabalho do diretor, do Carlos Testa, que está conversando com uma seguradora, e a seguradora ainda não deu essa resposta para conseguir o patrocínio. Sem o patrocínio, nós não conseguimos. A parte logística é muito cara na Liga Ouro. Você tem que jogar em Minas, tem que jogar em João Pessoa, tem que jogar no Recife, tem que jogar no Rio, tem que jogar no Paraná…. Então, o maior custo é esse. Esse é um problema da Série B. Mas, de qualquer maneira, é uma oportunidade de você ter o acesso à NBB.
CBB NEGA PENDÊNCIA FINANCEIRA COM VECCHI
Durante a entrevista concedida ao LANCE!, Ênio Vecchi, em meio às críticas feitas ao presidente da Confederação, disse que ainda tem um mês de salário para receber do tempo em que foi técnico da Seleção Brasileira feminina de basquete, entre 2011 e 2012. Por meio de comunicado oficial, Édio Soares, Diretor Executivo da CBB, disse que tem provas da quitação dos salários do treinador.
– A CBB possui prova documental de total liquidação de todos os valores descritos no contrato feito com o Sr. Ênio Vecchi. Da mesma forma, estranha o fato de que a pretensa dívida tenha sido pacientemente mantida em aberto e sem nenhuma cobrança por quatro anos. Entretanto, a CBB propõe, se provado em bases documentais a existência da dívida, a liquidação imediata com todas as possíveis correções. Mas se não houver essa comprovação, a CBB dispensa qualquer pedido de desculpas por respeito ao correto profissional que laborou sob contrato e o cumpriu com louvor – afirmou.
Em relação ao pedido de renúncia de Nunes, a CBB afirmou que "não comenta opiniões pessoais, direito intangível de qualquer pessoa".
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