São 20 anos desde a última participação em Copas. São também 20 anos em que o Marrocos não consegue ser protagonista no cenário continental. Tirando o vice na Copa Africana de Nações de 2004, com o então garoto Chamakh, foram oito edições sem passar da fase de grupos ou nem se classificar para o torneio. 2017 quebrou a longa sequência, ao superar Costa do Marfim e Togo, antes de cair para o Egito nas quartas. Já foi um avanço relevante e que pode ser creditado a Hervé Renard.
Renard é um gigante do futebol africano. O treinador francês foi campeão continental com Zâmbia e Costa do Marfim, e agora resgatou Marrocos. Curiosamente, as passagens por clubes europeus foram rápidas e frustradas (em Sochaux e Lille). Mas o sucesso local é indiscutível e justifica o status de um dos treinadores mais bem pagos da África.
O elenco reúne mais qualidade do que se pensa, ainda que tenha um desequilíbrio em termos de gerações. Há um grupo considerável acima dos 30 anos (Benatia, Dirar, Manuel da Costa, Boussoufa, El Ahmadi, Nordin Amrabat e Boutaib) e outro importante na casa dos sub-23 (Achraf, Bennasser, Sofyan Amrabat e Harit). Entre os dois blocos, aparece o grande destaque individual do momento: Hakim Ziyech. O meia recebeu o prêmio de melhor jogador do Ajax na temporada 2017/18 e foi o líder de assistências da Eredivisie.
A escolha da função de Ziyech é o ponto de partida para o funcionamento coletivo da equipe. No Ajax, é o meio-campista pela esquerda no trio central. Na seleção, frequentemente é o ponta e muitas vezes na direita, com total liberdade para circular pelo campo, mas aberto no 4-3-3 ou 4-2-3-1. O desequilíbrio do elenco não está apenas na faixa etária. São vários jogadores de bom nível para o meio, mas não há a mesma oferta nos outros setores. Com isso, vira um desafio escalar um time tentando distribuir as peças.
El Ahmadi, Belhanda e Boussoufa formam o trio que deve ser a base do meio-campo. O veterano volante do Feyenoord dá sustentação para permitir a presença de dois meias mais criativos e avançados. Boussoufa joga um pouco mais recuado e é o termômetro na distribuição da saída de bola, dando liberdade para Belhanda atuar onde rende melhor, atrás do atacante. Fajr vira a alternativa para um time mais combativo, o que pode ser importante em um grupo que exigirá trabalho defensivo.
De fato, a estratégia escolhida por Hervé Renard é um dos tópicos mais interessantes. A seleção costuma reunir até quatro meias criativos em seu time titular e, ainda assim, conseguiu passar pelas eliminatórias sem sofrer um gol sequer no grupo de Costa do Marfim, Gabão e Mali. Três vitórias e três empates por 0x0. O controle se dava também pela posse de bola, o que parece bem menos provável em uma Copa do Mundo.
O número fica ainda mais surpreendente ao explorar as características individuais dos laterais. Nabil Dirar é um ponta convertido em lateral (teve experiência na lateral pelo Monaco, mas passou 2017/18 como meia do Fenerbahçe), e Achraf é um lateral direito ofensivo que teve dificuldades para se firmar em sua primeira temporada no Real Madrid (e que na seleção atua deslocado para a esquerda). Ou seja: individualmente, as peças não sugerem grande solidez defensiva. Benatia é a referência de uma dupla que conta com Saiss, que há mais de um ano é volante titular do Wolverhampton, recém-promovido à Premier League.
Portanto, Marrocos é uma grande incógnita. Como o próprio Renard definiu em entrevista recente, o ponto forte é o coletivo. E, realmente, precisa ser para compensar tantas improvisações e potenciais desequilíbrios. Mas não é a primeira vez que o técnico aposta em tal estratégia - funcionou com Zâmbia em 2012. A antecipação se torna chave nas recuperações de bola, apostando também na marcação mais adiantada para tentar não sobrecarregar os jogadores mais recuados e especialmente El Ahmadi, já que Boussoufa tende a sair de posição.
No ataque, Boufal deveria ser uma certeza, mas a alta transferência para o Southampton virou decepção com a pouca utilização. Na seleção, ele seria o jogador da velocidade e do drible pelas pontas, as acabou nem convocado. Quem pode fazer tal função é Nordin Amrabat, sem a mesma aceleração, mas com versatilidade para circular pelo ataque e atuar até centralizado. Na referência, a melhor notícia surgiu durante o ciclo. Khalid Boutaib é francês e optou por defender a seleção marroquina apenas em 2015, já com 28 anos. Artilheiro de divisões inferiores na França, conseguiu a transferência para o recém-promovido Yeni Malatyaspor e fez boa temporada na Turquia. Pela seleção, se consolidou como a principal opção ofensiva.
Se Marrocos adotar uma proposta ofensiva e tentar assumir o protagonismo na criação das jogadas, precisará lidar com o risco nas transições defensivas. Teoricamente, é uma postura esperada apenas contra o Irã, na estreia. Contra Portugal, até é possível imaginar um cenário de disputa pela posse, mas contra a Espanha já é bem menos provável. Em um grupo que gera muitas manifestações imediatas de falta de competitividade para os dois favoritos, Marrocos e Irã, de formas quase opostas de tão distintas, tentarão surpreender com seus estilos.
Jogos no Grupo B
15/6 - 12h - Marrocos x Irã
20/6 - 9h - Portugal x Marrocos
25/6 - 15h - Espanha x Marrocos