Dos esquadrões às polêmicas: a saga de Eurico Miranda no futebol
Montagem de esquadrões marcantes, títulos que ficaram para a história do Vasco, negociações emblemáticas, mas muitos desafetos pelo caminho...
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Um dos mais controversos cartolas do país, Eurico Miranda deixa um legado de histórias marcantes para o futebol brasileiro. O ex-dirigente do Vasco, que morreu nesta terça-feira aos 74 anos no Rio de Janeiro, após passar mal em sua casa, foi marcado por títulos, frases polêmicas, atritos e desafetos até os seus últimos dias na Colina (ocupava o cargo de presidente do Conselho de Beneméritos).
'A MÃO DE EURICO'
Eurico Ângelo de Oliveira Miranda começou a trabalhar no Vasco no cargo de diretor de cadastros. E não demorou a protagonizar sua primeira polêmica no clube. Quando o presidente Reinaldo de Matos Reis estava prestes a ter seu mandato cassado, a falta de energia em São Januário adiou a votação. A reportagem de "O Globo" mostrou a razão do adiamento: o jovem Eurico, já nomeado vice de patrimônio, foi flagrado desligando as luzes.
Eurico Miranda, aos poucos, foi crescendo politicamente na Colina. Tornou-se opositor de Agarthyno da Silva Gomes na eleição do Vasco (mas ajudou o mandatário em sua gestão). Depois, apoiou Medrado Dias no Conselho Deliberativo do clube.
Em 1979, com a criação da chapa União Vascaína, ao lado de Olavo Monteiro de Carvalho, Pedro Valente, Alberto Pires Ribeiro, Amadeu Pinto da Rocha e Antônio Soares Calçada, firmou-se como um dos integrantes mais fortes em São Januário.
DA UNIÃO VASCAÍNA ÀS NEGOCIAÇÕES CONTROVERSAS
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Além de ser assessor especial do Vasco na Ferj, Eurico Miranda foi crucial em uma negociação emblemática em 1980. Graças a ele, o Cruz-Maltino sacramentou a repatriação de Roberto Dinamite, que retornava ao país após uma breve passagem no Barcelona. O atacante, que esteve bem próximo de acertar com o Flamengo, desembarcou em São Januário e consolidou-se como o principal ídolo do clube.
Embora tenha perdido duas eleições para Antônio Soares Calçada, Miranda firmou-se de vez em um cargo importante no Vasco no decorrer da década. Como vice de futebol, ele contribuiu para uma das negociações mais polêmicas da época.
Então destaque do Flamengo, Bebeto estava com sua renovação de contrato arrastada. Em uma negociação feita na calada da noite, o Cruz-Maltino deu um "chapéu" e tirou um dos ídolos de seu maior rival para levá-lo para São Januário e se tornar o camisa 10 do título brasileiro do Vasco em 1989.
A equipe, conhecida como SeleVasco e que tinha nomes como Acácio, Luiz Carlos Winck, Marco Antônio Boiadeiro, Tita e Sorato, foi a primeira que o dirigente ajudou a montar para elevar o clube ao nível de campeão brasileiro.
O nome de Eurico Miranda voltou a ser associado à polêmica em 1987. Um dos responsáveis pela criação do Clube dos 13, que culminou na Copa União e evidenciou a ruptura das equipes de ponta do país com a CBF, o então vice de futebol do Vasco mudou de opinião após ter declarado inicialmente que o Flamengo era o campeão daquele ano.
Ele votou por "acatar" a sugestão da entidade máxima do futebol, que previa o cruzamento de campeão e vice dos Módulos Verde e Amarelo. Foi o pontapé inicial do imbróglio entre o maior rival do Vasco, o Flamengo, e Sport pelo título brasileiro daquele ano.
Eurico foi pivô na polêmica do título brasileiro de 1987
Em 1989, Eurico Miranda acumulou funções. Além de ser vice de futebol do Vasco e estar no Clube dos 13, foi Diretor de Seleções na CBF. Segundo reportagem da "Placar", ele chegou a fazer propostas para que jogadores convocados para a Seleção Brasileira vestissem a camisa cruz-maltina.
No ano 2000, ainda seria crucial para a criação da Copa João Havelange. A competição foi idealizada porque a CBF estava impedida pela Justiça de realizar o Brasileiro daquele ano sem o Gama. A Copa JH promoveu a volta do Fluminense e do Bahia à elite, mas teve de contar com a presença da equipe brasiliense.
