Técnico volta à guerra pela Seleção Brasileira de rúgbi na Rio-2016
Após servir no exército da Nova Zelândia por 25 anos, Chris Neill tenta fazer história com time feminino, e revela dormir três horas por noite, atormentado por lembranças da guerra
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Integridade, confiança, benevolência e respeito. Essas são as palavras mais repetidas por Chris Neill, treinador da Seleção feminina de rúgbi de sete. Porém, se engana quem pensa que só o esporte ensinou esses valores ao neozelandês. Na verdade, os ensinamentos vieram de forma dura: pela guerra.
No Brasil há três anos, o técnico alistou-se no exército aos 17, e permaneceu por 25 anos em serviço. Assim, atuou em diversos conflitos, sendo a maioria como membro da aliança militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
A dureza da vida, porém, o ensinou a ser melhor, como ele mesmo faz questão de explicar, citando as palavras usadas para abrir o texto.
– Perdi grandes amigos. Quando você fica mais velho e começa a ver a vida, isso se torna mais complicado. Foi aí que percebi que aquilo não fazia mais parte de mim – disse.
– No exército, se você perder, as consequências são maiores. No rúgbi, temos de nos lembrar que, quando perdemos, ainda estamos vivos.
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'Será duro. Para ser honesto, já jogamos com esses times e, em algumas vezes, chegamos perto, em outras apanhamos feio. Temos motivação e paixão, sabemos que elas irão lutar e não desistirão. Teremos de jogar de forma perfeita, e o adversário mal para chegarmos perto' - Chris Neill
Apesar das palavras fortes, a feição de Neill durante toda a entrevista foi sorridente e bem humorada.
Questionado se mantinha o humor a todo o momento, o técnico revelou que as sequelas da guerra, longe de sua rotina há seis anos, ainda estão presentes, e o atrapalham mais do que os outros possam perceber.
– Não sou assim todos os dias. Já tive dias difíceis. Algumas experiências do exército ainda me prendem. Não durmo bem, só duas, três horas por noite. Não sei como sobrevivo, mas isso vem ocorrendo nos últimos cinco anos – comentou Neill.
Na Rio-2016, as brasileiras enfrentarão britânicas, canadenses e japonesas no Grupo C. Para o neozelandês, mesmo em um país sem tradição no rúgbi, o impossível não existe:
– Uma vez, em um torneio, tínhamos de enfrentar a Nova Zelândia na primeira rodada, e eu disse: “Podemos vencer”. Nisso, cinco garotas riram muito alto. Foi aí que disse: “Do que vocês estão rindo? Se acham que não podem vencer, o que estão fazendo aqui? Em 100 jogos, elas irão vencer 99. Joguem por essa uma vez”.
Guiadas pelas mãos calejadas de Chris Neill, o Brasil vai em busca “daquela uma vez na história”.
Bate-Bola com Chris Neill - Treinador da Seleção feminina
LANCE! - Como começou no esporte?
Chris Neill - A maioria das crianças na Nova Zelândia jogavam rúgbi, mas eu não. Minha família se mudava muito, e eu era goleiro até os 11 anos. Minha mãe se casou novamente e meu padrasto era treinador de um time de rúgbi. Quando criança, para impressioná-lo, eu comecei no esporte, e era bom! Joguei durante todo o período escolar, e me alistei no exército aos 17 anos, onde fiquei por mais 25. Joguei no exército e era escolhido para alguns bons times. Tive uma séria lesão aos 25 anos, e não consegui voltar, então me tornei treinador aos 30. Depois disso, me concentrei na modalidade de sete e deixei o exército.
LANCE! - Quais conflitos você lutou?
CN - Terminei como oficial de guerra, e tinha 120 soldados sob meu comando. Lutei guerras no exterior, fui para um conflito na Bósnia em 1995, e tinha um filho de poucos dias. Então foi difícil ficar lá com um recém-nascido. Depois, fui para o Timor Leste em 2000, com outro filho de 2 semanas. Eu meio que fugia cada vez tínhamos um filho (risos). Então fui enviado para as Ilhas Salomão em 2005, e Afeganistão, em 2010.
LANCE! - Você fala sobre isso com as jogadoras?
CN - Muitas delas sabem, mas há coisas que não falo nem para a minha esposa (risos). Elas sabem algumas coisas e conversamos sobre o passado. As ensino muito sobre psicologia, porque no exército estudamos quatro anos sobre isso. As ajuda a entender sobre o que passarão.
LANCE! - Como se adaptou ao Brasil?
CN - Meu maior arrependimento é não falar português. Paguei muito caro, mas não conseguia ir às aulas. E ainda vivo sozinho, e tenho as paredes do meu quarto cobertas com palavras em português. Mas não conseguia aprender. No exército, você aprende que um modo de conquistar o público é falar a língua, mas é difícil. Sei me virar, conheço palavras de rúgbi, consigo comer, pegar um táxi... No primeiro ano, era muito estranho. Se eu falava inglês, as pessoas congelavam! Na Nova Zelândia, se alguém falar português eu tentaria ajudar. Aqui, corriam de mim. Mas hoje as pessoas estão mais confortáveis. Eles até conhecem o rúgbi, me falam sobre isso.
LANCE! - Você gosta do Brasil?
CN - Tenho de responder isso? (risos). Gosto do povo, gosto da cultura, mas não gosto de São Paulo. Uma cidade dura. Muito concreto, nada planejada, confusa...
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