A denúncia do Ministério Público de Goiás (MP-GO) sobre o esquema de apostas envolvendo jogadores de futebol trouxe efeitos imediatos para o esporte: atletas envolvidos foram afastados pelos respectivos clubes e investigações foram iniciadas pela Justiça. Para além da repercussão inicial, o escândalo pode causar impactos no mercado esportivo nos próximos anos.
Para entender o cenário, o LANCE! procurou especialistas e atores do setor no Brasil. A visão é unânime: a manipulação de resultados tem um potencial destrutivo que envolve desde a perda de patrocínios até a desvalorização do ‘produto’ futebol aos olhos de possíveis investidores internacionais.
- A manipulação pode gerar prejuízo uma vez que o 'produto' futebol é intoxicado em seu aspecto mais inerente e necessário, a aleatoriedade. É justamente o fator 'imponderável' que mantém o esporte vivo e que torna o futebol atraente para os seus consumidores (os torcedores) - afirma Mariana Chamelette, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo.
Deflagrada na última terça-feira (9), a Operação Penalidade Máxima II investiga casos de manipulação de resultados em partidas das Séries A e B do Campeonato Brasileiro de 2022, além de confrontos dos estaduais que aconteceram neste ano. Cabe destacar que clubes e casas de apostas são tratados como vítimas.
Fernando Cesconetto, promotor do MP-GO, em coletiva de imprensa sobre a operação (Foto: Reprodução/MP-GO)
Patrocínios em risco
Um possível impacto da manipulação de resultados no mundo dos negócios pode ser no mercado de patrocínios. Em um primeiro momento, casos como este têm a capacidade de afetar a imagem de uma competição e desestimular potenciais patrocinadores no futuro, por exemplo.
- A manipulação de resultados afeta a imagem dos clubes e dos próprios campeonatos, o que pode afastar patrocinadores e as quantias financeiras que circulam no universo do futebol. Além disso, o esquema gera prejuízo direto para as casas de apostas, que são, hoje, alguns dos principais patrocinadores do futebol brasileiro - destaca Chamelette.
A opinião é compartilhada por Fábio Wolff, especialista em marketing e sócio-diretor da Wolff Sports. Principais prejudicadas com casos de manipulação, as casas de apostas arcam com um prejuízo - financeiro e de reputação - e podem repensar investimentos em futuros acordos se o problema não for resolvido.
- O fato das empresas de apostas serem patrocinadoras do evento, e de outras marcas também serem, não cria uma associação aos escândalos. É óbvio que essa situação não agrega à imagem das empresas, mas, ao mesmo tempo, não cria qualquer tipo de associação dessas marcas com o fato. As empresas estão fazendo investimentos porque acreditam no produto e estão investindo de boa fé. O que pode acontecer é que, se esses problemas não forem sanados, eventualmente essas empresas vão avaliar se o investimento para a próxima edição do campeonato irá valer a pena e deverão considerar o risco de isso continuar acontecendo, o que não seria bom para nenhum dos envolvidos - alerta Fábio Wolff, ao LANCE!.
Casas de apostas dominam mercado de patrocínio no futebol brasileiro (Foto: Divulgação)
Formado por novas empresas de apostas, o Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR) atua em conjunto com o governo federal para buscar medidas contra novos casos de manipulação. De acordo com André Gelfi, diretor-presidente da entidade, a regulamentação do setor é crucial para garantir os patrocínios esportivos nos próximos anos.
- A divulgação dos casos investigados é recente e grave, o país está surpreso. Nós acreditamos que a regulamentação é imprescindível e urgente para a defesa da integridade do esporte nacional, e será determinante também para fundamentar os patrocínios esportivos de médio e longo prazo - comenta André Gelfi.
Possível desvalorização do produto
A manipulação de resultados também pode afetar diretamente a imagem do Brasileirão aos olhos do mercado. E justamente em um momento crucial, quando os clubes negociam a criação da liga do futebol brasileiro e estão prestes a negociar os direitos comerciais da competição a partir de 2025.
- Pode desvalorizar o produto se não forem tomadas medidas enérgicas e que precisam entrar em vigor o quanto antes. Estou vendo o movimento do Governo Federal e das partes nesse sentido, porque, caso contrário, o produto entra em descrédito e a indústria, como um todo, perde. Ninguém ganha nessa história, todos perdem - lembra Wolff.
Esta possível desvalorização do produto significa, de forma direta, menos dinheiro para os clubes. Após a descoberta do esquema de apostas, investidores internacionais - que pretendem comprar 20% da liga - e empresas de mídia interessadas nos direitos de transmissão podem repensar os valores aplicados no Brasileirão.
Esquema de apostas pode desvalorizar o "produto Brasileirão" (Foto: Divulgação/CBF)
Como preservar a imagem do futebol brasileiro?
Ao mesmo tempo em que existe o debate sobre possíveis impactos negativos, é preciso pensar em formas de preservar a imagem do futebol brasileiro diante do caso de manipulação.
Agindo nessa direção, o Ministério da Fazenda apresentou na quinta-feira (11) uma proposta para regulamentar o setor de apostas que será encaminhada ao Congresso. Entre os pontos incluídos no texto há dispositivos para proteger as empresas do ramo e a proibição da realização de apostas por indivíduos ligados às entidades esportivas, como dirigentes, treinadores e atletas.
Além de iniciativas como essa, para Renê Salviano, CEO da Heatmap, empresa especializada em marketing esportivo, o passo mais importante é investigar e punir os responsáveis pelo caso.
- O assunto é bastante sensível e acredito que, antes de tudo, é preciso que as autoridades e os órgãos de competência tenham toda a liberdade do mundo para trabalhar na investigação. É um caso muito sério e que precisa ser apurado até a última instância, para que o produto futebol não caia em descrédito no mercado e com a comunidade de torcedores e consumidores em geral. O futebol brasileiro é um dos maiores patrimônios culturais do mundo e precisa ser tratado com profissionalismo e seriedade em todas as suas vertentes - comenta Renê Salviano, ao L!, antes de completar:
- Sempre é bom reforçar que as autoridades precisam de todo tipo de auxílio neste processo de investigações, inclusive um apoio das casas de apostas no que for solicitado. Até o momento, pelas notícias que estamos acompanhando, o que tem se configurado é que as próprias plataformas estão entre as principais vítimas deste esquema. É preciso que tudo seja tratado com muita seriedade e transparência para que esta crise seja superada da melhor forma possível e que os eventuais culpados sejam punidos.