Além disto, sua ligação com o então presidente da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Ferj) desde 1986, Eduardo Vianna, foi alvo de muitos questionamentos. Houve frequentes acusações de benefícios ao Vasco e até momentos inusitados.
Em 1988, após o Maracanã ficar por cerca de 30 minutos sem energia, Eurico exigiu que o time não voltasse para realizar a sequência do clássico diante do Flamengo. A derrota por 1 a 0, com gol de Bebeto, foi confirmada. Dois anos depois, a final do Carioca rendeu outra situação: mesmo derrotado por 1 a 0 pelo Botafogo, o clube interpretou que era necessária uma prorrogação de 30 minutos para decidir o título. Como os botafoguenses seguiam com a volta olímpica, os vascaínos pegaram uma caravela de papel e também se declararam campeões. A Justiça confirmou o título alvinegro.
'SOU DEPUTADO DO VASCO': SUA ATUAÇÃO PARLAMENTAR
Devido à sua popularidade como dirigente do Vasco, Eurico Miranda tentou carreira como parlamentar. Após perder em 1990, ele se elegeu deputado federal por dois mandatos consecutivos.
Nesta época, viveu dois períodos vitoriosos pelo Cruz-Maltino. O primeiro foi o tricampeonato carioca, no qual o clube revelou nomes como Carlos Germano, Valdir, Yan, Gian e Edmundo. Mas, depois, montaria sua equipe mais vitoriosa.
No Brasileirão de 1997, contando com a dupla Evair e Edmundo e nomes como Juninho, Pedrinho, Felipe e Ramón, a equipe se sagraria campeã. Em 1998, já contando com Donizete e Luizão no ataque e o aporte financeiro do Bank of America, o clube da Colina se sagraria campeão da Copa Libertadores.
No embalo dos títulos, Eurico foi parlamentar. Mas sua imagem se desgastou com CPI
No embalo da conquista, que ocorreu no ano do centenário do clube, se reelegeu deputado (o time perderia o Mundial Interclubes para o Real Madrid). Enquanto esteve na Câmara, discutiu sobre o fim da lei do passe e das viradas de mesa, mas também notabilizou-se por dizer:
- Sou deputado do Vasco. Defendo os interesses do Vasco!
Montando grandes esquadrões, pelos quais ainda passaram nomes como Viola, Vagner, Romário, Euller e Zé Maria, o Vasco obteve outras conquistas históricas nesta época: o Torneio Rio-São Paulo de 1999, o Brasileirão e a Copa Mercosul de 2000, esta com uma virada sensacional sobre o Palmeiras.
Ao fim de 2001, quando já era presidente do Cruz-Maltino, porém, foi alvo de uma CPI que visava apurar irregularidades do futebol brasileiro. Embora seu pedido de cassação de mandato tenha sido negado, a imagem de Eurico Miranda se desgastou e ele nunca mais se reelegeu como parlamentar, em especial depois dos maus resultados que vieram da equipe. Além disto, suas movimentações financeiras custaram a ruptura do Bank of America com o Vasco e a debandada de jogadores badalados.
PRESIDÊNCIA DO VASCO: PROVOCAÇÕES AO FLAMENGO E POUCOS TÍTULOS
Eleito presidente do Vasco em 2001, Eurico Miranda não repetiu a média de títulos em cargos anteriores. Em seu primeiro mandato, ele se notabilizou de vez por suas provocações ao rival Flamengo (definindo o clássico como um "campeonato à parte") e por criar frases de efeito como:
- Crise? Que crise?
Em 2003, o dirigente obteve seu único título em sete anos de gestão: o Campeonato Carioca. Regido por Marcelinho Carioca e Petkovic, o Vasco derrotou o Fluminense por 2 a 1 na decisão do Maracanã.
'O importante não é ganhar campeonato, é ganhar do Flamengo'
Já no ano seguinte, o Cruz-Maltino enfrentaria o Flamengo na final. Mesmo após o revés por 2 a 1 no primeiro jogo, Miranda não poupou uma provocação:
- Já comprei 30 mil litros de chope. E paguei. Tenho certeza de que vamos ser campeões porque nosso time é muito melhor do que o Flamengo.
No jogo de volta, ao ver a derrota por 3 a 1, o dirigente ouviu o grito da torcida rubro-negra:
- Arerê, o chope do Eurico eu vou beber!
