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Coluna do Bichara: Perez e a visão do buraco mais embaixo

Luiz Gustavo Bichara analisa o GP de Miami da Fórmula 1

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imagem cameraVerstappen venceu o GP de Miami no último domingo (Rudy Carezzevoli / AFP)
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Lance!
Miami (EUA)
Dia 09/05/2023
18:29
Atualizado em 10/05/2023
10:01

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Novamente a Fórmula 1 chegou à ensolarada Miami, em sua pista de rua em torno do estádio dos Dolphins. Sergio Perez vindo de uma bela vitória em Baku, embalado pela tese de ser um especialista nesse tipo de circuitos (de rua), chegava com moral. Mas recebeu, rapidamente, a crua visita da realidade.

A pista, que no ano passado gerou muitas queixas dos pilotos por causa do asfalto, esse ano foi recapeada. Também houve bastante crítica em 2022 por conta das ultrapassagens – mais de 50 – mas sempre por conta do DRS. De maneira paradoxal, assistimos uma prova com muitas ultrapassagens, mas sem disputas – fruto, claro, da artificialidade do DRS. A coisa foi tão sem graça que para esse ano a FIA reduziu em 75 metros duas das três zonas de DRS do circuito. Me perdoem ser repetitivo, sei que isso tem sido um bolero de Ravel aqui na coluna, mas é inevitável repensar esse assunto. A ultrapassagem, que no dizer de Bernie Eclestone era para ser como um gol no futebol, hoje está completamente banalizada. O bordão de Galvão Bueno (“chegar é uma coisa, passar é outra”) ficou no passado.

No sábado a classificação foi agitada. Pelo Q1 já ficaram Lance Stroll, as duas Mclaren (mostrando que o brasileiro Gil de Ferran, que mais uma vez se junta ao time, terá trabalho) e o piloto da casa, Logan Sargeant. No entanto, curioso o fato que do 1o ao 14º colocado no Q1 a diferença era de 8 décimos – e do 1º ao último apenas 1,2 segundos. Realmente a coisa estava no detalhe. Já o Q2 vitimou Lewis Hamilton, que deixou para sair tarde e errou a volta.

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Mas a grande surpresa da conturbada classificação ainda estava por vir: faltando menos de 2 minutos para o final, Charles Leclerc, que já tinha batido em todas as sessões de treinos livres, perdeu a traseira do carro e rodou. Verstappen – que também errara em sua 1ª tentativa no Q3 – vinha voando, quando se deparou com a Ferrari de Leclerc parada como uma vaca numa pintura holandesa...E sem mais o Q3 foi interrompido. Festa para Perez que cravou pole, seguido de Fernando Alonso, Carlos Sainz e improváveis Kevin Magnussen e Pierre Gasly. Verstappen amargou apenas a 9ª posição.

Parêntesis rápidos para uma constatação: de novo frescura, nutelice! O carro de Leclerc rodou e parou ao lado de uma agulha na pista, poderia tranquilamente ser recolhido e o treino continuar, a despeito do pouco tempo faltante.

Domingo chegou e Checo vinha cheio de moral: em mais uma prova de rua ele largava na pole, com seu companheiro de equipe e arquirrival Verstappen em 9º, sendo que os dois estavam separados por uma turma supostamente dura de ultrapassar, como Alonso, Leclerc, George Russel etc.

Para completar a expectativa de uma prova agitada choveu bastante de sábado para domingo, o que tirou o emborrachamento da pista (como ela não é usada o ano todo, fica sem aderência – e a pouca que recebeu pós treino foi embora com a chuva). Então a única chance de aderência seria andar dentro do “trilho”, o que em tese dificultaria a ultrapassagem.

Mas na prática a teoria é outra, e o que vimos foi um passeio do atual campeão, verdadeiro Sunday drive. Antes da largada, no entanto, todo o show típico dos americanos, com direito à orquestra na pista regida por Will.i.am (isso não é um erro de digitação), vocalista da Banda Black Eyed Peas, e anúncio de piloto a piloto pelo rapper LL Cool J, com entrada triunfal debaixo de aplausos. O constrangimento de alguns era visível. Ao final da prova muitos se queixaram, argumentando que aquele é um tempo precioso que passam com seus engenheiros. Só que gostou foi Lewis Hamilton, gênio do marketing – e que talvez, de tão brilhante, precise se concentrar menos antes das provas.

