Foi sofrido, como sempre é. Foi na prorrogação, mas o Brasil ficou com o ouro olímpico outra vez. Um bicampeonato merecido. Mas Tóquio 2020 será lembrada por muito mais do que isso. Foi o ano em que a pátria de chuteiras virou a pátria das canoas, das raquetes, do baile da favela e, principalmente, das pranchas. As pranchas que deslizam sobre as ondas, sob os pés de Italo Ferreira, que correm sobre rodas na maestria da pequena Raissa Leal, de Pedro Barros e Kelvin Hoefler. O país do futebol mostrou que também é o país do skate e do surfe, e encontrou, não mais do que de repente, um novo caminho olímpico.
Sim, o Brasil bateu recordes no Japão. Recorde no número de medalhas, recorde de medalhas de ouro. Foi a Olimpíada da superação, de meses sem treinar por conta da pandemia, da ascensão feminina, com as meninas brasileiras ocupando lugar de destaque nos pódios, da afirmação nordestina. E o surfe e o skate têm tudo a ver com isso.
O esporte no país sempre foi movido pela idolatria, pelo surgimento esporádico de um ou outro talento - além do futebol, o vôlei é a única exceção disso. E quantas chances não deixamos passar de massificar a prática, de formar gerações a partir desses campeões. O tênis, após a era Guga, talvez seja o maior exemplo desse potencial desperdiçado. Mas há o boxe de Popó, o atletismo de Maurren Maggi, a natação, o judô onde nossas conquistas, significativas é verdade, poderiam ser ainda maiores.
Projetos sociais e de inclusão, mantidos por entidades privadas, por Ongs e por ex-atletas, são uma esperança – mais do que o apoio governamental, hoje mais escasso do que já foi - de que não se deixe ocorrer isso outra vez. Se em duas semanas as vendas de pranchas e skates dispararam nas lojas e no mercado online, se as pistas nas pequenas e grandes cidades estão mais movimentadas, se há mais gente deslizando nas ondas desde a semana passada, como mostram as matérias nos jornais, nos sites e na TV, tudo é um bom sinal.
Mas desperta um desafio ainda maior.
O surfe e principalmente o skate, podem crescer muito mais. E tem de crescer muito mais. Mas não podem perder a sua essência, a alegria, a espontaneidade, o espírito coletivo e de parceria. Pois isso tudo é tão emocionante como obter resultados, como vencer uma prova. Profissionalizar, sim, catalisar talentos, sim. Mas abandonar a liberdade, jamais. Uma coisa não vive sem a outra no mundo das ondas e das rodinhas.