Em 2006, Eurico Miranda voltou a vencer as eleições, desta vez superando Roberto Dinamite. No entanto, a chapa de oposição conseguiu a anulação do processo por irregularidades, e a decisão judicial exigia uma nova eleição.
Contrariado com a determinação, Eurico arrastou o quanto pôde a convocação de novas eleições. Somente em 2008, houve o pleito, sem sua presença, no qual Roberto Dinamite chegou ao poder. Em meio ao turbilhão político, o Vasco amargou seu primeiro descenso, no qual Eurico Miranda frisava:
- Quando saí, o time estava perto da zona da Libertadores.
VOLTA AO PODER: BRAVATAS, REBAIXAMENTO DO VASCO E LUTA POLÍTICA
Devido ao enfraquecimento de Roberto Dinamite, Eurico Miranda voltou à presidência do Vasco em 2014. Tendo como slogan a frase "O respeito voltou!", o mandatário prometeu fazer com que o clube evoluísse e não passasse por novos capítulos de rebaixamentos (a equipe caiu para a Série B por duas vezes com Dinamite como mandatário).
Contudo, após um início de 2015 promissor e com fim de jejum de títulos no Carioca, a equipe afundou na zona de rebaixamento no Brasileirão. Em meio à crise, Eurico Miranda passou a anunciar jogadores (inclusive disse que Ronaldinho estava "90% fechado com o Vasco", o que não se concretizou), e soltou a frase:
- Se eu achar que o Vasco vai ser rebaixado, eu vou ver onde é a Sibéria e me mudo para lá.
Eurico foi decisivo para eleição de Campello
A equipe amargou seu rebaixamento. No ano seguinte, sob o comando de Jorginho, voltou à elite na terceira colocação da Série B e ainda se sagrou bicampeão carioca.
Em um 2017 de início oscilante, o Vasco conquistou a Taça Rio, último título de Eurico como presidente. Mesmo com a equipe marcada por altos e baixos, o mandatário prometeu, ao falar sobre o Brasileirão:
- O Vasco vai brigar pelas cabeças!
A equipe obteve a vaga na Copa Libertadores, ao ficar em sétimo lugar no Brasileirão. No pleito eleitoral do Vasco, Eurico Miranda chegou a ser reeleito, mas surgiu um novo escândalo: a irregularidade em uma das urnas e a acusação de que havia sócios-fantasmas, que levou o processo para a Justiça. Em meio ao impasse, o mandatário vendeu jogadores importantes da equipe, como o zagueiro Anderson Martins e o meia Mateus Vital.
Mesmo desistindo da reeleição no início de 2018, Eurico Miranda teve papel fundamental na eleição indireta, ao apoiar Alexandre Campello, que rompera com Júlio Brant.
DESAFETOS
Além de uma relação hostil com a imprensa, Eurico Miranda colecionou desafetos em sua trajetória como dirigente do Vasco. Um deles foi a Rede Globo. A cisão ocorreu de fato devido à forma como a emissora cobriu o acidente que culminou na queda do alambrado de São Januário na final da Copa João Havelange de 2000, contra o São Caetano. O dirigente fez uma represália: em 18 de janeiro de 2001, o clube usou o logotipo do SBT em seu uniforme. Ele atribuía à emissora a asfixia financeira do Cruz-Maltino.
Nem ídolos do Cruz-Maltino foram poupados de críticas
Além disto, veículos de imprensa foram proibidos de fazer coberturas do Vasco frequentemente. Também protagonizou cenas de bate-boca, como ocorreu com o jornalista Márcio Guedes.
Eurico também entrou em atrito com jogadores e dirigentes de outros clubes. Leão, técnico e que foi goleiro do Vasco, foi ironizado com:
- Leão sem juba faz 'miau'!
Oswaldo de Oliveira também foi alvo de Eurico Miranda. A discussão sobre o dia em que o Vasco treinaria visando o jogo de volta da semifinal da Copa João Havelange, de 2000, causou a demissão do treinador.
Nem mesmo ídolos do Cruz-Maltino foram poupados. Além de ter sido expulso da tribuna de honra de São Januário durante uma partida entre Vasco e Ponte Preta em 2002, Roberto Dinamite tornou-se adversário político do ex-dirigente.
Edmundo e Juninho, que mais tarde se tornaram comentaristas, também se tornaram alvos de críticas. Eurico Miranda sabia amar e odiar na mesma intensidade.
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