Verstappen teria que partir para mais uma daquelas suas espetaculares corridas de recuperação, e para tanto vinha calçado com pneus duros, ao contrário de todos à sua frente que optaram pelo médio. Era uma estratégia que visava garantir-lhe mais tempo de pista em caso do provável safety car (as casas de aposta pagavam 4,50 por sua entrada). Dois enganos: não houve safety car e o holandês simplesmente ignorou a questão dos pneus.

Dada a largada Perez conseguiu segurar a ponta e já na 1ª volta abriu mais de um segundo de Alonso, ficando a salvo do DRS. Enquanto isso Verstappen vinha desembestado, e na 4ª volta já era o 6º após uma espetacular ultrapassagem dupla em cima de Leclerc e Magnussen.

Era – já se fazia óbvio – uma questão de tempo. E careceu menos do que se podia imaginar. Na volta 15 o holandês já tinha despachado todo mundo que vinha atrás de Perez, e estava apenas 3,7 segundos atrás dele. Na volta 20 Perez parou, quando estava pouco mais de 1 segundo a frente de Verstappen.

E aí o que todo mundo pensou é que com pneus novos Perez iria girar mais rápido, lembrando que Verstappen vinha de duros. SQN. O atual campeão não tomou conhecimento da diferença de compostos e cravou sucessivas voltas mais rápidas.

No pelotão anterior poucas disputas animaram a prova. Os espanhóis Sainz e Alonso até que luraram um pouco, mas Sainz recebeu uma punição de 5 segundos e Alonso passou o resto todo da corrida distante de Perez, que ia a frente, e de Russel que o seguia, ou seja, sozinho como filho de meretriz no dia dos Pais.

Enquanto isso Verstappen só abria, mesmo com pneus bem usados, garantindo que após sua parada sairia bem próximo de Perez. E não deu outra: após o pit, Perez estava apenas 1,3 segundos na frente de Verstappen. Em poucas voltas o holandês passou o mexicano sem tomar conhecimento. É verdade, no entanto, que foi uma ultrapassagem em ambiente controlado. Ninguém jogou duro, evidenciando que o cenário de um toque nem lhes passava pela cabeça.

E a corrida que se esperava bagunçada não teve sequer uma bandeira amarela, o que é raríssimo – e também nenhum abandono, algo igualmente incomum.

Verstappen, Perez e Alonso mais uma vez dividiram o pódio, numa corrida onde os prognósticos tanto de tumulto como de uma vitória de Perez se revelaram equivocados. Perez notou que o buraco é mais embaixo. A vantagem no campeonato que era de 6 pontos subiu para 14, e arrisco dizer que o problema maior é que Verstappen e sua superioridade ocupam um latifúndio na cabeça de Checo. A postura do mexicano nas entrevistas pós prova revelavam isso; vive ele aquela sensação ruim de decadência sem nunca ter tido um apogeu.

Mais uma vez Alonso foi o best of the rest. Ele já tem quase 50 pontos a mais que seu companheiro de equipe. Chega a ser humilhante. O espanhol subiu ao pódio esse ano mais vezes que em suas 6 temporadas anteriores, e dessa vez chegou a comentar no rádio uma ultrapassagem do filho do patrão – que viu no telao! Como pode o homem dirigir em alta performance e ainda ser, ao mesmo tempo, espectador? Ao final da prova Alonso confirmou que ficava assistindo à corrida pelos telões posicionados nas curvas de baixa. Chega a ser inacreditável. O espanhol, ademais, dá pinta que aprendeu bem o mantra “quem não puxa saco, puxa carroça”, e fez um bonito com o filho do chefe.

Digna de nota também é a performance da Alpine, que pontuou com os dois carros, e de Magnussen que fez um ponto para a Haas.

Semana que vem a F1 dá uma pausa, e na sequência teremos 3 finais de semana de corrida: Emilia-Romana, Mônaco e Barcelona. Na entrevista pós-GP, Alonso disse que está muito feliz com 4 pódios em 5 corridas, mas que quer o lugar mais alto, que ele não frequenta desde 2013. Ambicioso e ousado, disse ele que vê duas chances no ano, justamente Mônaco e Barcelona, travados circuitos. Ao espanhol, cairá bem o papel de toureiro a desafiar os imbatíveis Touros Vermelhos. O perigo é ele só ter a capa vermelha.

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